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Valores de FGTS levantados durante o interregno da união estável e utilizados para aquisição de imóvel devem ser objeto de partilha

19/08/2021 - 15:30

EMENTA

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL CUMULADA COM PARTILHA DE BENS E ALIMENTOS. PLANOS DE PREVIDÊNCIA PRIVADA ABERTA. REGIME MARCADO PELA LIBERDADE DO INVESTIDOR. CONTRIBUIÇÃO, DEPÓSITOS, APORTES E RESGATES FLEXÍVEIS.
NATUREZA JURÍDICA MULTIFACETADA. SEGURO PREVIDENCIÁRIO. INVESTIMENTO OU APLICAÇÃO FINANCEIRA. DESSEMELHANÇAS ENTRE OS PLANOS DE PREVIDÊNCIA PRIVADA ABERTA E FECHADA, ESTE ÚLTIMO INSUSCETÍVEL DE PARTILHA. NATUREZA SECURITÁRIA E PREVIDENCIÁRIA DOS PLANOS PRIVADOS ABERTOS VERIFICADA APÓS O RECEBIMENTO DOS VALORES ACUMULADOS, FUTURAMENTE E EM PRESTAÇÕES, COMO COMPLEMENTAÇÃO DE RENDA. NATUREZA JURÍDICA DE INVESTIMENTO E APLICAÇÃO FINANCEIRA ANTES DA CONVERSÃO EM RENDA E PENSIONAMENTO AO TITULAR. PARTILHA POR OCASIÃO DO VÍNCULO CONJUGAL. NECESSIDADE. ART. 1.659, VII, DO CC/2002 INAPLICÁVEL À HIPÓTESE. PARTILHA DE PARTE DO BEM ADQUIRIDO NA CONSTÂNCIA DA UNIÃO ESTÁVEL COM RECURSOS ADVINDOS DO LEVANTAMENTO DE SALDO DO FGTS.
POSSIBILIDADES. PRECEDENTES. DESNECESSIDADE DOS ALIMENTOS À EX-CÔNJUGE. DEFICIÊNCIA DA FUNDAMENTAÇÃO RECURSAL. SÚMULA 284/STF.
IMPRESCINDIBILIDADE DO REEXAME DE FATOS E PROVAS. SÚMULA 7/STJ.
1- Ação ajuizada em 01/03/2018. Recurso especial interposto em 20/01/2020 e atribuído à Relatora em 17/07/2020.
2- Os propósitos recursais consistem em definir: (i) se o valor existente em previdência complementar privada aberta possui natureza personalíssima e não pode ser objeto de partilha por ocasião da dissolução da união estável; (ii) se o bem alegadamente adquirido por sub-rogação e mediante uso de saldo de FGTS deveria igualmente ser excluído da partilha; (iii) se, na hipótese, é devida a pensão alimentícia à ex-cônjuge.
3- Os planos de previdência privada aberta, operados por seguradoras autorizadas pela SUSEP, podem ser objeto de contratação por qualquer pessoa física e jurídica, tratando-se de regime de capitalização no qual cabe ao investidor, com amplíssima liberdade e flexibilidade, deliberar sobre os valores de contribuição, depósitos adicionais, resgates antecipados ou parceladamente até o fim da vida, razão pela qual a sua natureza jurídica ora se assemelha a um seguro previdenciário adicional, ora se assemelha a um investimento ou aplicação financeira.
4- Considerando que os planos de previdência privada aberta, de que são exemplos o VGBL e o PGBL, não apresentam os mesmos entraves de natureza financeira e atuarial que são verificados nos planos de previdência fechada, a eles não se aplicam os óbices à partilha por ocasião da dissolução do vínculo conjugal apontados em precedente da 3ª Turma desta Corte (REsp 1.477.937/MG).
5- Embora, de acordo com a SUSEP, o PGBL seja um plano de previdência complementar aberta com cobertura por sobrevivência e o VGBL seja um plano de seguro de pessoa com cobertura por e sobrevivência, a natureza securitária e previdenciária complementar desses contratos é marcante no momento em que o investidor passa a receber, a partir de determinada data futura e em prestações periódicas, os valores que acumulou ao longo da vida, como forma de complementação do valor recebido da previdência pública e com o propósito de manter um determinado padrão de vida.
6- Todavia, no período que antecede a percepção dos valores, ou seja, durante as contribuições e formação do patrimônio, com múltiplas possibilidades de depósitos, de aportes diferenciados e de retiradas, inclusive antecipadas, a natureza preponderante do contrato de previdência complementar aberta é de investimento, razão pela qual o valor existente em plano de previdência complementar aberta, antes de sua conversão em renda e pensionamento ao titular, possui natureza de aplicação e investimento, devendo ser objeto de partilha por ocasião da dissolução do vínculo conjugal por não estar abrangido pela regra do art. 1.659, VII, do CC/2002.
7- Dado que a partilha recaiu somente sobre a parte que foi adquirida com os recursos advindos do levantamento de saldo do FGTS, ressalvando a parte que havia sido adquirida pela arte com recursos advindos de sub-rogação de bem exclusivo, deve ser aplicada a jurisprudência desta Corte no sentido de que os valores de FGTS levantados durante o interregno da união estável e utilizados para aquisição de imóvel devem ser objeto de partilha. Precedentes.
8- A ausência de indicação do dispositivo legal supostamente violado e a necessidade de reexame de fatos e provas impedem o conhecimento do recurso especial no que tange aos alimentos, aplicando-se, respectivamente, a Súmula 284/STF e a Súmula 7/STJ.
9- Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido, com majoração de honorários. (REsp 1880056/SE, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/03/2021, DJe 22/03/2021)

RECURSO ESPECIAL Nº 1.880.056 - SE (2020/0147797-8)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : M G B
ADVOGADO : RICARDO JOSE TRINDADE SANTOS - SE005303
RECORRIDO : M B P DA S
ADVOGADO : MARCELLUS LUIZ TEIXEIRA TRINDADE - SE008213

 

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, acompanhando a Ministra Nancy Andrighi com fundamentação diversa,, por unanimidade, conhecer em parte do recurso especial e, nesta parte, negar-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília (DF), 16 de março de 2021 (Data do Julgamento)

 

MINISTRA NANCY ANDRIGHI

Relatora

Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 1.880.056 - SE (2020/0147797-8)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE : M G B

ADVOGADO : RICARDO JOSE TRINDADE SANTOS - SE005303

RECORRIDO : M B P DA S

ADVOGADO : MARCELLUS LUIZ TEIXEIRA TRINDADE - SE008213

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

Cuida-se de recurso especial interposto por M G B, com base na alínea a do permissivo constitucional, em face de acórdão do TJ/SE que, por unanimidade, deu parcial provimento à apelação que havia sido interposto pela recorrida e negou provimento à apelação que havia sido interposta pelo recorrente.

