Honorários advocatícios após o trânsito em julgado: Questão da dupla fixação da verba
O Código de Processo Civil de 2015 trouxe inúmeras novidades sobre o exercício da advocacia, sendo que uma delas é a que permite ao advogado, quando há omissão na sentença transitada em julgado quanto à fixação de honorários sucumbenciais, o ajuizamento de ação autônoma para cobrá-los.
Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.
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§ 18. Caso a decisão transitada em julgado seja omissa quanto ao direito aos honorários ou ao seu valor, é cabível ação autônoma para sua definição e cobrança.
A inovação trazida pela Lei Processual resolve o problema que muitos advogados suportavam quando vigorava o Código de Processo Civil de 1973, ao passo que este não trazia consigo expressa disposição que garantia a verba honorária ao advogado quando lhe fosse omissa na decisão após o trânsito em julgado.
Quanto ao tema, entretanto, há ainda certo ponto pouco explorado pela doutrina e jurisprudência, a saber: a sentença relativa à ação autônoma que supre a omissão da fixação dos honorários também poderá nela ser fixada a verba honorária, se julgada procedente?
À primeira vista, parece clara a possibilidade, porém, basta imaginar a hipótese que na decisão há omissão dos honorários e o advogado se mantenha inerte até transitar em julgado, não opondo embargos de declaração (art. 1.022, II, do CPC), se beneficiando com dupla fixação, da primeira e da segunda ação, onerando demasiadamente a situação do sucumbente.
A questão dá ensejo a muita polêmica, pois não se pode olvidar que o advogado também não é obrigado a recorrer da decisão, nos moldes do princípio da voluntariedade que, segundo BUENO (2016, p. 739)[1], “para que o recurso seja compreendido como tal, é inarredável que o recorrente manifeste o desejo de recorrer e, além disso, que ele exponha a extensão de seu inconformismo.”, ou seja, por tal princípio entende-se que a parte possui livre arbítrio no desejo de recorrer de decisão judicial que se sinta prejudicada, não devendo ser penalizada (não receber os honorários) justamente por não ter exercido o direito de recorrer.
Essa lacuna processual ainda não encontrou resposta na jurisprudência, tampouco na doutrina, mas, inicialmente, o que parece mais correto – e, por “correto”, entenda-se: legal – é que o advogado não fará jus à fixação dupla de honorários, precisamente pela boa-fé processual, insculpida no art. 5º, do CPC, e pela desproporcionalidade da medida, sendo defeso ao advogado que se beneficie do seu próprio esquecimento ou inércia.
Aliás, em que pese o ônus da sucumbência seja pedido implícito (arts. 85 e 322, §1º, CPC), que incumbe ao juiz o pronunciamento de ofício, o advogado ainda assim não poderá se favorecer da sua própria inércia por não ter oposto os embargos fundados na omissão (art. 1.022, II, CPC). Logo, a fixação da verba em duplicidade implicaria em evidente bis in idem, prejudicial à parte devedora.
Noutro ponto, se a proporcionalidade dá a ideia de justa quantificação numerária, a razoabilidade dá a ideia de aplicar ou não a medida. Logo, se a quantificação justa atende à proporcionalidade, a falta dos honorários na ação autônoma do art. 85, §18, do CPC não atende a razoabilidade, por ser uma visão extremamente paternalista, que visa a proteção demasiada do sucumbente e que não autoriza ser o advogado excluído da regra do caput do art. 85, do CPC, que dispõe que “a sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.”
Com efeito, imagine a situação em que a sentença condene o vencido ao pagamento de R$1.000.000,00 (um milhão de reais), mas resta-se omissa quanto à fixação dos honorários. Transitada em julgado, o patrono ajuíza ação autônoma, pleiteando, portanto, a supressão da omissão e respectiva fixação em honorários, bem como outra condenação em honorários pela possível procedência da mesma ação autônoma, o juiz, atendendo ao disposto do art. 85, §2º, do CPC, fixa a verba em 20% (vinte por cento), referente à omissão e, pela procedência da ação autônoma, ainda fixa verba honorária no importe de 10% (dez por cento), alcançando o montante de 30% (trinta por cento), representativo de R$300.000,00 (trezentos mil reais), tendo como parâmetro a condenação sobre o valor da condenação.
Assim, julgada procedente a ação autônoma em comento, deverá o juiz sopesar a situação, atendendo aos critérios da vedação à onerosidade excessiva ao sucumbente (proporcionalidade) e fixando a verba honorária ao advogado, uma vez ser mandamento legal (razoabilidade).
Por derradeiro, entende-se que poderá haver a segunda fixação da verba na ação autônoma, desde que respeitado o limite de 20% (vinte por cento), positivado no art. 85, caput, do CPC, atendendo aos critérios da razoabilidade e proporcionalidade.
Essa linha impede que o advogado locuplete-se exponencialmente quando deixar propositalmente transcorrer in albis o prazo para oposição dos embargos, precisamente para ajuizar ação autônoma e receber honorários “duplicados”.
Kairo Souza Rodrigues, acadêmico do curso de Direito da Faculdade Alfredo Nasser (UNIFAN), aprovado no XXVII Exame de Ordem, atuante em Direito Empresarial, Recuperação Judicial e Falência de Empresas, estagiário em Leandro Santana Sociedade Individual de Advocacia.
Associado ao Instituto de Estudos Avançados em Direito e membro do Núcleo de Direito Processual Civil.
Seu e-mail é krodriguesjuridico@gmail.com
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
[1] BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil: inteiramente estruturado à luz do novo CPC, de acordo com a Lei n. 13.256, de 4-2-2016/
2. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo : Saraiva, 2016, p. 739.
Fonte: http://www.institutoead.org/