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As diferenças na prática jurídica entre renúncia da herança, indignidade e deserdação

Letícia Marina da S. Moura
15/04/2020
A sucessão hereditária é todo o ato de suceder gerado pela morte de pessoa física a seus herdeiros, legatários e outros sucessores que lhe sobrevivam ou à Fazenda Pública – aos Municípios, Distrito Federal e/ou União, se aqueles faltarem.

Antes de adentrar aos instrumentos em estudo, é essencial caracterizar a sucessão e herança. Paulo Lôbo (2018)[1] esclarece que a sucessão hereditária é todo o ato de suceder gerado pela morte de pessoa física a seus herdeiros, legatários e outros sucessores que lhe sobrevivam ou à Fazenda Pública – aos Municípios, Distrito Federal e/ou União, se aqueles faltarem.

 

Nesse ínterim, observa-se o instrumento da herança. O Código Civil Brasileiro, notadamente em seu art. 1.784 e seguintes, dispõe que a herança se transmite, a partir do momento em que é aberta a sucessão, aos herdeiros e testamentários. Isso significa que todos os bens são transmitidos pelo de cujus aos seus sucessores, sejam esses elencados pela legislação ou escolhidos em seu ato de vontade.

 

Carlos Roberto Gonçalves (2019)[2] explica que o sistema jurídico brasileiro adotou ao princípio da saisine no artigo supradito, uma vez que embora não se confundam a morte com a transmissão da herança, sendo aquela pressuposto e causa desta, a lei, por uma ficção, torna-as coincidentes em termos cronológicos, presumindo que o próprio de cujus investiu seus herdeiros no domínio e na posse indireta de seu patrimônio. Nesse ponto, frisa-se que a herança é passada de forma automática, sem que os herdeiros tenham que aceitar a transmissão.

 

Ultrapassada a questão, elucida-se a respeito do instrumento da renúncia, que nada mais é do que um “negócio jurídico unilateral pelo qual o herdeiro manifesta a intenção de se demitir dessa qualidade” (GONÇALVES, 2019, p. 101). Ou seja, como o herdeiro não é obrigado a aceitar a herança, este poderá renunciar à transmissão, sendo visto pelo sistema jurídico como se nunca tivesse sido herdeiro e/ou nunca lhe houvesse sido conferida a sucessão.

 

Nessa perspectiva, a renúncia poderá ser abdicativa e translativa, consoante disposto no artigo 1.805 do Código Civil:

 

“Art. 1.805. A aceitação da herança, quando expressa, faz-se por declaração escrita; quando tácita, há de resultar tão-somente de atos próprios da qualidade de herdeiro.

§ 1º Não exprimem aceitação de herança os atos oficiosos, como o funeral do finado, os meramente conservatórios, ou os de administração e guarda provisória.

§ 2º Não importa igualmente aceitação a cessão gratuita, pura e simples, da herança, aos demais co-herdeiros”.

 

 A primeira ocorre quando o herdeiro manifesta sem ter praticado qualquer ato que demonstre aceitação, ou seja, é realizada tão logo se inicia o inventaria ou mesmo antes. Já a renúncia que ocorre quando um herdeiro renuncia em favor de terceiro definido, entende-se que há uma aceitação e posterior cessão ou desistência, sendo caracterizada como uma renúncia translativa.

 

Outrossim, a renúncia depende de ato solene, uma vez que o art. 1.806 do Código Civil prevê que o ato se materializa e adquire validade somente em instrumento público ou termo judicial, não podendo ser tácita e nem presumida.

 

Nessa perspectiva, declara-se a invalidade absoluta caso o ato não tenha sido feito por escritura pública ou termo judicial, ou mesmo quando manifestada por pessoa absolutamente incapaz, não representada e sem autorização judicial. Da mesma forma, se comprovado erro, dolo ou coação enseja-se a anulação do ato por vício de consentimento.

 

Por sua vez, a indignidade é vista como uma forma de exclusão prevista pela legislação, conferindo um caráter punitivo aos atos realizados pelos herdeiros e testamentários:

 

Art. 1.814. São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários:

I - que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente;

II - que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro;

III - que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade.

 

Insta salientar que nos casos em que os herdeiros foram co-autores ou partícipes de homicídio doloso, as ações cível e penal correrão de forma independente e autônoma, apurando a responsabilidade nas respectivas áreas. Todavia, necessário se faz a comprovação de prova do fato e da culpabilidade no curso da ação cível, sendo que a “absolvição do réu na esfera penal em razão do expresso reconhecimento da inexistência do fato ou da autoria afasta a pena de indignidade no cível, por força do mesmo art. 935 retro mencionado, assim como o reconhecimento da legítima defesa, do estado de necessidade e do exercício regular de um direito (GONÇALVES, 2019, p. 116).

 

Nesse ponto, diferencia-se o crime de calúnia previsto no II, do art. 1.814 do Código Civil, uma vez que para a exclusão do herdeiro com base nesse disposto não se exige a condenação criminal, mas tão somente a instauração de um processo judicial.

 

Dessarte, enquanto a indignidade resulta de um caso impessoal e retire a legitimidade do herdeiro de receber a herança, a deserdação provém da própria vontade do testador em retirar o herdeiro do testamento.

 

Assim, a deserdação só poderá ocorrer na sucessão testamentária, ou seja, é uma privação da legítima. Por isso, o ato se materializando na exclusão do testamento com expressa declaração de causa, nos termos do art. 1.964 do Código Civil. Contudo, Carlos Roberto Gonçalves alerta que:

 

“(...) se o testamento for nulo, e por isso a deserdação não se efetivar, poderão os interessados pleitear a exclusão do sucessor por indignidade, se a causa invocada pelo testador for causa também de indignidade. Quando ocorre essa simultaneidade de causas, o fato de o de cujus não ter promovido a deserdação por testamento não faz presumir que tenha perdoado o indigno. Nada obsta a que, neste caso, os interessados na sucessão ajuízem a ação de exclusão de herdeiro, salvo se, por documento autêntico ou por testamento, aquele o houvesse perdoado de forma expressa ou tácita (CC, art. 1.818)”.

(GONÇALVES, 2019, p. 124)

 

Portanto, embora possam parecer semelhantes sob um olhar distraído sobre a questão, os três institutos possuem natureza e efeitos jurídicos diferenciados. Desse modo, muito mais do que analisar essas possibilidades como simples atos que impedem a transmissão da herança, necessária se faz a caracterização individual de cada instituto e os seus principais efeitos.

 

Escrito por:

Letícia Marina da Silva Moura é jornalista pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), especialista em Assessoria de Comunicação e Marketing pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e graduanda em Direito pelo Centro Universitário de Goiás - Uni-Anhanguera. Membro do núcleo de Direito Empresarial, Falimentar e Recuperacional (NEmp) do Instituto de Estudos Avançados em Direito (IEAD).

 


[1] LÔBO, Paulo. Direito civil: volume 6: sucessões – 4. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018.

[2] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 7: direito das sucessões – 13. Ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2019.

Letícia Marina da S. Moura (@le.moura7) é jornalista pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), especialista em Assessoria de Comunicação e Marketing pela Universidade Federal de Goiás (UFG), graduanda em Direito pelo Centro Universitário de Goiás - Uni-Goiás e especialização em curso em Direito Empresarial pela Faculdade Legale. Membro do núcleo de Direito Empresarial, Falimentar e Recuperacional (NEmp) do Instituto de Estudos Avançados em Direito (IEAD).