Recurso especial interposto em : 20/01/2020.

Atribuído ao gabinete em : 17/07/2020.

Ação : de reconhecimento e dissolução de união estável, cumulada com partilha de bens e fixação de alimentos, ajuizada pela recorrida M B P DA S em face do recorrente.

Sentença : julgou parcialmente procedentes os pedidos, para reconhecer e extinguir a união estável, homologou o acordo parcialmente celebrado entre as partes acerca do custeio do plano de saúde, determinou a partilha de determinados bens que enumera e fixou alimentos de 15% sobre os rendimentos do recorrente, limitado ao período de 12 meses (fls. 25/41, e-STJ).

Acórdão : deu parcial provimento à apelação da recorrida e negou provimento à apelação do recorrente, nos termos da seguinte ementa:

DEMANDANTE QUE SE AFASTOU DE SUA ATIVIDADE COMERCIAL A PEDIDO DO DEMANDADO – FIXAÇÃO EM OBSERVÂNCIA AO BINÔMIO NECESSIDADE X POSSIBILIDADE – MANUTENÇÃO DO PERCENTUAL E DA LIMITAÇÃO NO TEMPO – POSSIBILIDADE DA AUTORA SE REINSERIR NO MERCADO DE TRABALHO – PARTILHA DO IMÓVEL ADQUIRIDO NA CONSTÂNCIA DA UNIÃO ESTÁVEL – PRESUNÇÃO DE ESFORÇO COMUM – DEDUÇÃO DA PARCELA INCOMUNICÁVEL – DIREITO A METADE DO VALOR VENAL DO BEM – OBSERVÂNCIA DA VALORIZAÇÃO DO IMÓVEL – FUNDOS DE PREVIDÊNCIA PRIVADA ABERTA COMUNICABILIDADE – REFORMA PARCIAL DA SENTENÇA – APELOS CONHECIDOS - IMPROVIMENTO DO RECURSO DO DEMANDADO E PARCIAL PROVIMENTO DO APELO DA AUTORA – UNÂNIME (fls. 175/179, e-STJ).

Recurso especial : alega-se, em síntese, violação aos arts. 1.641, II, e 1.659, II e VII, ambos do CC/2002, ao fundamento de que o valor existente em previdência complementar privada aberta possuiria natureza personalíssima e não poderia ser objeto de partilha por ocasião da dissolução do vínculo conjugal e de que bem imóvel alegadamente adquirido por sub-rogações deveria igualmente ser excluído da partilha, bem como se alega ser inadequada, na hipótese, a pensão alimentícia entre ex-cônjuges, eis que a recorrida dela não necessitaria em virtude de seu patrimônio e de seus rendimentos (fls. 198/217, e-STJ).

Ministério Público Federal : opinou pelo não conhecimento do recurso especial (fls. 269/273, e-STJ).

É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.880.056 - SE (2020/0147797-8)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE : M G B

ADVOGADO : RICARDO JOSE TRINDADE SANTOS - SE005303

RECORRIDO : M B P DA S

ADVOGADO : MARCELLUS LUIZ TEIXEIRA TRINDADE - SE008213

EMENTA

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL CUMULADA COM PARTILHA DE BENS E ALIMENTOS. PLANOS DE PREVIDÊNCIA PRIVADA ABERTA. REGIME MARCADO PELA LIBERDADE DO INVESTIDOR. CONTRIBUIÇÃO, DEPÓSITOS, APORTES E RESGATES FLEXÍVEIS. NATUREZA JURÍDICA MULTIFACETADA. SEGURO PREVIDENCIÁRIO. INVESTIMENTO OU APLICAÇÃO FINANCEIRA. DESSEMELHANÇAS ENTRE OS PLANOS DE PREVIDÊNCIA PRIVADA ABERTA E FECHADA, ESTE ÚLTIMO INSUSCETÍVEL DE PARTILHA. NATUREZA SECURITÁRIA E PREVIDENCIÁRIA DOS PLANOS PRIVADOS ABERTOS VERIFICADA APÓS O RECEBIMENTO DOS VALORES ACUMULADOS, FUTURAMENTE E EM PRESTAÇÕES, COMO COMPLEMENTAÇÃO DE RENDA. NATUREZA JURÍDICA DE INVESTIMENTO E APLICAÇÃO FINANCEIRA ANTES DA CONVERSÃO EM RENDA E PENSIONAMENTO AO TITULAR. PARTILHA POR OCASIÃO DO VÍNCULO CONJUGAL. NECESSIDADE. ART. 1.659, VII, DO CC/2002 INAPLICÁVEL À HIPÓTESE. PARTILHA DE PARTE DO BEM ADQUIRIDO NA CONSTÂNCIA DA UNIÃO ESTÁVEL COM RECURSOS ADVINDOS DO LEVANTAMENTO DE SALDO DO FGTS. POSSIBILIDADES. PRECEDENTES. DESNECESSIDADE DOS ALIMENTOS À EX-CÔNJUGE. DEFICIÊNCIA DA FUNDAMENTAÇÃO RECURSAL. SÚMULA 284/STF. IMPRESCINDIBILIDADE DO REEXAME DE FATOS E PROVAS. SÚMULA 7/STJ.

