Compliance no agronegócio
Cada vez mais práticas de corrupção tem sido identificadas e combatidas no Brasil e no mundo. E cada vez mais os países estão se unindo para trocarem informações e regularem as práticas ilegais. De acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), em estudo publicado em dezembro de 2016, 2% do produto interno bruto mundial, cerca de 1.5 a 2 trilhões de dólares, são gastos anualmente com o pagamento de propina que é um dos aspectos da corrupção.
O Brasil é parte desse movimento e tem ratificado acordos internacionais anticorrupção importantes como a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, Convenção Antissuborno da OCDE, a Convenção Interamericana contra a Corrupção e a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (UNCAC).
Além de ratificar todos estes documentos internacionais, o Brasil é um dos fundadores do Open Government Partnership (OGP), uma plataforma de iniciativa multilateral, criada em 2011 com o objetivo de apoiar o trabalho de governos comprometidos com uma agenda de reformas estruturais focada em responsabilidade, transparência e respeito aos cidadãos.
A OGP trabalha com dezena de governos e de grupos da sociedade civil em todo o mundo para traduzir as propostas de ações anticorrupção de um governo em compromissos políticos concretos, fornecendo uma plataforma para a responsabilidade interna.
Embora os possíveis compromissos anticorrupção cubram as amplas áreas de prevenção, detecção, investigação, repressão e sanção, com ações que vão desde a proteção aos denunciantes e medidas de recuperação de bens roubados até a reforma judicial. A OGP tem uma atuação focada principalmente em duas áreas, que acredita possuir um maior impacto social: (i) a criação e uso de registros públicos de propriedade efetiva; e (ii) transparência nas contratações governamentais.
Seguindo essa tendência mundial, em 1° de agosto de 2013 foi publicada a Lei n° 12.846, conhecida como Lei Anticorrupção ou Lei da Empresa Limpa e em 18 de março de 2015 foi publicado o Decreto 8.420/2015 com o objetivo de regulamentar a referida Lei.
Como a publicação destas legislações, o Brasil inseriu uma inovação em nosso ordenamento jurídico ao estabelecer a responsabilização objetiva das empresas e reconhecer o papel ativo das pessoas jurídicas no combate à fraude e corrupção através da implantação do Programa de Compliance. Além disso, as novas legislações inovam ao ressaltarem a importância de princípios como ética, moralidade e transparência nas relações estabelecidas entre entes públicos e privado e em relações exclusivamente privadas.
É sabida a importância do agronegócio para o crescimento econômico brasileiro, o seu impacto expressivo em nossa balança comercial e o vínculo direto com o mercado internacional.
Nesse sentido, a Câmara de Comércio Exterior vinculada ao Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços editou a Resolução n° 88 em 10 de novembro de 2017 com o objetivo de criar condições para o apoio oficial brasileiro às exportações éticas.
Para que empresas brasileiras tenham acesso à financiamentos para viabilizar a exportação, seguro de crédito à exportação ou equalização de taxas de juros, estas deverão se comprometer em adotar uma postura ética através da assinatura da Declaração de Compromisso do Exportador.
Dentre os compromissos assumidos nesta Declaração, vale ressaltar os itens 1, 2, 3 e 9 que tratam respectivamente da ciência do exportador dos crimes contra a administração pública estrangeira previstos nos artigos 337-B e 337-C do Código Penal Brasileiro; do conhecimento do artigo 2º da Lei Anticorrupção que prevê a responsabilização objetiva, nos âmbitos administrativo e civil, das pessoas jurídicas que praticarem atos lesivos à administração pública nacional e/ou estrangeira; do comprometimento em não cometer práticas de corrupção na Operação de exportação seja diretamente via exportador ou indiretamente através de terceiros; e do compromisso de implementar ou aperfeiçoar o Programa de Integridade das empresas exportadoras, através da inclusão de mecanismos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de código de ética e de conduta, com vistas a detectar e combater práticas de corrupção.
Esta iniciativa da CAMEX é apenas um exemplo de ações que estão sendo realizadas pelo Governo Federal com o objetivo de se adequar às legislações internacionais e aos compromissos assumidos.
Outro exemplo extremamente relevante e de grande impacto na cadeia do agronegócio brasileiro é a implantação do Programa de Integridade do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), instituído pela Portaria n° 705 de 07 de abril de 2017, com o objetivo de implementar e aprimorar mecanismos de prevenção, detecção e remediação de fraudes, irregularidades e desvios de conduta.
Um grande trabalho tem sido desenvolvido com o objetivo de mapear os riscos existentes em todos pontos de atendimento e de fiscalização do MAPA e treinamentos específicos estão sendo realizados para preparar melhor os auditores fiscais agropecuários e seus contrapartes nas Empresas SIF fiscalizadas, nos principais Estados da Federação, para atuarem conforme os padrões de ética e conformidade estabelecidos pelo Programa de Integridade.
O MAPA desenvolveu uma Cartilha intitulada "Não é Brinde – É corrupção, para esclarecer sobre ações permitidas e condutas ilegais que devem ser combatidas pela sociedade em geral. Esta cartilha, criada em formato de perguntas e respostas, aborda dúvidas como as seguintes:
- É permitido ao Servidor do Mapa aceitar ajuda financeira de empresas fiscalizadas, ainda que a título de hora-extra trabalhada?
