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O benefício da assistência social diante da reforma da previdência

Farelos Jurídicos
16/07/2019
O Benefício de Prestação Continuada é considerada uma verdadeira “aposentadoria” para as classes mais necessitadas.

O Benefício de Prestação Continuada (BPC), popularmente conhecido como LOAS, é considerado uma verdadeira “aposentadoria” para as classes mais necessitadas. Trata-se de uma importante fonte de renda que ampara não apenas o beneficiário, mas toda a família.

Acontece que essa “aposentadoria” pode estar com os dias contados se a PEC 06/19 se transformar em Lei sem alterações significativas. Cumpre esclarecer que, o BPC está inserido no contexto da reforma da previdência de forma equivocada, pois corresponde a um benefício assistencial com previsão constitucional.

Compondo um dos pilares da Seguridade Social, a Assistência Social é prestada a quem dela necessitar e tem por objetivo a garantia de um salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e/ou ao idoso que comprovem não possuir meios de prover seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua família, independente de contribuição (artigo 203, caput e inciso V, da CF/88).

No que tange à legislação específica, é a Lei Orgânica da Assistência Social, Lei n. 8.742/93, comumente conhecida como LOAS, que cuida do assunto. Em seu art. 20, estão contidos os requisitos para a concessão do que se denominou Benefício de Prestação Continuada (BPC), destinado tanto à pessoa portadora de deficiência como ao idoso que preencham os requisitos legais.

No caso do interessado que demanda proteção de sua deficiência, esse deverá comprovar não só os impedimentos de longo prazo (art. 20, §2º), mas também a necessidade (art. 20, §3º), gravada por uma situação de hipossuficiência ou miserabilidade, consubstanciada em uma renda familiar mensal per capita inferior a ¼ de salário mínimo. A recepção desses requisitos, em geral, é rigorosa, principalmente por parte do INSS (via administrativa).

Os benefícios assistenciais são fruto das relações histórico-humanas do nosso país e tem toda razão de ser e existir. O modo como se organiza uma sociedade e a manutenção de uma ordem social são justificáveis pelas necessidades peculiares de cada povo. Por isso, o nascimento desse mecanismo de proteção social no país.

De acordo com os dados estatísticos do Boletim Estatístico da Previdência Social (BEPS), em novembro de 2018, o total de beneficiários do BPC eram cerca de 4,7 milhões, sendo que destes 44% era de idosos acima de 65 anos. Isso equivale dizer que, se houver mudanças na lei, inúmeros idosos serão atingidos negativamente.

PEC 06/19

No que tange à proposta para o BPC idoso, temos a mudança da idade de 65 para 70 anos de idade e a ampliação da idade mínima para a concessão da renda mensal de um salário mínimo. Entretanto, temos a criação de critérios de elegibilidade para os idosos entre 60 e 69 anos fixando o valor do benefício em R$ 400,00 (quatrocentos reais). Esse benefício está disciplinado nas disposições transitórias da PEC, podendo ser alterado por meio de lei ordinária.

Com a reforma, altera-se a condição de miserabilidade, que deve atender aos seguintes critérios: renda mensal integral per capita familiar inferior a ¼ do salário mínimo (inclui toda e qualquer renda de todos os membros da família) e patrimônio inferior ao valor definido em lei (até R$ 98.000,00).

Cumpre esclarecer que, atualmente, o Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03) permite excluir na composição do cálculo para receber o BPC, renda auferida por idoso no valor de até 1 salário mínimo. A jurisprudência, outrossim, firma-se no sentido a adequada valoração dos critérios pessoais, sociais, econômicos, entre outros, devem ser justamente avaliados para revelar a efetiva condição social vivida pelo demandante.

O critério proposto será um retrocesso na conquista de anos de batalha na justiça, dentre as inúmeras jurisprudências colecionadas nas peças exordiais, para tentar trazer dignidade para as famílias carentes. Vários são os exemplos do dia a dia quem que atestam a necessidade de afastar a renda de um membro familiar. É comum casais de idosos, em que um recebe 1 salário mínimo de aposentadoria ou mesmo BPC, mas devido as doenças que o acometem, fica impedido de auxiliar o outro idoso e muitas vezes em condições piores.

