As vacinas sob a ótica do Código de Defesa do Consumidor
É provável que o título do artigo cause alguma estranheza. Afinal, não somos condicionados a pensar em vacinas como algo mercantil, mas sim, como um produto farmacêutico diferenciado, um trunfo da ciência na luta pelo controle de doenças infecciosas que vêm assolando a humanidade desde tempos imemoriais, a exemplo do sarampo, e, também das que estão continuamente surgindo e se manifestando, como o atual surto de coronavírus. No entanto, a verdade é que, na atualidade, a comercialização de vacinas é uma das principais fontes de lucro das indústrias farmacêuticas, da ordem de dezenas de bilhões de dólares anualmente(1). Portanto, os conceitos de fornecedor (indústria farmacêutica) e produto (vacinas), são perfeitamente aplicáveis ao caso, conforme previsto no artigo 3º, parágrafo 1º da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor):
Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.
Por outro lado, qualificar como consumidor àquele que é vacinado, também pode parecer fora do contexto para a grande maioria das pessoas, pois dentre outros motivos, usualmente a vacinação não é precedida de pagamento, o que gera a falsa sensação de gratuidade. No entanto, é preciso lembrar que as vacinas contra a Covid-19 estão sendo compradas com dinheiro público. Ora, o estado nada produz; apenas administra o que é recolhido através do complexo sistema tributário nacional, o qual incide sobre toda a sociedade indistintamente; de tal sorte que cada cidadão individualmente considerado é sempre um contribuinte tributário, seja de forma direta ou mesmo indiretamente. Logo, a vacina que o cidadão brasileiro recebe, em última análise, foi comprada com o dinheiro dele mesmo, o que o legitima como consumidor e destinatário final do produto, nos exatos termos do artigo 2º, parágrafo único do Código de Defesa do Consumidor.
Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.
Tendo em vista a atual campanha de vacinação contra a Covid-19, causada pelo SARS-CoV-2, essa compreensão dos conceitos de fornecedor, produto e consumidor previstos no Código de Defesa do Consumidor, é fundamental para a correta análise das obrigações dos fabricantes das vacinas utilizadas em território nacional.
Por se tratar de um produto destinado à saúde humana, a principal preocupação certamente é quanto a biossegurança das vacinas, especialmente a interação das substâncias nela contidas, quando inseridas no meio biológico humano.
Desde o início, sempre se questionou a celeridade com que as vacinas contra a Covid-19 foram produzidas e disponibilizadas para uso massivo na população. De fato, a OMS foi alertada em dezembro de 2019 sobre casos suspeitos de pneumonia, causada por uma nova cepa do coronavírus na cidade de Wuhan, na China, tendo declarado estado de Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII), no final de janeiro de 2020, classificando como pandemia em março de 2020 (2). Ora, a partir de agosto de 2020 a OMS começou a receber dos grandes laboratórios farmacêuticos, os pedidos de autorização de uso das vacinas contra o surto de SARS-CoV-2, com a primeira licença sendo concedida para o laboratório Pfizer BioNTech já em dezembro de 2020(3), ou seja, menos de um ano após a declaração de emergência internacional.
Causou estranheza a rapidez da liberação concedida, tendo em vista que a pesquisa e desenvolvimento de uma nova vacina é reconhecidamente um processo extremamente demorado, especialmente visando garantir a efetividade dos resultados e a segurança dos usuários. De fato, o atendimento dos rígidos protocolos de biossegurança, exige o cumprimento de três fases distintas, desde a identificação dos componentes ativos que serão empregados no produto vacinal (primeira fase), passando pelos testes pré-clínicos para identificar eficácia, potencial imunológico e a segurança (segunda fase) até a autorização para os primeiros testes clínicos diretamente em voluntários humanos (terceira fase), antes que seja permitida a aplicação em toda a população. Ocorre que, muito embora a seleção de componentes vacinais para uso contra o SARS-CoV-2, possa ser relativamente rápida, tenho em vista o conhecimento acumulado na produção de outras vacinas, a verdade é que os testes da segunda e da terceira fases, necessariamente dependem do transcurso do tempo para consolidação dos resultados. Só após vários anos de estudos e testes é que efetivamente se torna possível conhecer a real eficácia e segurança da nova vacina, o que permite a concessão da licença para uso humano. Pelo menos, foi o que aconteceu em relação a todas as vacinas que conhecemos e que estão disponíveis para a sociedade. Para se ter uma ideia, a vacina contra o sarampo demandou dez anos de pesquisas e testes antes de receber autorização sanitária para uso humano.