- É permitido ao Servidor do Mapa propor ou obter troca de favores que possam originar compromisso pessoal ou funcional com a empresa fiscalizada?
- É permitido ao Servidor do Mapa que participa de uma ação fiscal, aceitar brindes, mesmo que de valor inferior a R$ 100, de empresa alvo da fiscalização?
- É permitido a um servidor do Mapa, ao realizar um empréstimo bancário, ter como avalista um representante direto ou indireto de empresas fiscalizadas por ele?
- É permitido ao servidor do Mapa fazer uso de informação interna, sigilosa ou não, a qual teve acesso em decorrência do cargo, no intuito de auxiliar empresas, ainda que não diretamente envolvidas em ação fiscal, para obter vantagens pessoais?
As respostas para todos estes questionamentos é NÃO.
Não são permitidas e consideradas éticas as relações citadas acima uma vez que não existe relação de emprego entre funcionário do MAPA e a empresa fiscalizada, nem relação comercial e muito menos relação pessoal.
Com o objetivo de clarear as ações legais e ilegais, o MAPA expediu a Portaria nº 249, de 22 de fevereiro de 2018 que criou o Código de Conduta dos Agentes Públicos do Ministério e disponibilizou um sistema eletrônico onde os funcionários podem realizar questionamentos e tirar dúvidas sobre condutas éticas.
É muito importante que do lado privado, o empresário e os seus funcionários estejam preparados para lidar com essa nova realidade no setor agrícola. As empresas multinacionais que trabalham no setor já possuem o seu Programa de Compliance estruturado, uma vez que é uma exigência da matriz. Porém, as empresas brasileiras do setor precisam se preparar.
Uma das etapas do Programa de Compliance é a divulgação e sensibilização de clientes e fornecedores para o respeito às leis anticorrupção e a implantação de um programa próprio. Entende-se que é uma nova conduta que deve ser aplicada à todos os entes da cadeia produtiva.
Assim, com o intuito de influenciar estimular as empresas brasileiras que fiscaliza a instituírem o seu Programa de Integridade, o MAPA criou o Selo Agro+ Integridade, através da Portaria nº 2462, em 12 de dezembro de 2017.
O mercado tem cobrado uma nova postura empresarial e um comportamento ético, transparente, sustentável e ambientalmente responsável. As empresas com modelo de governança estruturado, políticas claras e padronização de processos, transmitem ao mercado maior credibilidade e consequentemente são mais valorizadas.
O Selo Agro+ Integridade tem como um dos seus principais objetivos reconhecer o esforço e o comprometimento dessas empresas que já estão se adaptando a esta nova cultura empresarial e estão estruturando o seu Programa de Compliance.
O Brasil tem sido alvo de grandes escândalos de corrupção. Internacionalmente estas notícias são veiculadas e desvalorizam o produto brasileiro que com muito suor e altos custos são produzidos pelos nossos agricultores e pecuaristas.
Como mencionado, cada vez mais o mercado internacional tem valorizado práticas anticorrupção, e ações como esta do Agro+ Integridade são de extrema importância para que a imagem brasileira no exterior seja valorizada.
No ano de 2018, onze empresas foram premiadas com o Selo Agro+ Integridade do MAPA. São elas: Iharabras SA Indústria Química, Baldoni Produtos Naturais Comércio e Indústria Ltda, Adecoagro Vale do Ivinhema SA, Adama Brasil, Indústria e Comércio Supremo Ltda, Old Friends Agropecuária Ltda, Produquímica Indústria e Comércio SA, Pif Paf Alimentos SA, Rivelli Alimentos SA, Leão Alimentos e Bebidas e Bunge Alimentos SA.
Na cerimônia de entrega do prêmio, os representantes das empresas assinaram o Pacto pela integridade, ética, sustentabilidade e de uso adequado do Selo, que pode ser usado em produtos, sites comerciais, propagandas e publicações.
A cadeia produtiva do agronegócio no Brasil é uma das mais importantes e deve ser valorizada. A profissionalização, a gestão ética e as melhores práticas de governança devem ser uma busca diária das empresas e contribuirão para o diferencial competitivo do Brasil no mercado internacional.
O combate à corrupção no Brasil é uma prática recente. Muito ainda há que ser feito para mudar um comportamento intrínseco a nossa cultura. Porém, são pequenas ações como a implantação de Programa de Integridade nas empresas e no MAPA que irão impactar positivamente a cadeia produtiva e provocar uma mudança estrutural no mercado.
Toda mudança cultural precisa de tempo para que os resultados efetivos possam ser sentidos pela sociedade. Mas, o primeiro passo precisa ser dado. O assunto precisa ser discutido nas associações de classe, nas empresas e em eventos.
O Brasil precisa valorizar a sua produção agrícola e agregar valor aos seus produtos. Os esforços para se estabelecer ações éticas, sustentáveis e de responsabilidade social estão sendo cada vez reconhecidas e este deve ser o caminho a ser seguido para diferenciar os produtos brasileiros no mercado internacional e ampliar a sua competitividade.
Escrito por:
Anna Bastos, advogada, especializada em Compliance e Integridade Corporativa pela PUC-MG, associada ao Instituto de Estudos Avançados em Direito e vice coordenadora do Núcleo de Compliance. Seu e-mail para contato é juridico@annabastos.com.
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