Vara de violência contra a mulher tem competência sobre viagem internacional de mãe com criança
É de competência das varas especializadas em violência doméstica ou familiar contra a mulher a análise de demandas relacionadas aos interesses da criança e do adolescente nas hipóteses em que os pedidos estiverem ligados especificamente à prática de violência contra a mulher. Nesses casos, a competência é mantida inclusive nos pedidos de viagem internacional em companhia de menor de idade.
O entendimento foi fixado pela 3ª turma do STJ ao reconhecer a competência de juizado de violência doméstica do DF para autorizar que uma boliviana vítima de violência familiar retorne para o seu país de origem com o filho, de apenas um ano de idade.
Além de se opor à viagem da mãe, o pai da criança defendia a competência da vara da Infância e Juventude para decidir sobre a questão, tese que foi acolhida pelo TJ/DF, mas afastada pela maioria dos ministros do colegiado do STJ no julgamento do recurso especial interposto pela mãe.
"Tal compreensão, em contrariedade à própria funcionalidade do sistema jurisdicional, ignora o propósito da lei de centralizar no Juízo Especializado de Violência Doméstica Contra a Mulher todas as ações criminais e civis que tenham por fundamento a violência doméstica contra a mulher, a fim de lhe conferir as melhores condições cognitivas para deliberar sobre todas as situações jurídicas daí decorrentes, inclusive, eventualmente, a dos filhos menores do casal, com esteio, nesse caso, nos princípios da proteção integral e do melhor interesse da criança e demais regras protetivas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente", apontou o relator do recurso, ministro Marco Aurélio Bellizze.
Situação frágil
O pedido de retorno ao país natal foi deferido pelo juizado de violência doméstica e familiar no curso de processo que aplicou medidas protetivas contra o ex-companheiro, que supostamente teria cometido violência física e psicológica contra a boliviana.
Após elaboração de relatório psicossocial e manifestação favorável do Ministério Público, o magistrado concedeu a guarda da criança à mãe e autorizou que ela viajasse para o exterior, sob o fundamento de que a boliviana estaria em situação frágil ao permanecer em casa de abrigo no Brasil.
A decisão de 1ª instância foi, todavia, reformada pelo TJ/DF, que concluiu que a definição da guarda do filho do casal em conflito e a autorização para que o menor viaje sem consentimento do pai extrapolam as competências reservadas ao juizado de violência contra a mulher. Por consequência, o tribunal cassou todos os atos decisórios proferidos pelo juiz considerado incompetente.
Competência híbrida
O ministro Bellizze lembrou inicialmente que o art. 14 da lei Maria da Penha preceitua a competência híbrida (criminal e civil) das varas especializadas da violência doméstica contra a mulher para o julgamento e execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher.
Essa competência, segundo o ministro, foi estabelecida de forma ampla justamente para permitir ao mesmo magistrado o conhecimento da situação de violência doméstica contra a mulher, permitindo-lhe analisar as repercussões jurídicas nas diversas ações civis e criminais advindas direta e indiretamente desse fato.
Dessa forma, apontou o relator, para o estabelecimento da competência da vara especializada da violência doméstica nas ações de natureza civil, é imprescindível que – como ocorreu no caso em análise – a causa de pedir da ação correlata consista justamente na prática de violência contra a mulher.
"In casu, como assinalado, a pretensão de retornar ao seu país de origem com o filho — que pressupõe suprimento judicial da autorização paterna e a concessão de guarda unilateral à genitora, segundo o juízo a quo — deu-se em plena vigência de medida protetiva de urgência destinada a neutralizar a situação de violência a que a demandante encontrava-se submetida."
Assim, o ministro concluiu e reconheceu a competência da vara de violência doméstica e determinar que o TJ/DF analise apenas o mérito da decisão de primeiro grau.
O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.