O papel do administrador judicial nos processos de falência
Não há como discorrer sobre a função do administrador judicial sem antes elucidar a respeito do procedimento falimentar e a sua importância para o cenário socioeconômico. Fortemente fundamentada nos princípios da função social e da conservação da empresa, a Lei nº 11.101/2005 instaurou-se no ordenamento com o fito de suprir as lacunas existentes no Decreto-Lei nº 7.661/1945.
Abandonando a arcaica visão de que a falência atinge apenas empresários que não esforçam em honrar suas dívidas, a nova legislação falimentar traz em seu bojo a compreensão de que a bancarrota da empresa pode ser ocasionada por instabilidades diversas na economia, podendo ser considerada como um processo natural e um risco assumido ao exercer a atividade.
O pensamento é um reflexo direto da atual instabilidade do cenário econômico brasileiro. Corroborando aos fatos narrados, ressalta-se que os dados da Serasa Experian indicam o crescimento de falências decretadas em agosto de 2019, correspondendo a uma variação de 92,9% em relação a agosto do ano anterior. Isto posto, diante do crescimento do número de processos falimentares e recupecionais e da dificuldade do mercado brasileiro, destaca-se que a área é um campo fértil para os advogados que almejam o campo do direito empresarial.
Regulada pela Lei 11.101/2005, a Falência é o instituto competente para promover a satisfação de dívidas contraídas por empresas e empresários que se enquadram nos requisitos exigidos pela legislação. Nesse cenário, é imprescindível o papel de um administrador judicial, que, entre suas funções, visa certificar que o processo falimentar seja o menos oneroso possível para a massa falida e o mais justo para os credores. Dessa forma atua, não advogando para nenhum lado, mas em parceria com o Poder Judiciário, figurando-se como um auxiliar na relação jurídica, fiscalizando e atuando de forma imparcial para que o processo se desenrole de forma organizada e transparente para todos os envolvidos.
Do procedimento falimentar
Na visão do Egrégio Doutrinador, Maximilianus Claudio Américo Führer, a falência é “um processo de execução coletiva, em que todos os bens do falido são arrecadados para uma venda judicial forçada, com a distribuição proporcional do ativo entre os credores”. Por mais que seja uma visão relativamente simplista do instituto, é uma conceituação justa, visto que a penhora de bens para satisfação das obrigações é, de fato, um dos objetivos do processo falimentar.
O processo falimentar tem seu início após a decretação judicial da falência, que pode decorrer de uma recuperação judicial frustrada ou por decretação através do julgamento de requerimento, que poderá ser feito, segundo artigo 97 da referida Lei, pelos credores, pelo próprio devedor ou por seu cônjuge ou herdeiro, ou por cotista ou acionista.
Após realizar o requerimento de falência, se respeitadas as exigências do artigo 94 e o Requerido não provar nenhuma mácula capaz de impedir a decretação, o pedido será acatado e, somente então, iniciará devidamente o processo de falência, que suspenderá o exercício do direito sobre os bens sujeitos à arrecadação e o direito de recebida ou retirada do valor de quotas ou ações dos sócios. A decretação da bancarrota também possui a capacidade de congelar os juros se o ativo não for suficiente para pagar os credores subordinados ou se tratar-se de juros de debêntures ou créditos com garantia real, conforme disposição do art. 124 da Lei n. 11.101.
Ademais, resquícios do uso da falência como instrumento de vingança contra o devedor são evidenciados pela proibição legal do exercício de qualquer atividade empresária por parte do falido, conforme impedimento constante no art. 102 da referida Lei.
Acrescenta-se também que, ao ser decretada a falência, é estabelecido um período suspeito, denominado de “termo legal”, que poderá retroagir aos negócios praticados pela falida até 90 dias antes da decretação (artigo 99, II da Lei 11.101) a fim de torna-los ineficazes perante a massa falida.
