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Fim das coligações para as eleições de 2020: e agora?

INSTITUTO DE ESTUDOS AVANÇADOS EM DIREITO
30/08/2019
Muitos pretensos candidatos e dirigentes partidários tem questionado acerca dos reflexos do fim das coligações para as Eleições de 2020, e como o novo dispositivo afetará a distribuição das cadeiras na prática.

Muitos pretensos candidatos e dirigentes partidários tem questionado acerca dos reflexos do fim das coligações para as Eleições de 2020, e como o novo dispositivo afetará a distribuição das cadeiras na prática. O escopo do presente artigo é, portanto, esclarecer o cômputo dos votos proporcionais a partir das próximas eleições.

Pois bem, a Emenda Constitucional n. 97, de 4 de outubro de 2017, trouxe alterações significativas ao processo eleitoral, alterando a Constituição Federal para vedar as coligações partidárias nas eleições proporcionais, estabelecendo normas sobre acesso dos partidos políticos aos recursos do fundo partidário e, ao tempo de propaganda gratuito no rádio e na televisão, e dispondo sobre regras de transição.

O referido diploma, no que tange às coligações, assim dispõe:

 

Art. 1º A Constituição Federal passa a vigorar com as seguintes alterações:

"Art. 17...................................................................................................................

§ 1º É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna e estabelecer regras sobre escolha, formação e duração de seus órgãos permanentes e provisórios e sobre sua organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações nas eleições majoritárias, vedada a sua celebração nas eleições proporcionais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária.

 

De plano, resta respondida a primeira das frequentes indagações: não! O regime proporcional não acabou. Ainda haverá cálculo do quociente partidário, sendo também possível o voto em legenda, tal como ocorre hoje.

O que mudou é que quando se vislumbrava a figura da coligação, dois ou mais partidos podiam se unir, tornando-se “um só” para as finalidades daquela eleição. Assim dispunha a Resolução n. 23.455, de 15 de dezembro de 2015, que regeu o registro de candidatos nas eleições de 2016:

 

Art. 6º A coligação terá denominação própria, que poderá ser a junção de todas as siglas dos partidos políticos que a integram, sendo a ela atribuídas as prerrogativas e obrigações de partido político no que se refere ao processo eleitoral, devendo funcionar como um só partido político no relacionamento com a Justiça Eleitoral e no trato dos interesses interpartidários (Lei nº 9.504/1997, art. 6º, § 1º).

 

Com a EC, os partidos passam a disputar sozinhos as vagas disponíveis pelo quociente partidário.

 

1. E como funcionará o cálculo do quociente?

A matemática do cálculo permanece a mesma.

Primeiramente, calculam-se os votos válidos, isto é, todos os votos registrados, subtraindo-se os brancos e nulos (art. 106, § único, do Código Eleitoral e art. 5º, da Lei n. 9.504 de 30/09/97).

Após, determina-se o quociente eleitoral, que é o resultado dos votos válidos divididos pelos lugares a preencher (art. 106, do Código Eleitoral). Despreza-se a fração, se igual ou inferior a 0,5, arredondando-a para 1 se superior.

Após, calcula-se o quociente partidário, dividindo-se a votação de cada partido (votos nominais + legenda) pelo quociente eleitoral (art. 107, do Código Eleitoral). Nesse caso, despreza-se a fração, qualquer que seja.

Imagine-se, apenas como um exemplo e um facilitador matemático, que tenhamos um Município com 23 mil votos, sendo 22 mil deles válidos, e há 11 cadeiras a preencher.

Assim, o quociente eleitoral é de 2 mil votos.

Imagine-se que o Partido “A” recebeu 10 mil votos, o Partido “B”, 6 mil, votos, o Partido “C”, 4 mil votos e os Partidos “D”, e “E”, 1 mil votos cada.

 

Partidos

Votação

Quociente eleitoral

Quociente partidário

A

10.000

÷ 2.000 = 5

= 5

B

6.000

÷ 2.000 = 3

= 3

C

4.000

÷ 2.000 = 2

= 2

D

1.000

÷ 2.000 = 0,5

= 0*

E

1.000

÷ 2.000 = 0,5

= 0*

     

Total = 10

(sobrou 1 vaga a distribuir)

 

* Os partidos “E” e “F”, que não alcançaram o quociente eleitoral, não concorrem à distribuição de lugares (art. 109, § 2º, do Código Eleitoral).

 

Os lugares não preenchidos pelo quociente partidário são chamados de sobra – neste modelo, houve uma. Para definir seu preenchimento, deve-se dividir a votação de cada partido pelo nº de lugares por ele obtidos + 1 (art. 109, inciso I, do Código Eleitoral). Ao partido que alcançar a maior média, atribui-se a 1ª sobra.

O que mudou é que, na vigência das coligações, a distribuição era feita aos mais votados da coligação, e agora, as vagas obtidas no quociente partidário pertencerão, como o nome sugere, aos candidatos do determinado partido.

 

2. E o que se pretende com essa mudança?

 

A intenção com a mudança foi fortalecer os partidos políticos e evitar os puxadores de votos. Certamente, a fragmentação partidária é um problema para o cenário político do país, e devem ser pensados mecanismos de amenizar a situação vivia em prol da governabilidade.

O outro ponto que se busca combater, também chamado de “fenômeno Tiririca”, em referência ao pleito de 2014, quando os votos recebidos pelo candidato foram capazes de “puxar” outros cinco candidatos, mesmo com votação inexpressiva. Tiririca não foi o único: em 2002, o candidato Enéas Carneiro recebeu um milhão e meio de votos e puxou outros cinco candidatos, um dos quais tinha recebido apenas 275 votos. 

Na experiência goiana, há ainda o exemplo do deputado federal Delegado Waldir, que em 2018 foi o mais votado nas eleições estaduais, com 274 mil votos, sendo responsável pela eleição de um candidato que obteve apenas 31 mil votos, e desbancando 11 outros candidatos com votações melhores.

Todavia, é necessário pensar criticamente se o fim das coligações realmente se presta a este mister. Primeiramente, é possível que os puxadores de votos continuem a existir, pois isso é reflexo do sistema proporcional, não das coligações. O que vai ocorrer agora, é que os candidatos alavancarão as eleições de seus colegas de partido, não de coligação.

No que tange à fragmentação partidária, esbarra-se num liame bastante sensível, pois o fim das coligações também pode (aliado à cláusula de barreira) dar o golpe de misericórdia nos partidos pequenos, atentando contra o princípio constitucional do pluralismo político.

Pesados os prós e contras, é bem verdade que as coligações não exigiam a afinidade ideológica necessária entre seus componentes, de modo que a junção dos votos recebidos contraria o axioma de votos em legenda por ideologia.

Isso posto, é de se considerar que a extinção das coligações não é, em juízo sumário, uma medida arbitrária, mas uma tentativa honesta de auxiliar na condução do processo eleitoral e na governabilidade. Votamos para que esse intuito se concretize a partir das próximas eleições.

 

Escrito por, Marina Almeida Morais é advogada, Coordenadora do Núcleo de Direito Eleitoral e Partidário do IEAD, especialista em Direito Eleitoral pela Universidade Cândido Mendes e Mestranda em Ciência Política pela Universidade Federal de Goiás. Marina está no instagram como @marinaalmor
 

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