Negociação por princípios: como negociar sem ceder?
A negociação é aplicável em todos os aspectos da vida, inclusive, na área jurídica, que é, em sua maior parte, estruturada no conflito de interesses. No âmbito jurídico, a negociação deve ser uma competência de qualquer profissional, não somente do conciliador. Entretanto, talvez a negociação seja mais visível na conciliação. Afinal, um bom conciliador é um bom negociador. “Bom”, nesse contexto, significa preocupar-se com os interesses subjacentes das partes associados ao objeto da demanda e conseguir uma solução justa e eficiente para ambas.
O objetivo da negociação não é eliminar o conflito, mas transformá-lo. A negociação é um meio de conseguir o que se almeja de outrem. Apesar de a negociação ser aplicável diariamente, nas situações mais simples até nas mais complexas, não é fácil definir a melhor estratégia. Exemplificativamente, existem três modos de negociar: gentil, firme e baseado em princípios.
Negociação de posições x Negociação por princípios
Os modos gentil e firme são exemplos da negociação de posições. Por outro lado, no método de negociação baseada em princípios, desenvolvido no Projeto de Negociação de Harvard, o negociador decide as questões por seus méritos.[1] Assim, na negociação por princípios, só há negociação se, e somente se, as partes acreditam que existe alta probabilidade do cenário posterior à negociação ser melhor para ambas do que o anterior. Desse modo, resta claro que a negociação por princípios se contrapõe à negociação por barganha, em que o negociador defende somente seus próprios interesses sem se preocupar com os do outro.
Negociar posições não é a melhor opção. Quando as partes assumem posições e as negociam, a tendência é que elas se fechem nelas. O ego se identifica com a sua posição e, de acordo com o princípio da coerência, as partes vão sustentar a mesma posição para não parecerem incoerentes.[2] Desse modo, quanto mais atenção é dada às posições, menor é a chance de conciliar os interesses das partes de modo sensato. Afinal, a comunicação não flui e a negociação de posições se torna uma competição, em que as partes disputam quem vai “vencer”.
A negociação ocorre em dois níveis: na essência e no seu respectivo procedimento. O primeiro nível diz respeito ao objeto da negociação, por exemplo, um contrato. O segundo nível se refere ao modo como será feita negociação – gentil, firme ou baseada em princípios. Cada atitude dentro da negociação define não só o seu objeto, mas também as regras.
O método de negociação baseada em princípios é uma alternativa à negociação de posições e pode ser resumido em quatro pontos essenciais:
a) pessoas;
b) interesses;
c) opções e;
d) critérios.[3]
O primeiro ponto – pessoas –, ressalta a necessidade de separar as pessoas do problema. O segundo ponto – interesses –, significa que a negociação deve se concentrar nos interesses das partes, não nas posições que elas assumiram. O terceiro ponto – opções –, orienta que primeiramente o negociador deve pensar em várias possibilidades de ganhos mútuos para depois tomar a decisão do que fazer. O último ponto – critérios –, as partes devem estabelecer critérios objetivos, que alcancem uma solução justa para ambas.
Etapas da negociação por princípios
A negociação pode ser dividida em três etapas:
a) análise,
b) planejamento e;
c) discussão.
A análise consiste em identificar os interesses envolvidos, tanto os próprios como os da outra parte e coletar informações. No planejamento, deve elencar como resolver os problemas, quais os objetivos reais e as opções para chegar a uma decisão. Por último, a discussão, que é quando as partes interagem em busca de um acordo. Assim, a negociação baseada em princípios costuma gerar acordos sensatos e eficientes, por meio do consenso gradual e sem os custos de uma negociação de posições. Nesse caso, a negociação passa a ser uma disputa, em que os interesses essenciais ficam de escanteio e as transações forçadas podem gerar a frustração de ter que abrir mão de uma posição.
Interesses essenciais x Bom relacionamento
Todo negociador tem dois interesses na negociação: os essenciais – objeto da negociação – e o bom relacionamento com a outra parte. O negociador pretende, em linhas gerais, conseguir um acordo aceitável, manter um bom relacionamento e garantir a aplicação do acordo.
Mas não é tão simples assim, há muito em jogo.
O relacionamento tende a se fundir com a essência do problema. A partir daí, as pessoas fazem inferências pessoais nas falas da outra parte. Essa confusão é agravada pela negociação de posições, que coloca as questões essenciais e o relacionamento em conflito. Na negociação é necessário separar o relacionamento da pessoa, lidando diretamente com o problema. Nesse sentido, o negociador deve guiar suas ações com base em:
- percepção;
- emoção e;
- comunicação.
O problema reside principalmente no modo como a parte o enxerga. Nesse ponto, ressalta-se que não é necessário que o negociador concorde com a outra parte. Os pontos de vistas diferentes devem ser claramente expostos e discutidos, sem menosprezar nem julgar a percepção da outra parte. Assim, todas as partes devem ser envolvidas no processo para que o sentimento de cooperação – resolução conjunta do problema – proporcione a aderência ao resultado da negociação. Desse modo, sendo o resultado coerente com o processo discutido por ambas as partes, o princípio da coerência reforçará a aceitação do resultado.
O comportamento dos negociadores e os fatores emocionais definem o clima da negociação e influenciam no seu resultado. Alguns fatores positivos importantes são a sinceridade, a segurança, o domínio emocional e a empatia. Por outro lado, alguns fatores que dificultariam uma boa negociação são a dissimulação, a insegurança, o descontrole emocional e a rigidez.
Assim, saber lidar com as emoções é crucial para uma boa negociação, pois as emoções se transformam rapidamente podendo levar a negociação ao fim prematuro ou nunca chegar ao fim. O primeiro passo é reconhecer as emoções que estão em jogo. Depois, o negociador deve se ater às preocupações centrais. O negociador deve explicitar como se sentiu diante de determinada situação vivenciada por alguma atitude da outra parte. Demonstrar vulnerabilidade, ao contrário do que o senso comum acredita, pode fortalecer a negociação. Além disso, gestos simples, como pedir desculpas e ser educado, produzem uma conexão emocional com a outra parte, gerando empatia.
Conclusão
A negociação é um processo de comunicação e as partes precisam conversar uma com a outra. É fundamental observar os sinais da outra parte, por exemplo. Caso uma parte não esteja compreendendo a fala da outra, esta deve explicar de outro modo para evitar mal-entendido. Em contrapartida, é preciso exercitar a escuta ativa e verificar se entendeu corretamente o que a outra parte disse. Utilizando os instrumentos e técnicas citados, a negociação deve gerar resultados bons e duradouros, de modo mais eficiente. Pelo exposto, a negociação por princípios é um método que permite a transformação do conflito em uma solução justa para as partes. É possível ser ético e conseguir o que quer numa negociação.
Escrito por Evelyse Araújo Castro, advogada, associada do Instituto de Estudos Avançados em Direito (IEAD), graduada em Direito pela Universidade Federal de Goiás (UFG), pós-graduada em Direito Civil e Processo Civil pela Atame. Instagram:@evelyseac.
[1] FISCHER, R. et al. Como chegar ao sim: Como negociar acordos sem fazer concessões. ed., rev., e atual. Rio de Janeiro: Sextante, 2018.
[2] CIALDINI, R. A Armas da Persuasão: Como influenciar e não se deixar influenciar. Rio de Janeiro: Sextante, 2012.
[3] FISCHER, R. et al. Como chegar ao sim: Como negociar acordos sem fazer concessões, 2018.
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