A justiça tem um preço: a inovação no combate aos gastos do Judiciário
- O Poder Judiciário como uma Função do Estado
Conforme leciona DALLARI (2011, p.122), o Estado é a “ordem jurídica soberana que tem por fim o bem comum de um povo situado em determinado território”. Logo, podemos estabelecer que o Estado não é um fim em si mesmo. Como bem demonstra BOBBIO (2000, p. 392):
Considerando o Estado como o produto artificial de uma vontade comum, segue-se que de agora em diante o verdadeiro protagonista do saber político não será mais o Estado, mas o indivíduo.
A Constituição da República Federativa do Brasil divide os poderes estatais em três: Legislativo, Executivo e Judiciário. Tais poderes são independentes e harmônicos entre si, devendo respeitar o sistema de “freios e contrapesos” (checks and balances) para que coexistam e busquem o mesmo escopo do Estado em si.
Os entes estatais que funcionam dentro dessa divisão de poderes devem seguir os princípios da administração pública, estabelecidos em âmbito constitucional, quais sejam: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Tais princípios devem pautar quaisquer decisões de qualquer órgão que componha a Administração Pública, seja direta ou indiretamente.
O poder judiciário, dentro de suas funções, típicas e atípicas, atua, basicamente, como um mecanismo de pacificação social. Ou seja, qualquer litígio que possa advir das relações sociais entre os indivíduos poderá ser resolvido no contexto do poder judiciário.
Tal poder é composto de órgãos, que, por sua vez, podem ser singulares ou colegiados. Tais órgãos são divididos hierarquicamente, existindo justiça comum e especializada. Também, além de medidas judiciais, oportuniza à população a resolução dos conflitos de maneira extrajudicial, como é o caso de conciliação e mediação.
- Os problemas que cercam a prestação jurisdicional
Os problemas enfrentados pelo judiciário brasileiro atualmente não são elencáveis em um único artigo. A morosidade e o alto custo monetário são um dos principais e encontram-se, ainda, interligados.
O Estado Brasileiro, conforme texto constitucional (art. 3º, inciso II), busca garantir o desenvolvimento nacional, dentre outros tantos objetivos e princípios. Com o aumento da demanda no Poder Judiciário, a problemática se agrava.
Conforme Relatório Justiça em Números do Conselho Nacional de Justiça (CNJ, 2018, p. 73), o Poder Judiciário finalizou o ano de 2017 com 80,1 milhões de processos em tramitação, aguardando alguma solução definitiva. Neste mesmo ano, conforme supracitado relatório, as despesas totais do Poder Judiciário somaram R$ 90,8 bilhões (CNJ, 2018, p. 56), resultando aumento de 4,4% em relação a 2016.
Também é válido ressaltar que 15,8% dessas despesas se referem aos gastos com servidores inativos, ou seja, pagamento de aposentadorias e pensões. Sem essas despesas, o gasto para o funcionamento do Poder Judiciário é de R$ 76,5 bilhões (CNJ, 2018, p. 56).
A gestão de custos é consideravelmente nova no Brasil, tendo em vista que o CNJ incluiu o “Aperfeiçoamento da Gestão de Custos” como um dos Macrodesafios do Poder Judiciário apenas no Planejamento Estratégico 2015-2020 (1).
Grande parte dos gastos do Judiciário destina-se a recursos humanos, tais como: remuneração de magistrados, servidores, inativos, terceirizados e estagiários; auxílio-alimentação; diárias; passagens, dentre outros. A somatória desses gastos totaliza 90,5% do total gasto (CNJ, 2018, p. 61).
Outro ponto a ser analisado é a duração média dos processos, já que o sistema judiciário é conhecido pela morosidade. No primeiro grau, em varas estaduais, os processos de conhecimento levam em média 2 anos e 6 meses para ser sentenciado, já os processos de execução levam, em média, 6 anos e 4 meses (CNJ, 2018, p. 143).
Diante disso, podemos notar que os salários exorbitantes, pagamento de aposentadoria pelo rendimento integral, poucos gastos com tecnologia e inovação, morosidade para julgamento em primeira instância, quantidade de recursos, atrasando o trânsito em julgado, dentre tantos outros motivos, contribuem para que a Prestação Jurisdicional deixe de ser efetiva.
- Soluções inovadoras para conter os gastos
A tecnologia tem sido utilizada pelos mais diversos sistemas judiciários pelo mundo como uma alternativa ao crescimento da demanda judicial frente à necessidade de controle de gastos.
Todas as relações têm sido afetadas pelo uso de aparelhos tecnológicos, negar sua influência no mundo jurídico é o fazer padecer frente à inovação. Como o mundo jurídico como um todo pode ser engessado e demorar a incorporar soluções já adotadas pelo restante do mundo, discutir tal tema se torna essencial para provocar as mudanças necessárias.
Alternativas apresentadas por recursos tecnológicos podem ser amplamente utilizadas, das mais diversas formas, provocando uma redução do tempo de tramitação dos processos. Um exemplo clássico é a adoção do Processo Eletrônico.