Além de afetar os idosos, esse critério de miserabilidade deverá afetar também os deficientes, que recebem o benefício para atender às suas necessidades vitais básicas e de sua família.

Ademais, a reforma da “previdência” afetará a assistência social no que tange à possibilidade de preterir a idade mínima para o BPC baseada na maior expectativa de sobrevida da população brasileira.

MARGINALIDADE SOCIAL

Muito ainda se discute a questão do aumento da expectativa de vida, mas não basta almejar uma vida longa, é necessário trazer o mínimo de qualidade de vida. Assim, temos que se a reforma da previdência se não houver alteração deverá “marginalizar” ainda mais o idoso. 

A situação social do idoso no Brasil requer cuidados mais aprofundados, vez que a população brasileira está envelhecendo a largos passos, tendo sérios reflexos nas futuras gerações.

Diminuir o valor do BPC pode ser uma saída para a economia, mas uma tragédia para a parcela da sociedade que recebe o benefício, em decorrência da miserabilidade. Ao contrário de décadas atrás, atualmente constatamos a síndrome do “ninho cheio”, onde os filhos retornam para os lares de seus pais (idosos), com netos e bisnetos e, na maioria das vezes, o único sustento da família corresponde ao BPC.

Quando esse idoso não auferir renda suficiente para se manter e a família, veremos os asilos abarrotados de idosos abandonados pelos familiares. O professor de economia da Unicamp, Eduardo Fagnani, faz a seguinte observação:

 

 (...) Do jeito que está posto, a regra permite congelar valor do BPC em R$ 400,00, não há previsão de aumento. Junto com as outras regras que dificultam o acesso à aposentadoria, em 20 ou 30 anos isso vai criar uma massa de desalentados. Sem correção, os R$ 400 serão, em 10 ou 15 anos, o equivalente a R$ 200. O governo quer apenas cortar gastos.

 

Em que pese o papel regulador de distribuição de riquezas do Estado, há de sobressair o atual sistema solidário conquistado pelo povo brasileiro. Que o princípio da dignidade da pessoa humana seja respeitado e o Estado não queira apenas ‘economizar’, tirando a possibilidade do idoso auferir uma renda mínima para seu próprio sustento e de sua família.

 

Referências

 

BPC é um dos pontos polêmicos da reforma da Previdência. Disponível em https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/05/09/bpc-e-um-dos-pontos-polemicos-da-reforma-da-previdencia. Acesso em 21/05/2019.

 

Impactos fiscais da PEC nº 6/2019: o caso do Benefício de Prestação Continuada (BPC). Disponível em http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/554601/NT28_Reforma_Previdencia_Novo_BPC.pdf Acesso em 21/05/2019.

 

Quantos são quem são os segurados facultativos da Previdência Social?. Disponível em http://www.previdencia.gov.br/arquivos/office/3_100721-191423-541.pdf. Acesso em 20/05/2018.

 

SAVARIS, José Antônio. Direito Processual Previdenciário. Curitiba, Alteridade, 2014, 5ª edição.

 

_____________________. (Coord.). Direito Previdenciário Problemas e Jurisprudência. Curitiba, Alteridade, 2015, 2ª edição.

 

WALDRICH, Rafael Schmidt. Previdência Social e Princípio da Boa-Fé Objetiva. Curitiba, Juruá, 2013.

 

Escrito por,

Bruna Nunes Pinto Spicacci Machado, Advogada Especialista em Direito Previdenciário e militante na área. Membro do IEAD - Coordenadora do Núcleo de Direito Previdenciário. Foi Conselheira Federal da Câmara de Julgamento do Ministério da Previdência Social. Graduada em Relações Internacionais e Direito pela PUC/GO.

 

Kátia Costa Gomes, Advogada Previdenciarista, Professora de pós graduação. Membro do IEAD – Vice Coordenadora do Núcleo de Direito Previdenciário. Foi Advogada do Núcleo de Prática Jurídica na área previdenciária e família na PUC/GO, por 7 anos. Pós graduada em Direito Público e Administração Escolar. Graduada em História.

 

Fonte: http://www.institutoead.org/

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