1- Ação ajuizada em 01/03/2018. Recurso especial interposto em 20/01/2020 e atribuído à Relatora em 17/07/2020.

2- Os propósitos recursais consistem em definir: (i) se o valor existente em previdência complementar privada aberta possui natureza personalíssima e não pode ser objeto de partilha por ocasião da dissolução da união estável; (ii) se o bem alegadamente adquirido por sub-rogação e mediante uso de saldo de FGTS deveria igualmente ser excluído da partilha; (iii) se, na hipótese, é devida a pensão alimentícia à ex-cônjuge.

3- Os planos de previdência privada aberta, operados por seguradoras autorizadas pela SUSEP, podem ser objeto de contratação por qualquer pessoa física e jurídica, tratando-se de regime de capitalização no qual cabe ao investidor, com amplíssima liberdade e flexibilidade, deliberar sobre os valores de contribuição, depósitos adicionais, resgates antecipados ou parceladamente até o fim da vida, razão pela qual a sua natureza jurídica ora se assemelha a um seguro previdenciário adicional, ora se assemelha a um investimento ou aplicação financeira.

4- Considerando que os planos de previdência privada aberta, de que são exemplos o VGBL e o PGBL, não apresentam os mesmos entraves de natureza financeira e atuarial que são verificados nos planos de previdência fechada, a eles não se aplicam os óbices à partilha por ocasião da dissolução do vínculo conjugal apontados em precedente da 3ª Turma desta Corte (REsp 1.477.937/MG).

5- Embora, de acordo com a SUSEP, o PGBL seja um plano de previdência complementar aberta com cobertura por sobrevivência e o VGBL seja um plano de seguro de pessoa com cobertura por e sobrevivência, a natureza securitária e previdenciária complementar desses contratos é marcante no momento em que o investidor passa a receber, a partir de determinada data futura e em prestações periódicas, os valores que acumulou ao longo da vida, como forma de complementação do valor recebido da previdência pública e com o propósito de manter um determinado padrão de vida.

6- Todavia, no período que antecede a percepção dos valores, ou seja, durante as contribuições e formação do patrimônio, com múltiplas possibilidades de depósitos, de aportes diferenciados e de retiradas, inclusive antecipadas, a natureza preponderante do contrato de previdência complementar aberta é de investimento, razão pela qual o valor existente em plano de previdência complementar aberta, antes de sua conversão em renda e pensionamento ao titular, possui natureza de aplicação e investimento, devendo ser objeto de partilha por ocasião da dissolução do vínculo conjugal por não estar abrangido pela regra do art. 1.659, VII, do CC/2002.

7- Dado que a partilha recaiu somente sobre a parte que foi adquirida com os recursos advindos do levantamento de saldo do FGTS, ressalvando a parte que havia sido adquirida pela arte com recursos advindos de sub-rogação de bem exclusivo, deve ser aplicada a jurisprudência desta Corte no sentido de que os valores de FGTS levantados durante o interregno da união estável e utilizados para aquisição de imóvel devem ser objeto de partilha. Precedentes.

8- A ausência de indicação do dispositivo legal supostamente violado e a necessidade de reexame de fatos e provas impedem o conhecimento do recurso especial no que tange aos alimentos, aplicando-se, respectivamente, a Súmula 284/STF e a Súmula 7/STJ.

9- Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido, com majoração de honorários.

 

RECURSO ESPECIAL Nº 1.880.056 - SE (2020/0147797-8)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE : M G B

ADVOGADO : RICARDO JOSE TRINDADE SANTOS - SE005303

RECORRIDO : M B P DA S

ADVOGADO : MARCELLUS LUIZ TEIXEIRA TRINDADE - SE008213

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

Os propósitos recursais consistem em definir: (i) se o valor existente em previdência complementar privada aberta possui natureza personalíssima e não pode ser objeto de partilha por ocasião da dissolução da união estável; (ii) se o bem alegadamente adquirido por sub-rogação e mediante uso de saldo de FGTS deveria igualmente ser excluído da partilha; (iii) se, na hipótese, é devida a pensão alimentícia à ex-cônjuge.

PARTILHA DE VALOR EXISTENTE EM PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR PRIVADA ABERTA NA MODALIDADE VGBL POR OCASIÃO DA DISSOLUÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL. ALEGADA VIOLAÇÃO AO ART. 1.659, VII, DO CC/2002.

01) Em seu recurso especial, o recorrente alega que o valor que possuía em previdência complementar privada aberta na modalidade VGBL por ocasião da dissolução da união estável não seria suscetível de partilha, na medida em que se trataria de verba personalíssima, originada de seu esforço pessoal e para a qual não teria havido contribuição alguma da recorrida, tratando-se de valor incomunicável.

02) Ao enfrentar o tema, o acórdão recorrido assim se posicionou:

No que concerne ao inconformismo do demandado quanto a partilha de suas aplicações financeiras, afirmando que apenas possui valores aplicados em previdência privada, que são incomunicáveis, conforme descreve o art. 1.659, VII, do Código Civil de 2002, mais uma vez vejo que não merece amparo suas alegações.

Isto porque, depreende-se dos documentos colacionados ao feito, que a previdência privada aqui discutida possui natureza aberta, a qual segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça é comunicável.

Desta feita, comungo do entendimento da douta processante de que os valores existentes no referido plano de previdência até a data da separação de fato das partes, qual seja, fevereiro de 2018, devem ser partilhados igualitariamente.

Acerca do tema muito bem ponderou a Procuradora de Justiça Dra. Maria Cristina da Gama e Silva Foz Mendonça. Vejamos:

“In casu, trata-se de Plano de Previdência Privada Aberta firmado com a instituição BRASILPREV Seguros e Previdência S/A, onde, em outubro/2018 havia um saldo de R$ 22.169,74 (vinte e dois mil, cento e sessenta e nove reais e setenta e quatro centavos), conforme se infere do extrato da Apólice nº 0002856848 que segue à fl. 283 dos autos do processo materializado.