A previsão do processo eletrônico, digital ou até mesmo virtual encontra-se na Lei 11.419/06, mais especificadamente em seu art. 8º, e já é uma realidade em boa parte dos tribunais brasileiros. Os sistemas PJE, Projudi e o recente PJD provocaram uma verdadeira revolução no que tange à administração, gestão, peticionamento, julgamento e análise dos processos judiciais, tornando a apreciação mais célere e efetiva.
A digitalização dos autos facilitou o manuseio, armazenamento e consulta, ocasionando uma real economia de recursos. Outro ponto a ser ressaltado é a diminuição do contato pessoal (2), já que existe uma série se serviços que podem ser oferecidos on-line, sem a necessidade de locomoção ou presença física do advogado no foro.
A utilização de vídeo conferência para a realização de audiências também pode ser bastante útil para economia processual, comodidade e segurança. Vale lembrar que tal modalidade só deverá ser realizada quando possível, tendo em vista que existe certos direitos a serem resguardados.
Outra ferramenta que tem sido útil é a assinatura digital. O artigo 2º da Lei 11.419/2006 exige a assinatura eletrônica para atuação no processo digital, vejamos:
Art. 2º. O envio de petições, de recursos e a prática de atos processuais em geral por meio eletrônico serão admitidos mediante uso de assinatura eletrônica, na forma do art. 1º desta Lei, sendo obrigatório o credenciamento prévio no Poder Judiciário, conforme disciplinado pelos órgãos respectivos.
A mesma Lei valida a produção eletrônica de documentos, conforme seu art. 11, que aduz:
Art. 11. Os documentos produzidos eletronicamente e juntados aos processos eletrônicos com garantia da origem e de seu signatário, na forma estabelecida nesta Lei, serão considerados originais para todos os efeitos legais.
Vale também lembrar que o CNJ já reconheceu até mesmo a utilização do aplicativo WhatsApp como instrumento válido de intimação dos atos processuais (3), conforme procedimento de controle administrativo nº 0003251-94.2016.2.00.0000.
Tecnologias como o Blockchain poderiam ser amplamente utilizadas para a produção de provas. Tal recurso funciona como um banco de dados descentralizado, utilizando um mecanismo de consenso e criptografia. O sistema é acessível a todos os usuários, sendo totalmente seguro, já que todas as informações são criptografadas.
Como é um sistema de registro coletivo (4), as informações não estão guardadas em um só lugar, sendo distribuídas entre os diversos computadores ligados a ela. Cada registro possui um código único, verificado pelos próprios usuários, devendo ser ainda, aprovada para que seja incorporada por meio de um bloco.
Recentemente, uma magistrada considerou válido registro de prova em Blockchain, sendo tal tecnologia utilizada em recurso ao TJ/SP. O caso discute exclusão de postagens supostamente ofensivas a um político em redes sociais (5).
Existem muitas alternativas tecnológicas que podem ajudar na gestão e controle de gastos do poder judiciário, contudo, tais iniciativas encontram, ainda hoje, forte resistência. É necessário que haja investimentos para que o mundo jurídico possa acompanhar a evolução juntamente com a sociedade, para que futuramente exista um sistema de prestação jurisdicional realmente efetivo.
Escrito por Isabella Nascimento Macedo, graduanda em Direito pelo Centro Universitário de Goiás - Uni-Anhanguera. Conselheira Executiva do Instituto de Estudos Avançados em Direito e integrante dos núcleos de Inovação e Gestão Legal e de Direito Penal. Seu e-mail para contato é: isabella_nm@outlook.com
FONTES e REFERÊNCIAS:
BOBBIO, Noberto. Teoria Geral da Política: a filosofia política e as lições dos clássicos. Rio de Janeiro: Campus, 2000, p. 392.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 122.
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em Números 2018 – Destaques. Brasília, 2018. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2018/09/8d9faee7812d35a58ce...
- Gestão de Custos no Judiciário Brasileiro e o papel do CNJ, 2017. Acesso em 28.05.2019. Disponível em: <https://medium.com/@martim.tassinari.aguiar/gest%C3%A3o-de-custos-no-jud...
- BENUCCI, Renato Luís. A Tecnologia da Informação a Serviço da Agilidade na Prestação Jurisdicional. Caderno de Doutrina e Jurisprudência da Ematra XV, V. 1, N. 2, mar/abr. 2005, p. 44-50.
- BATISTA, Claudia Karina Ladeia; GITAHY, Ivan Márcio; GITAHY, Raquel Rosan Christino. Celeridade Processual e Tecnologia: O Uso do Aplicativo WhatsApp Como Mecanismo de Intimação de Atos Processuais. Colloquium Sociais; Presidente Prudente, v. 01, n. Especial 2, Jul/Dez. 2017, p. 258-262.
- Blockchain: o que é a tecnologia dos Bitcoins. Toro Blog, 2019. Acesso em 28.05.2019. Disponível em: < https://blog.toroinvestimentos.com.br/bitcoin-blockchain-o-que-e>
- Magistrada considera válido registro de prova em Blockchain em ação sobre conteúdo ofensivo. Migalhas, 2019. Acesso em: 28.05.2019. Disponível em: < https://m.migalhas.com.br/quentes/298803/magistrada-considera-valido-reg...
Fonte: http://www.institutoead.org/
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