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Proteção das garantias constitucionais da pessoa com Transtorno do Espectro Autista (TEA)

Letícia Marina da S. Moura
08/06/2021
Entende-se que existe um direito positivo, ou seja, um dever dos Estados de intervier e incentivar os estudos na área, a fim de promover um método de identificação célere e eficiente da patologia

Luís Roberto Barroso (2015) define o Direito como uma invenção humana, um fenômeno histórico e cultural, concebido como técnica de solução de conflitos e instrumento de pacificação social. No entanto, além da função de mediador, destaca-se também o papel do direito na promoção da inclusão social.

 

A Constituição Brasileira, promulgada em 1988, é clara ao determinar que o ordenamento jurídico observe ao Princípio da Igualdade para a interpretação de normas de proteção a todos os grupos, inclusive os minoritários. Sobre tal princípio, Rui Barbosa (1997) o define com primazia ao dizer que: “A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade”, e completa: “tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real”.

 

O princípio da igualdade é entendido no sentido amplo e representa garantia fundamental para a edição de normas que promovam a inclusão de grupos minoritários na sociedade. Ferreira (2015) sustenta que a igualdade não exclui a diferenciação, em razão da diversidade de situações. O autor explica ainda que o mundo contemporâneo se preocupa em compensar desigualdades de riquezas, educação, bem como, amparar os carentes, os trabalhadores e membros de minorias. Ainda completa descrevendo a possibilidade das chamadas discriminações positivas:

 

“Tais normas seriam a resposta à discriminação contra esses grupos no passado. ‘Discriminariam’, de modo positivo, no sentido de que seriam a resposta a práticas e normas discriminatórias que teriam pesado contra os mencionados grupos e seriam a fonte das desvantagens de que eles hoje padecem. Justificar-se-iam em face da igualdade, por configurar um tratamento favorável que corresponderia à situação de desvantagem existente”

(FERREIRA, 2015, pg. 221)

 

Tal princípio, já anteriormente tão explorado, aliado ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, garante ainda a criação de leis específicas de proteção aos direitos das pessoas portadoras de Transtorno do Espectro Autista (TEA), conferindo a sua inclusão na assistência social, saúde e sistema de educação. Dentre todas as leis que dispõem sobre a matéria, a principal é a Lei n° 12.764/2012, projeto da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal decorrente de sugestão legislativa apresentada pela Associação em Defesa do Autista.

 

“Art. 1o Esta Lei institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista e estabelece diretrizes para sua consecução. 

§ 1o Para os efeitos desta Lei, é considerada pessoa com transtorno do espectro autista aquela portadora de síndrome clínica caracterizada na forma dos seguintes incisos I ou II: 

I - deficiência persistente e clinicamente significativa da comunicação e da interação sociais, manifestada por deficiência marcada de comunicação verbal e não verbal usada para interação social; ausência de reciprocidade social; falência em desenvolver e manter relações apropriadas ao seu nível de desenvolvimento; 

II - padrões restritivos e repetitivos de comportamentos, interesses e atividades, manifestados por comportamentos motores ou verbais estereotipados ou por comportamentos sensoriais incomuns; excessiva aderência a rotinas e padrões de comportamento ritualizados; interesses restritos e fixos. 

§ 2o A pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais”.

(Lei n. 12.764, 2012, grifo nosso)

 

O texto legislativo traz inúmeros avanços, principalmente ao promover a incorporação da doença ao rol das deficiências, garantindo assim, a todos os portadores, todas as conquistas de direitos já conquistados pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência. Além disso, em seu artigo 3º, disponibiliza atendimento multiprofissional, medicamentos, e, o acesso a: educação, moradia, mercado de trabalho, previdência social e assistência social. Santos (2017) destaca que, no que se refere à integridade da pessoa com autismo, as inovações obtidas por meio de tal lei dão abertura para que a sociedade reconheça não apenas o que é o Transtorno do Espectro Autista, mas como também abrange as peculiaridades do sujeito portador diante das suas singularidades.

 

Desta forma, é importante ressaltar que, além do texto jurídico brasileiro, o país beneficia-se também das conquistas provenientes da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2006). Além disso, o ordenamento brasileiro também se influencia pelos efeitos jurídicos de outros tratados internacionais que impulsionam a proteção à igualdade, dignidade e direitos humanos. A Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU (1948), a Declaração dos Direitos das Pessoas com Deficiência (1975) e a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência (1999). Esta última traz pontos muito interessantes para o combate do preconceito e discriminação dos portadores de deficiências:

 

“Artigo III

Para alcançar os objetivos desta Convenção, os Estados Partes comprometem-se a:

1. Tomar as medidas de caráter legislativo, social, educacional, trabalhista, ou de qualquer outra natureza, que sejam necessárias para eliminar a discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência e proporcionar a sua plena integração à sociedade, entre as quais as medidas abaixo enumeradas, que não devem ser consideradas exclusivas:

a) medidas das autoridades governamentais e/ou entidades privadas para eliminar progressivamente a discriminação e promover a integração na prestação ou fornecimento de bens, serviços, instalações, programas e atividades, tais como o emprego, o transporte, as comunicações, a habitação, o lazer, a educação, o esporte, o acesso à justiça e aos serviços policiais e as atividades políticas e de administração;

b) medidas para que os edifícios, os veículos e as instalações que venham a ser construídos ou fabricados em seus respectivos territórios facilitem o transporte, a comunicação e o acesso das pessoas portadoras de deficiência;

c) medidas para eliminar, na medida do possível, os obstáculos arquitetônicos, de transporte e comunicações que existam, com a finalidade de facilitar o acesso e uso por parte das pessoas portadoras de deficiência; e

d) medidas para assegurar que as pessoas encarregadas de aplicar esta Convenção e a legislação interna sobre esta matéria estejam capacitadas a fazê-lo.