Ultrapassada a primeira fase do procedimento falimentar, após a nomeação do administrador judicial e a assinatura do termo de compromisso, iniciam-se as funções do auxiliar da justiça, que deverá promover a arrecadação dos bens patrimônio da massa falida, guardar a documentação fiscal e financeira da sociedade empresária falida e confeccionar o Quadro Geral de Credores de acordo com a avaliação e julgamentos dos créditos a serem habilitados na falência.
A administração do processo de falência
O administrador judicial, tanto nos casos de recuperação judicial quanto na falência, é um auxiliar qualificado nomeado pelo Juízo Falimentar/Recuperacional para colaborar com o efetivo andamento do procedimento. De acordo com a Lei nº 11.101/2005, a função deve ser ocupada por um profissional idôneo, preferencialmente advogado, economista, administrador de empresas, contador ou pessoa jurídica especializada.
Gladston Mamede elucida que o administrador judicial é um auxiliar que deve merecer a confiança do juiz, “não tem direito à função, não é parte no processo e não tem sequer direito de recorrer da decisão que o substitui”. Tendo em vista as peculiaridades da função, entende-se que a função do administrador judicial, atrelada à confiança, é de livre nomeação e substituição.
Após a escolha, o profissional deverá assinar ao Termo de Compromisso, tornando-se responsável pela condução do processo de falência ou recuperação judicial, devendo cumprir fielmente aos deveres impostos pelo artigo 22 da Lei falimentar, veja-se:
Art. 22. Ao administrador judicial compete, sob a fiscalização do juiz e do Comitê, além de outros deveres que esta Lei lhe impõe:
I – na recuperação judicial e na falência:
a) enviar correspondência aos credores constantes na relação de que trata o inciso III do caput do art. 51, o inciso III do caput do art. 99 ou o inciso II do caput do art. 105 desta Lei, comunicando a data do pedido de recuperação judicial ou da decretação da falência, a natureza, o valor e a classificação dada ao crédito;
b) fornecer, com presteza, todas as informações pedidas pelos credores interessados;
c) dar extratos dos livros do devedor, que merecerão fé de ofício, a fim de servirem de fundamento nas habilitações e impugnações de créditos;
d) exigir dos credores, do devedor ou seus administradores quaisquer informações;
e) elaborar a relação de credores de que trata o § 2º do art. 7º desta Lei;
f) consolidar o quadro-geral de credores nos termos do art. 18 desta Lei;
g) requerer ao juiz convocação da assembléia-geral de credores nos casos previstos nesta Lei ou quando entender necessária sua ouvida para a tomada de decisões;
h) contratar, mediante autorização judicial, profissionais ou empresas especializadas para, quando necessário, auxiliá-lo no exercício de suas funções;
i) manifestar-se nos casos previstos nesta Lei;
II – na recuperação judicial:
a) fiscalizar as atividades do devedor e o cumprimento do plano de recuperação judicial;
b) requerer a falência no caso de descumprimento de obrigação assumida no plano de recuperação;
c) apresentar ao juiz, para juntada aos autos, relatório mensal das atividades do devedor;
d) apresentar o relatório sobre a execução do plano de recuperação, de que trata o inciso III do caput do art. 63 desta Lei;
III – na falência:
a) avisar, pelo órgão oficial, o lugar e hora em que, diariamente, os credores terão à sua disposição os livros e documentos do falido;
b) examinar a escrituração do devedor;
c) relacionar os processos e assumir a representação judicial da massa falida;
d) receber e abrir a correspondência dirigida ao devedor, entregando a ele o que não for assunto de interesse da massa;
e) apresentar, no prazo de 40 (quarenta) dias, contado da assinatura do termo de compromisso, prorrogável por igual período, relatório sobre as causas e circunstâncias que conduziram à situação de falência, no qual apontará a responsabilidade civil e penal dos envolvidos, observado o disposto no art. 186 desta Lei;