Ainda há outra Apólice, a de nº 0003115161, onde, em outubro/2018 havia um saldo de R$ 105.398,62 (cento e cinco mil trezentos e noventa e oito reais e sessenta e dois centavos), conforme documento de fl. 289.

(...)

Trata-se de um investimento realizado pelo agravante mediante aportes financeiros advindos do patrimônio comum do casal. Isto porque uma vez recebidos os vencimentos eles se incorporam ao patrimônio comum do casal em razão do regime de comunhão universal de bens...”.

(...)

Em casos desse jaez, os saldos existentes em planos de previdência privada aberta, tais como PGBL e VGBL, constituídos na constância do casamento ou união estável e antes da conversão do capital em pensão, são plenamente comunicáveis.

Tal conclusão parte da resposta à definição do caráter e natureza jurídica dos recursos creditados em fundo de previdência privada aberta.

Se considerados pecúlio, esse bem estará excluído da partilha, conforme a letra do art. 1.659, VII, do Código Civil, segundo qual excluem-se da comunhão as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.

A considerá-los mera aplicação financeira, o seu montante não estará protegido pela incomunicabilidade. Nessa última hipótese, considerando que toda o patrimônio do casal amealhado na constância do casamento ou união estável é partilhável, considerando-se presumido o esforço comum, igual conclusão se aplica aos seus investimentos financeiros.”

03) O dispositivo alegadamente violado possui o seguinte teor:

 

Art. 1.659. Excluem-se da comunhão :

(...)

VII - as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes .

04) De início, anote-se que a hipótese em exame versa sobre previdência privada aberta , tratando-se de situação distinta da previdência privada fechada que foi objeto de exame por esta Corte, oportunidade em que se concluiu se tratar de fonte de renda semelhante às pensões, meio-soldos e montepios (art. 1.659, VII, do CC/2002), de natureza personalíssima e equiparável, por analogia, à pensão mensal decorrente de seguro por invalidez, razão pela qual não se comunicava com o cônjuge na constância do vínculo conjugal (REsp 1.477.937/MG, 3ª Turma, DJe 20/06/2017).

05) O regime de previdência privada aberta, entretanto, é substancialmente distinto da previdência privada fechada.

06) Com efeito, a previdência privada aberta, que é operada por seguradoras autorizadas pela SUSEP – Superintendência de Seguros Privados, pode ser objeto de contratação por qualquer pessoa física ou jurídica, tratando-se de regime de capitalização no qual cabe ao investidor, com amplíssima liberdade e flexibilidade, deliberar sobre os valores de contribuição, depósitos adicionais, resgates antecipados ou parceladamente até o fim da vida.

07) Diante dessas feições muito próprias, a comunicabilidade e partilha de valor aportado em previdência privada aberta, cuja natureza jurídica ora se assemelha a um seguro previdenciário adicional, ora se assemelha a um investimento ou aplicação financeira, é objeto de profunda divergência doutrinária.

08) De um lado, há quem sustente a incomunicabilidade e consequente exclusão dos referidos valores da partilha decorrente da dissolução do vínculo conjugal. Nesse sentido, leciona Rolf Madaleno :

Os fundos de pensão privada correspondem à aposentadoria ou benefício a ser pago diante da incapacidade, ou em decorrência da morte do contribuinte e por isso são classificados como tendo natureza pessoal e incomunicável, por se tratar de um direito inerente à pessoa, embora o contribuinte possa indicar quem ele quer que seja (m) seu (s) beneficiário (s), servindo como eficiente instrumento para gerar valores ao beneficiário indicado, que não passam pelo inventário do instituidor.

Por sua natureza a previdência privada estaria excluída do patrimônio comum no regime da comunhão parcial (CC, art. 1.659, VII) e na comunhão universal de bens (CC, art. 1.668, V), comunicando-se, no entanto, no regime da participação final nos aquestos, que não previu sua exclusão e tampouco atribuiu caráter personalíssimo ao benefício advindo da previdência privada, observando João Andrades Carvalho, em comentário feito ainda ao tempo de vigência do Código Civil de 1916, que “a lei exclui do condomínio todo bem que tiver origem na individualidade, isto é, que seja marcado fundamentalmente pela pessoalidade ou que tenha destino nessa mesma direção”.

Há quem defenda a comunicação da previdência privada por haver sido adquirida com valores provenientes do esforço comum durante a união, constituindo-se, portanto, em típico ativo financeiro, devendo por isso ser partilhado no divórcio, ou na dissolução da união estável como um bem patrimonial. Mas, se for considerado um bem patrimonial a ser dividido no divórcio ou na dissolução da convivência, ocorrendo o óbito do titular da previdência, ela também poderia ser reclamada como bem sucessível do espólio, para sua divisão entre todos os coerdeiros. Contudo, este raciocínio não é aplicado porque uma das maiores vantagens da previdência privada reside na liberalidade conferida na indicação do beneficiário. Na ausência de apontamento do beneficiário alguns entendimentos jurisprudenciais aplicam o artigo 792 do Código Civil, pagando metade do pecúlio ao cônjuge não separado e o restante aos herdeiros do participante, conforme a ordem da vocação hereditária.

Pertinente destacar ser a previdência privada uma extensão da previdência social, cujo principal propósito é manter o padrão de vida das pessoas em situação de necessidade. Tem a natureza jurídica de um seguro, não sendo visto como uma extensão do direito sucessório, pois basta perguntar se eventual renúncia de herdeiro ao direito sucessório também atingiria o plano de previdência privada . (MADALENO, Rolf. Planejamento sucessório in Revista IBDFAM: Famílias e Sucessões, Belo Horizonte, n. 1, jan./fev. 2014, p. 24/25).

09) Em sentido oposto, propondo a comunicabilidade e consequente

inclusão dos referidos valores da partilha decorrente da dissolução do vínculo conjugal, ensina Flávio Tartuce :

O presente autor continua seguindo o entendimento segundo o qual os fundos de previdência privada constituem aplicações financeiras, devendo ocorrer sua comunicação finda a união, tese que sempre foi defendida por José Fernando Simão.