2. Trabalhar prioritariamente nas seguintes áreas:

a) prevenção de todas as formas de deficiência preveníveis;

b) detecção e intervenção precoce, tratamento, reabilitação, educação, formação ocupacional e prestação de serviços completos para garantir o melhor nível de independência e qualidade de vida para as pessoas portadoras de deficiência; e

c) sensibilização da população, por meio de campanhas de educação, destinadas a eliminar preconceitos, estereótipos e outras atitudes que atentam contra o direito das pessoas a serem iguais, permitindo desta forma o respeito e a convivência com as pessoas portadoras de deficiência”.

 

A legislação preocupou-se com a proteção aos portadores do Espectro de Autismo, no entanto, é essencial a análise de tais normas jurídicas aplicadas à realidade da sociedade brasileira. Um dos pontos mais importantes a serem discutidos posteriormente é se elas conseguem, de fato, garantir a inclusão e impedir a discriminação de pessoas com deficiência no ambiente escolar.

 

Em adendo, sob o viés jurídico, entende-se que existe um direito positivo, ou seja, um dever dos Estados de intervier e incentivar os estudos na área, a fim de promover um método de identificação célere e eficiente da patologia, que considere não só as análises comportamentais do indivíduo, mas também o estudo genético da doença.

 

Os Tratados Internacionais ratificados pelo governo brasileiro, bem como a Constituição de 1988 e leis complementares acerca do tema contribuem para que os portadores de TEA tenham direito à inclusão educacional, tratamento adequado de saúde e assistência social. Entretanto, entende-se que, apesar do desenvolvimento de leis que trazem proteção aos indivíduos, há a necessidade de criação de ferramentas que façam que as palavras tão bem escritas nos textos jurídicos, tenham validade e eficácia além do papel e consigam alcançar a realidade social, em todos os contextos da sociedade brasileira.

 

Sobre a questão, Gomes (2017) complementa que para o desenvolvimento das pessoas com autismo torna se necessário a intervenção, estimulação da interação social e das formas de comunicação verbal e não verbal de acordo com as habilidades sociais e cognitivas da criança autista. Por isso, é tão importante a fase do diagnóstico, pois, quanto mais cedo ocorre a identificação, mais rápido as famílias podem utilizar-se das ferramentas legislativas para garantir a inclusão do menor em um sistema educacional adequado. Segundo o autor, a intervenção terapêutica possui caráter multidisciplinar, que se baseiam na melhor compreensão de seu comportamento, programas educacionais e programas de comunicação e linguagem.

 

Dessarte, o papel do Direito, paralelamente à atuação estatal, deve prezar pela construção de uma sociedade inclusiva, que estimule meios de acessibilidade aos portadores de Transtorno de Espectro Autista e outras deficiências, para que, de acordo com os princípios constitucionais, todos possam prosperar e gozar das mesmas oportunidades de crescimento.

 

Referencial teórico:

BARBOSA, Rui. Oração aos moços – edição popular anotada por Adriano da Gama Kury – 5. Ed. – Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1997.

BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo – 5. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2015.

BRASIL. Decreto nº 3.956, de 8 de outubro de 2001. Convenção Interamericana para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência. Disponível em <http://psychclassics.yorku.ca/Maslow/motivation.htm>. Acesso em: 27 mai 2021.

_________. Decreto-Lei n° 12.764, de 27 de dezembro de 2012. Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12764.htm. Acesso em 27 mai 2021.

FERREIRA, Manoel Gonçalves. Princípios fundamentais do direito constitucional: o estado da questão no início do século XXI, em face do direito comparado e, particularmente, do direito positivo brasileiro – 4. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2015.

GOMES, Deivisson Catete; DE PAIVA, Ariane Rego. A inclusão social de pessoas com transtorno do espectro autista após a aprovação da Lei 12.764/2012: Um Estudo Sobre o Trabalho da Associação Casa de Brincar de Barra do Piraí - RJEpisteme Transversalis, [S.l.], v. 7, n. 2, nov. 2017. ISSN 2236-2649. Disponível em: <http://revista.ugb.edu.br/index.php/episteme/article/view/630>. Acesso em: 28 mai 2021.

SANTOS, Regina Kelly dos; VIEIRA, Antônia Maira Emelly Cabral da Silva. Transtorno Do Espectro Do Autismo (Tea): do reconhecimento à inclusão no âmbito educacional. v. 3 n. 1 (2017): Universidade em Movimento: Educação, Diversidade e Práticas Inclusivas. Disponível em: < https://periodicos.ufersa.edu.br/index.php/includere/article/view/7413 >. Acesso em: 26 mai 2021.

 

Escrito por:

 

Letícia Marina da S. Moura é jornalista pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), especialista em Assessoria de Comunicação e Marketing pela Universidade Federal de Goiás (UFG), graduanda em Direito pelo Centro Universitário de Goiás - Uni-Goiás e especialização em curso em Direito Empresarial pela Faculdade Legale.

Letícia Marina da S. Moura (@le.moura7) é jornalista pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), especialista em Assessoria de Comunicação e Marketing pela Universidade Federal de Goiás (UFG), graduanda em Direito pelo Centro Universitário de Goiás - Uni-Goiás e especialização em curso em Direito Empresarial pela Faculdade Legale. Membro do núcleo de Direito Empresarial, Falimentar e Recuperacional (NEmp) do Instituto de Estudos Avançados em Direito (IEAD).