f) arrecadar os bens e documentos do devedor e elaborar o auto de arrecadação, nos termos dos arts. 108 e 110 desta Lei;
g) avaliar os bens arrecadados;
h) contratar avaliadores, de preferência oficiais, mediante autorização judicial, para a avaliação dos bens caso entenda não ter condições técnicas para a tarefa;
i) praticar os atos necessários à realização do ativo e ao pagamento dos credores;
j) requerer ao juiz a venda antecipada de bens perecíveis, deterioráveis ou sujeitos a considerável desvalorização ou de conservação arriscada ou dispendiosa, nos termos do art. 113 desta Lei;
l) praticar todos os atos conservatórios de direitos e ações, diligenciar a cobrança de dívidas e dar a respectiva quitação;
m) remir, em benefício da massa e mediante autorização judicial, bens apenhados, penhorados ou legalmente retidos;
n) representar a massa falida em juízo, contratando, se necessário, advogado, cujos honorários serão previamente ajustados e aprovados pelo Comitê de Credores;
o) requerer todas as medidas e diligências que forem necessárias para o cumprimento desta Lei, a proteção da massa ou a eficiência da administração;
p) apresentar ao juiz para juntada aos autos, até o 10º (décimo) dia do mês seguinte ao vencido, conta demonstrativa da administração, que especifique com clareza a receita e a despesa;
q) entregar ao seu substituto todos os bens e documentos da massa em seu poder, sob pena de responsabilidade;
r) prestar contas ao final do processo, quando for substituído, destituído ou renunciar ao cargo.
Em suma, a função de administração judicial é composta pela atuação jurídica e administrativa. Além de promover a arrecadação dos bens e composição do Quadro Geral de Credores com os seus respectivos créditos, deve praticar todos os atos conservatórios de direitos e ações, assim como promover a prestação de contas de toda a movimentação financeira ocorrida no processo falimentar.
Sobremais, Waldo Fazzio Júnior (2005) elucida ainda que “as incumbências do administrador judicial não se restringem a deveres positivos. Há outros de prestação negativa, isto é, deveres de abstenção”. Sobre a questão, a própria legislação fixa proibições, tal como a transigência sobre os créditos e negócios da massa falida sem autorização judicial.
Referências:
FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas. São Paulo: Atlas, 2005.
MAMEDE, Gladston. Direito Empresarial Brasileiro: Falência e Recuperação de Empresas, Volume 4, 5ª ed., São Paulo: Atlas, 2012.
FÜHRER, Maximilianus Claudio Américo. Roteiro de Concordata e Falência.
Escrito por:
Letícia Marina da Silva Moura, jornalista pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), especialista em Assessoria de Comunicação e Marketing pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e graduanda em Direito pelo Centro Universitário de Goiás - Uni-Anhanguera. Membro da Liga Acadêmica de Ciências Jurídicas e Sociais (LACIJUS) e do núcleo de Direito Empresarial do Instituto de Estudos Avançados em Direito (IEAD).
Luiz Gustavo Pereira Franco, acadêmico do curso de Direito do Centro Universitário de Goiás - Uni-Anhanguera. Direitor-geral da Liga Acadêmica de Ciências Jurídicas e Sociais (LACIJUS). Primeiro Secretário do Diretório Central dos Estudantes (DCE) do Centro Universitário de Goiás - Uni-Anhanguera. Membro do núcleo de Direito Empresarial, Falimentar e Recuperacional (NEmp) do Instituto de Estudos Avançados em Direito (IEAD).
Letícia Marina da S. Moura (@le.moura7) é jornalista pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), especialista em Assessoria de Comunicação e Marketing pela Universidade Federal de Goiás (UFG), graduanda em Direito pelo Centro Universitário de Goiás - Uni-Goiás e especialização em curso em Direito Empresarial pela Faculdade Legale. Membro do núcleo de Direito Empresarial, Falimentar e Recuperacional (NEmp) do Instituto de Estudos Avançados em Direito (IEAD).