Conforme apontado pelo coautor em edições anteriores desta obra, “antes de se atingir a idade estabelecida no plano, a previdência privada não passa de aplicação financeira como qualquer outra. Não há pensão antes desse momento e, portanto, não há incomunicabilidade. Isso porque, sequer há certeza de que, ao fim do plano, efetivamente os valores se converterão em renda ou serão sacados pelo titular. Trata-se de opção dos cônjuges o investimento em previdência privada, em fundos de ações ou de renda fixa. Assim, as decisões transcritas permitem a fraude ao regime, bastando que, para tanto, em vez de um dos cônjuges adquirir um imóvel ou investir em fundos (bens partilháveis ao fim do casamento), invista na previdência privada para se ver livre da partilha. Quando há a conversão da aplicação em renda e o titular passa a receber o benefício, este sim será incomunicável por ter caráter de pensão” . (TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Vol. 5: direito de família. 14ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 187/188).

10) Como se percebe, os planos de previdência privada aberta, de que são exemplos o VGBL e o PGBL, não apresentam os mesmos entraves de natureza financeira e atuarial que são verificados nos planos de previdência fechada e que são óbices à partilha, pois, na previdência privada aberta, há ampla flexibilidade do investidor, que, repise-se, poderá escolher livremente como e quando receber, aumentar ou reduzir contribuições, realizar aportes adicionais, resgates antecipados ou parcelados a partir da data que porventura indicar.

11) De outro lado, conquanto o PGBL seja classificado como “plano de previdência complementar aberta com cobertura por sobrevivência” (Circular SUSEP nº 338/2007) e o VGBL seja tipificado como “plano de seguro de pessoa com cobertura por sobrevivência” (Circular SUSEP nº 339/2007), não se pode olvidar que tais contratos assumiram funções substancialmente distintas daquelas para as quais foram concebidos.

12) Com efeito, a natureza securitária e previdenciária complementar desses contratos é evidentemente marcante no momento em que o investidor passa a receber, a partir de determinada data futura e em prestações periódicas, os valores que acumulou ao longo da vida, como forma de complementação do valor recebido da previdência pública e com o propósito de manter um determinado padrão de vida.

13) Entretanto, no período que antecede a percepção dos valores, ou seja, durante as contribuições e formação do patrimônio, com múltiplas possibilidades de depósitos, de aportes diferenciados e de retiradas, inclusive antecipadas, a natureza preponderante do contrato de previdência complementar aberta é de investimento, semelhantemente ao que ocorreria se os valores das contribuições e dos aportes fossem investidos em fundos de renda fixa ou na aquisição de ações e que seriam objeto de partilha por ocasião da dissolução do vínculo conjugal ou da sucessão.

14) Sublinhe-se que o hipotético tratamento diferenciado entre os investimentos realizados em previdência privada complementar aberta (incomunicáveis) e os demais investimentos (comunicáveis) possuiria uma significativa aptidão para gerar profundas distorções no regime de bens do casamento e também na sucessão, uma vez que bastaria ao investidor direcionar seus aportes para essa modalidade para frustrar a meação dos cônjuges ou a legítima dos herdeiros.

15) A esse respeito, anote-se a lição de Ana Luiza Maia Nevares :

Já em relação ao VGBL e ao PGBL, há muitos debates sobre a natureza de tais investimentos. Segundo boa parte da doutrina e da jurisprudência, é indiscutível o caráter securitário do VGBL e do PGBL, o que significa dizer que tais planos são tidos como espécie de seguro, sendo, inclusive, regulados pela Superintendência de Seguros Privados – SUSEP. Por tal razão, argumenta-se que não incide imposto de transmissão causa mortis sobre o capital segurado, não ingressando este no inventário. No entanto, em alguns Estados, como o Rio de Janeiro, há lei estadual que expressamente institui a incidência do imposto de transmissão causa mortis sobre tais recursos (Lei Estadual do Rio de Janeiro, n. 7174/15, art. 23).

A questão, de fato, é tormentosa, uma vez que o VGBL e o PGBL, embora tenham natureza securitária, constituem capital de titularidade do segurado, que o administra da maneira que lhe convém, podendo sacá-lo a qualquer tempo. Enquanto tal capital não resta convertido em renda periódica, a previdência privada é um investimento como outro qualquer, razão pela qual não só devem ser tributados, como também devem ser contabilizados para fim de colação ou de partilha decorrente do regime de bens. Realmente, de outra maneira, seria fácil burlar a legítima, bastando que o autor da herança aplicasse todos os seus recursos financeiros em um VGBL, por exemplo, destinando-o a apenas um dos herdeiros necessários em caso de falecimento, ou mesmo burlar o regime de bens, na hipótese em que um cônjuge aplicasse os recursos do casal em investimento como o ora mencionado, nomeando um terceiro como beneficiado. (NEVARES, Ana Luiza Maia. Perspectivas para o planejamento sucessório in Revista IBDFAM: Famílias e Sucessões, Belo Horizonte, n. 18, nov./dez. 2016, p. 19/20).

16) Finalmente, sublinhe-se que este foi o entendimento da 3ª Turma desta Corte em recentíssimo precedente:

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE DIVÓRCIO E PARTILHA DE BENS. DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO. ART. 489, § 1º, VI, DO CPC/15. INOBSERVÂNCIA DE SÚMULA, JURISPRUDÊNCIA OU PRECEDENTE CONDICIONADA À DEMONSTRAÇÃO DE DISTINÇÃO OU SUPERAÇÃO. APLICABILIDADES ÀS SÚMULAS E PRECEDENTES VINCULANTES, MAS NÃO ÀS SÚMULAS E PRECEDENTES PERSUASIVOS. PLANOS DE PREVIDÊNCIA PRIVADA ABERTA. REGIME MARCADO PELA LIBERDADE DO INVESTIDOR. CONTRIBUIÇÃO, DEPÓSITOS, APORTES E RESGATES FLEXÍVEIS. NATUREZA JURÍDICA MULTIFACETADA. SEGURO PREVIDENCIÁRIO. INVESTIMENTO OU APLICAÇÃO FINANCEIRA. DESSEMELHANÇAS ENTRE OS PLANOS DE PREVIDÊNCIA PRIVADA ABERTA E FECHADA, ESTE ÚLTIMO INSUSCETÍVEL DE PARTILHA. NATUREZA SECURITÁRIA E PREVIDENCIÁRIA DOS PLANOS PRIVADOS ABERTOS VERIFICADA APÓS O RECEBIMENTO DOS VALORES ACUMULADOS, FUTURAMENTE E EM PRESTAÇÕES, COMO COMPLEMENTAÇÃO DE RENDA. NATUREZA JURÍDICA DE INVESTIMENTO E APLICAÇÃO FINANCEIRA ANTES DA CONVERSÃO EM RENDA E PENSIONAMENTO AO TITULAR. PARTILHA POR OCASIÃO DO VÍNCULO CONJUGAL. NECESSIDADE. ART. 1.659, VII, DO CC/2002 INAPLICÁVEL À

HIPÓTESE. PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES EQUIVOCADAS E JUNTADA DE DOCUMENTOS DE DECLARAÇÕES DE IMPOSTO DE RENDA FALSEADAS. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DA MATÉRIA. SÚMULA 7/STJ. RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO APENAS PELO DISSENSO JURISPRUDENCIAL. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 284/STF.

1- Ação ajuizada em 28/09/2007. Recurso especial interposto em 13/02/2017 e atribuído à Relatora em 09/08/2017.

2- Os propósitos recursais consistem em definir: (i) se o dever de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, previsto no art. 489, § 1º, VI, do CPC/15, abrange também o dever de seguir julgado proferido por Tribunal de 2º grau distinto daquele a que o julgador está vinculado; (ii) se o valor existente em previdência complementar privada aberta na modalidade VGBL deve ser partilhado por ocasião da dissolução do vínculo conjugal; (iii) se a apresentação de declaração de imposto de renda com informação incorreta tipifica litigância de má-fé; (iv) se é possível partilhar valor existente em conta bancária alegadamente em nome de terceiro.

3- A regra do art. 489, § 1º, VI, do CPC/15, segundo a qual o juiz, para deixar de aplicar enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, deve demonstrar a existência de distinção ou de superação, somente se aplica às súmulas ou precedentes vinculantes, mas não às súmulas e aos precedentes apenas persuasivos, como, por exemplo, os acórdãos proferidos por Tribunais de 2º grau distintos daquele a que o julgador está vinculado.

4- Os planos de previdência privada aberta, operados por seguradoras autorizadas pela SUSEP, podem ser objeto de contratação por qualquer pessoa física e jurídica, tratando-se de regime de capitalização no qual cabe ao investidor, com amplíssima liberdade e flexibilidade, deliberar sobre os valores de contribuição, depósitos adicionais, resgates antecipados ou parceladamente até o fim da vida, razão pela qual a sua natureza jurídica ora se assemelha a um seguro previdenciário adicional, ora se assemelha a um investimento ou aplicação financeira.

5- Considerando que os planos de previdência privada aberta, de que são exemplos o VGBL e o PGBL, não apresentam os mesmos entraves de natureza financeira e atuarial que são verificados nos planos de previdência fechada, a eles não se aplicam os óbices à partilha por ocasião da dissolução do vínculo conjugal apontados em precedente da 3ª Turma desta Corte (REsp 1.477.937/MG).

6- Embora, de acordo com a SUSEP, o PGBL seja um plano de previdência complementar aberta com cobertura por sobrevivência e o VGBL seja um plano de seguro de pessoa com cobertura por sobrevivência, a natureza securitária e previdenciária complementar desses contratos é marcante no momento em que o investidor passa a receber, a partir de determinada data futura e em prestações periódicas, os valores que acumulou ao longo da vida, como forma de complementação do valor recebido da previdência pública e com o propósito de manter um determinado padrão de vida.

7- Todavia, no período que antecede a percepção dos valores, ou seja, durante as contribuições e formação do patrimônio, com múltiplas possibilidades de depósitos, de aportes diferenciados e de retiradas, inclusive antecipadas, a natureza preponderante do contrato de previdência complementar aberta é de investimento, razão pela qual o valor existente em plano de previdência complementar aberta, antes de sua conversão em renda e pensionamento ao titular, possui natureza de aplicação e investimento, devendo ser objeto de partilha por ocasião da dissolução do vínculo conjugal por não estar abrangido pela regra do art. 1.659, VII, do CC/2002.

8- Definido, pelo acórdão recorrido, que a prestação de informações equivocadas e a sucessiva juntada de diferentes declarações de imposto de renda se deu com o propósito específico de ocultar informações relacionadas ao patrimônio e, consequentemente, influenciar no desfecho da partilha de bens, disso resultando a condenação da parte em litigância de má-fé, é inviável a modificação do julgado para exclusão da penalidade em razão do óbice da Súmula 7/STJ.

9- É imprescindível a indicação no recurso especial do dispositivo legal sobre o qual se baseia a divergência jurisprudencial, não sendo cognoscível o recurso interposto apenas com base na alínea c do permissivo constitucional em razão do óbice da Súmula 284/STF.

10- Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido.

17) Diante desse cenário, é correto afirmar que os valores aportados em planos de previdência privada aberta, antes de sua conversão em renda e pensionamento ao titular, possuem natureza de aplicação e investimento, devendo ser objeto de partilha por ocasião da dissolução da união estável por não estarem abrangidos pela regra do art. 1.659, VII, do CC/2002.

 

PARTILHA DE BEM ALEGADAMENTE ADQUIRIDO MEDIANTE

SUB-ROGAÇÃO DE BEM EXCLUSIVO E USO DE SALDO DE FGTS. ALEGADA

VIOLAÇÃO AO ART. 1.659, II, DO CC/2002.

18) De outro lado, no que tange à partilha do bem imóvel, o recorrente o pleiteia integralmente para si ao fundamento de que teria sido ele adquirido com recursos advindos de sub-rogação de bem exclusivo e levantamento de saldo de seu próprio FGTS.