Nesse particular os grandes laboratórios farmacêuticos passaram a fazer grandes campanhas publicitárias, nas quais alegavam que as novas tecnologias utilizadas, inclusive, com emprego de modernos e avançados recursos computacionais, permitiram abreviar significativamente os prazos para desenvolvimento das vacinas contra o SARS-CoV-2; e isso, sem qualquer comprometimento da eficácia e segurança.
Entretanto, posteriormente vieram a público documentos internos dos próprios laboratórios, indicando que não havia qualquer base técnica garantindo a qualidade e biossegurança das vacinas, conforme alegado por eles. De fato, em dezembro de 2021, o FDA (Food and Drug Administration) foi condenado pela justiça americana a disponibilizar os estudos técnicos relacionados com a produção da vacina contra a Covid-19. Os documentos apresentados mostravam uma realidade aterradora. Os ensaios e testes das fases 1, 2 e 3 para adultos, estão previstos para conclusão somente em 2023, enquanto para crianças e adultos jovens tem previsão de término apenas em junho de 2024(4). Não só isso! Os documentos informavam também que nos primeiros dois meses do ano de 2021, foram registrados milhares de casos de efeitos adversos relevantes apenas na população americana e europeia que estava sendo vacinada. Na época, foram documentados distúrbios do sistema nervoso central, problemas musculoesqueléticos, alterações no tecido conjuntivo, distúrbios gastrointestinais, alterações dermatológicas, problemas pulmonares e respiratórios e processos infecciosos diversos (5). A partir de março de 2022 novos lotes de documentos produzidos no ano de 2021 - desta feita já agregando os relatos oriundos de quase todos os países que estavam utilizando as vacinas, especialmente da Pfizer BioNTech - indicam números expressivamente elevados de efeitos adversos, inclusive, de outros muito mais graves, como pericardite, miocardite, trombose, tromboembolismo, embolia pulmonar, doenças autoimunes, dentre outras(6).
Assim, os registros constantes dos documentos disponibilizados ao público por ordem da justiça norte-americana, comprovam que a estratégia de uso maciço de propaganda para enaltecer os esforços dos laboratórios farmacêuticos na busca pelo tratamento para a Covid-19, na verdade visava apenas esconder as próprias falhas e omissões no cumprimento dos procedimentos de biossegurança requeridos na criação e produção das vacinas. Na ótica dos laboratórios farmacêuticos, a emergência sanitária seria motivo suficiente para relevar que as vacinas comercializadas a partir de janeiro de 2021, não só ainda eram experimentais, já que segundo os documentos técnicos disponibilizados pelos próprios fabricantes, os testes finais da fase 3 estão previstos para se encerrar apenas a partir de meados de 2023 - como também que estavam causando expressivo número de efeitos adversos na população, o que certamente exigiria novos estudos e testes para adequação da composição do produto vacinal ofertado.
E o mais grave é que desde janeiro de 2021, quando os laboratórios farmacêuticos passaram a disponibilizar para os governos os lotes dos experimentos vacinais - pois, como visto, ainda estavam em fase experimental de testes - todos os relatos de efeitos adversos recebidos no sistema VAERS (Vaccine Adverse Event Reporting System), eram compilados e documentados pelos laboratórios farmacêuticos, sem que as informações processadas fossem disponibilizadas para o público, o que só ocorreu a partir de dezembro de 2021, por determinação da justiça dos Estados Unidos, demonstrando, assim, que os grandes laboratórios não apresentariam voluntariamente esses relatórios.
Portanto, a proteção a vida, saúde e segurança dos consumidores brasileiros foi relevada, em nome da alegada urgência no combate à pandemia. Isto é um fato!
Pelo exposto, está claro que as práticas comerciais adotadas pelos laboratórios farmacêuticos no tocante ao fornecimento das vacinas contra a Covid-19, atentaram diretamente contra a nossa legislação consumerista. De fato, no artigo 6º do o Código de Defesa do Consumidor, estão elencados os direitos básicos do consumidor, sendo que o que encabeça a lista no seu inciso I, estabelece o seguinte:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos.
As práticas adotadas pelos laboratórios farmacêuticos afrontaram diretamente o previsto no artigo 6º, incisos III (prestação de informações adequadas e claras sobre os produtos e serviços) e IV (proteção contra a publicidade enganosa e abusiva) do nosso CDC:
Lembrando que o código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 4º, diz que a Política Nacional de Relações de Consumo tem por objetivo “o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo”, reconhecendo em seu Inciso I, ”a vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo”.
Nem se alegue que a declaração de pandemia feita pela OMS, daria aos laboratórios farmacêuticos, a liberdade para sonegar do público a documentação técnica das pesquisas, posto que nem o estado e nem as corporações têm o direito de subtrair do cidadão qualquer informação necessária para que ele faça uma escolha consciente em situação que envolva a sua vida, saúde e segurança. A própria Constituição Federal estabelece em seu Artigo 5º, caput, a inviolabilidade do direito à vida.
Portanto, todo o cidadão que tenha consentido em ser vacinado, desconhecendo não só que o produto ofertado ainda estava em fase de testes, como também que vinha causando efeitos adversos mundialmente e em níveis significativos, e, que tenha ele mesmo sofrido algum agravo à saúde, relacionado com o ato vacinal, devidamente atestado por médico de sua confiança, tem o direito a reparação previsto no artigo 12º do Código de Defesa do Consumidor:
Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.
Ademais, tendo em vista a hipossuficiência dos consumidores diante dos grandes laboratórios farmacêuticos, especialmente considerando que o comportamento dos referidos fabricantes das vacinas, primou sempre pela omissão em prestar as necessárias informações de segurança, e, também, por sonegar a apresentação dos dados técnicos disponíveis sobre as vacinas para toda a sociedade, estamos diante do caso da inversão do ônus da prova em favor da parte consumidora, conforme previsto no artigo 6º, Inciso VII:
“Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
“VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;
É importante lembrar que, em vista dos bens tutelados pela legislação, que são a vida, a saúde e a segurança, não há o que se falar em qualificar e nem quantificar o agravo sofrido quanto a sua intensidade, com o intuito de se furtar a obrigação de indenizar. Todo o dano físico e psicológico sofrido é indenizável.
Também deve ficar claro que ainda que os laboratórios farmacêuticos tenham estabelecido cláusulas de exclusão da responsabilidade com o governo brasileiro, elas são nulas de pleno direito, a teor do disposto no artigo 51, inciso I do Código de Defesa do Consumidor:
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
I - Impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis.
Deixo claro que o presente artigo não visa desconstruir o uso de vacinas para o bem da sociedade, mas apenas demonstrar que os laboratórios farmacêuticos não podem priorizar o lucro bilionário em detrimento da saúde dos pacientes, usando a pandemia como cortina de fumaça para os seus atos. A sociedade deveria ser avisada sobre o real estágio de evolução dos testes de biossegurança das vacinas e sobre os efeitos adversos que estavam sendo reportados, de modo que cada pessoa pudesse avaliar de maneira consciente sobre a necessidade e a oportunidade de fazer uso do produto vacinal. A autonomia de vontade do indivíduo em relação a própria vida, saúde e segurança é direito inalienável e condição essencial para o exercício da cidadania.
Flávio Roberto B. Ferreira. Advogado e Técnico de Segurança do Trabalho. Consultor Empresarial.
BIBLIOGRAFIA (consulta dos links feita em 25/05/2022)
2. https://www.paho.org/pt/covid19/historico-da-pandemia-covid-19
3.https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias-anvisa/2021/copy3_of_INFORMEN12021Guia42.pdf
4. https://clinicaltrials.gov/ct2/show/NCT04816643
5. https://phmpt.org/wp-content/uploads/2021/11/5.3.6-postmarketing-experience.pdf
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