19) Quanto à existência de a sub-rogação decorrente de bem exclusivo do convivente, anote-se ter ela sido expressamente levada em consideração pelo acórdão recorrido:

Passo a apreciar a partilha do imóvel situado à Rua Maria Pastora, eis que ambos os litigantes se insurgiram, ele sustentando a incomunicabilidade, pela ausência de esforço comum e, ela pedindo o reconhecimento de seu direito à meação correspondente a 28,5% (vinte e oito e meio por cento) do valor venal do imóvel.

Colhe-se do feito que sobredito bem foi adquirido por R$ 65.000,00 (sessenta e cinco mil reais), com uma entrada de R$ 28.000,00 (vinte e oito mil reais) oriunda da venda do bem que pertencia unicamente ao Demandante, portanto, incomunicável, não havendo qualquer insurgência da demandante.

Assim, considerando que tem a demandante direito a metade do saldo devedor do imóvel, qual seja, R$ 37.000,00 (trinta e sete mil reais), correspondente a 57% (cinquenta e sete por cento) do valor do bem, vejo que merece agasalho o pleito da autora de receber 28,5% (vinte e oito vírgula cinco por cento) do valor do bem localizado na Rua Maria Pastora, nº 199, Condomínio Versales, Bloco I, Apto. 303, Bairro Farolândia, Aracaju/SE, a fim que de que não reste prejudicada, ante a possibilidade de valorização do imóvel.

20) Como se percebe, a partilha do bem recaiu tão somente sobre a parte que foi adquirida na constância da união estável com os recursos advindos do levantamento de saldo do FGTS , ressalvando a quota-parte que havia sido adquirida pelo recorrente com recursos advindos de sub-rogação de bem exclusivo, que não foram partilhados :

Com relação ao saldo devedor no importe de R$ 37.000,00 (trinta e sete mil reais), que fora financiado junto à Caixa Econômica Federal, cuja dívida foi posteriormente quitada mediante a utilização de saldo de FGTS, entendo que tem a parte autora direito a meação, por ser entendimento assente no Superior Tribunal de Justiça que “... os valores de FGTS levantados durante o interregno da união estável utilizados para aquisição de imóvel devem ser objeto de partilha...”.

21) A respeito especificamente da utilização de saldo de FGTS para quitação de imóvel e a sua comunicabilidade por ocasião do rompimento do vínculo, destaque-se ser entendimento iterativo desta Corte que “os valores de FGTS levantados durante o interregno da união estável utilizados para aquisição de imóvel devem ser objeto de partilha”. (AgInt no REsp 1.575.242/MG, 3ª Turma, DJe 12/03/2018 e REsp 1.266.527/RS, 4ª Turma, DJe 29/04/2014).

22) Por qualquer ângulo que se examine a questão, pois, não há que se falar em violação ao art. 1.659, II, do CC/2002.

ALEGADA DESNECESSIDADE DE PENSIONAMENTO À EX-CÔNJUGE. FUNDAMENTAÇÃO INCOMPREENSÍVEL. SÚMULA 284/STF. REEXAME DE FATOS E PROVAS. SÚMULA 7/STJ.

23) Finalmente, o recorrente alega que, na hipótese, a recorrida não faria jus à pensão alimentícia, pois possuiria capacidade de recolocação profissional e padrão de vida confortável.

24) A esse respeito, sublinhe-se desde logo que o recorrente não apontou qual dispositivo legal teria sido violado em relação à matéria, tornando incompreensível a fundamentação recursal quanto ao ponto e atraindo a incidência da Súmula 284/STF.

25) Ainda que se pudesse superar o referido óbice, anote-se que o acórdão recorrido firmou a sua convicção acerca da necessidade da pensão à ex-cônjuge, fixada inclusive por prazo determinado, a partir de determinadas circunstâncias fático-probatórias:

In casu, observa-se que a demandante se desincumbiu de seu ônus da prova por meio das testemunhas ouvidas, as quais atestaram que a mesma vendia roupas, tendo parado por causa do companheiro, que passou a sustentá-la.

Inobstante alegue o requerido que a Autora continua exercendo a mesma atividade laborativa que tinha antes da união, não fez qualquer prova nesse sentido.

Restou comprovado, ainda, o delicado estado de saúde da parte autora (glaucoma e tendinopatia no ombro esquerdo associado com epicondilite lateral no cotovelo esquerdo), fato que sem dúvida dificulta sua reinserção no mercado de trabalho, mas não a impossibilita de exercer atividade remunerada.

Em contrapartida, observa-se pelos documentos colacionados ao feito, que o requerido é funcionário aposentado com vínculo com a Petrobrás, percebendo mensalmente aproximadamente R$ 6.000,00 (seis mil reais), tendo condições de ajudar no sustento da sua ex-companheira.

Considerando tais fatos, entendo que a fixação dos alimentos no percentual de 15% (quinze por cento) dos rendimentos do requerido, deve ser mantida, por ser razoável, mantendo, também sua limitação em 01 (um) ano, tempo necessário para que a alimentanda possa se inserir no mercado de trabalho ou como dito pelo magistrado a quo , consiga obter benefício previdenciário.

26) Dessa forma, para infirmar as conclusões extraídas do acórdão recorrido, a fim de que se pudesse eximir o recorrente do pensionamento, seria indispensável promover o profundo reexame do acervo fático-probatório, expediente sabidamente vedado pela Súmula 7/STJ.

CONCLUSÃO

27) Forte nessas razões, CONHEÇO EM PARTE do recurso especial e, nessa extensão, NEGO-LHE PROVIMENTO, majorando os honorários de 12% para 14%, na forma do art. 85, § 11, do CPC.

 

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

TERCEIRA TURMA

Número Registro: 2020/0147797-8 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.880.056 / SE

Números Origem: 00014035220188250082 201812600330 201900715272

PAUTA: 01/12/2020 JULGADO: 01/12/2020

SEGREDO DE JUSTIÇA Relatora

Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI

Presidente da Sessão

Exmo. Sr. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO

Subprocurador-Geral da República

Exmo. Sr. Dr. ROGÉRIO DE PAIVA NAVARRO

Secretária

Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : M G B

ADVOGADO : RICARDO JOSE TRINDADE SANTOS - SE005303

RECORRIDO : M B P DA S

ADVOGADO : MARCELLUS LUIZ TEIXEIRA TRINDADE - SE008213

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Família

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Após o voto da Sra. Ministra Nancy Andrighi, conhecendo em parte do recurso especial e, nesta parte, negando-lhe provimento, pediu vista antecipada o Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. Aguardam os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino (Presidente), Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

TERCEIRA TURMA

Número Registro: 2020/0147797-8 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.880.056 / SE

Números Origem: 00014035220188250082 201812600330 201900715272

PAUTA: 09/03/2021 JULGADO: 09/03/2021

SEGREDO DE JUSTIÇA Relatora

Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI

Presidente da Sessão

Exmo. Sr. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO

Subprocurador-Geral da República

Exmo. Sr. Dr. ROGÉRIO DE PAIVA NAVARRO

Secretária

Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : M G B

ADVOGADO : RICARDO JOSE TRINDADE SANTOS - SE005303

RECORRIDO : M B P DA S

ADVOGADO : MARCELLUS LUIZ TEIXEIRA TRINDADE - SE008213

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Família

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

"Adiado por indicação do Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva para a Sessão do dia 16/03/2021."

RECURSO ESPECIAL Nº 1.880.056 - SE (2020/0147797-8)

VOTO-PRELIMINAR

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA:

Sr. Presidente, o tema acerca da natureza jurídica dos contratos de PGBL e VGBL, em apreciação no presente feito e no REsp nº 1.726.577/SP, já foi examinado na Segunda Seção desta Corte Superior, quando do julgamento dos EREsp nº 1.121.719/SP (Rel. Ministra Nancy Andrighi, DJe 4/4/2014).

Embora a discussão tenha se dirigido à penhora, é possível que o entendimento ali adotado reflita nas hipóteses de meação e partilha de bens.

Nesse contexto, as discussões no Colegiado maior poderão ser mais aprofundadas, trazendo novos subsídios, com a participação dos Ministros tanto da Terceira quanto da Quarta Turmas.

Assim, considerando a relevância da matéria, a segurança jurídica e as funções deste Tribunal Superior de uniformizar a interpretação da legislação federal, devendo-se manter, sempre que possível, a integridade e a coerência de sua jurisprudência, proponho a afetação regimental dos processos à Seção de Direito Privado.

É o voto.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.880.056 - SE (2020/0147797-8)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE : M G B

ADVOGADO : RICARDO JOSE TRINDADE SANTOS - SE005303

RECORRIDO : M B P DA S

ADVOGADO : MARCELLUS LUIZ TEIXEIRA TRINDADE - SE008213

VOTO-VISTA

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA:

Trata-se de recurso especial interposto por M. G. B., com fulcro no art. 105, inciso III, alínea a, da Constituição Federal, contra o acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe (fls. 176/179), que negou provimento à apelação do demandado e deu parcial provimento ao apelo da autora "(...) para reformar a sentença tão-somente quanto ao direito desta, à meação do imóvel localizado na Rua Maria Pastora, nº 199, Condomínio Versales, Bloco I, Apto. 303, Bairro Farolândia, Aracaju/SE, no percentual de 28,5% (...) do seu valor venal" (fl. 179).

O acórdão recebeu a seguinte ementa:

"APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL C/C PARTILHA DE BENS E ALIMENTOS - ALIMENTOS DEVIDOS -DEMANDANTE QUE SE AFASTOU DE SUA ATIVIDADE COMERCIAL A PEDIDO DO DEMANDADO - FIXAÇÃO EM OBSERVÂNCIA AO BINÔMIO NECESSIDADE X POSSIBILIDADE - MANUTENÇÃO DO PERCENTUAL E DA LIMITAÇÃO NO TEMPO - POSSIBILIDADE DA AUTORA SE REINSERIR NO MERCADO DE TRABALHO - PARTILHA DO IMÓVEL ADQUIRIDO NA CONSTÂNCIA DA UNIÃO ESTÁVEL - PRESUNÇÃO DE ESFORÇO COMUM - DEDUÇÃO DA PARCELA INCOMUNICÁVEL - DIREITO A METADE DO VALOR VENAL DO BEM -OBSERVÂNCIA DA VALORIZAÇÃO DO IMÓVEL - FUNDOS DE PREVIDÊNCIA PRIVADA ABERTA - COMUNICABILIDADE - REFORMA PARCIAL DA SENTENÇA - APELOS CONHECIDOS - IMPROVIMENTO DO RECURSO DO DEMANDADO E PARCIAL PROVIMENTO DO APELO DA AUTORA - UNÂNIME" (fl. 175).

O recorrente, em suas razões recursais, aponta contrariedade aos arts. 1.641, II,

e 1.659, II e VI, do Código Civil (CC).

Afirma, em síntese, ser indevida pensão alimentícia à recorrida, visto que "(...) não é pessoa necessitada, pelo contrário, possui dois imóveis, dos quais aufere rendimentos" (fl. 207).

Assevera também que não deve ser partilhado o imóvel em que residiam, visto que foi adquirido com recursos próprios, incluídos valores da conta vinculada ao FGTS.

Sustenta que os recursos alocados em planos da previdência privada aberta são excluídos da comunhão, a exemplo das pensões, meios-soldos e montepios.

Busca, ao final, a "(...) reforma da r. sentença, para declarar a exclusão da partilha, do bem imóvel do Recorrente, vez que adquirido por sub-rogações, sendo utilizados os recursos do FGTS como amortizações, sendo que tais quantias não foram sacadas pelo Recorrente, como ainda, pugna pela reforma da r. decisão para afastar a partilha dos valores a título de previdência privada, vez que adquirida através dos seus proventos, com esforço exclusivo do Recorrente, e afastar a pensão alimentícia arbitrada, tendo em vista não estar demonstrada a necessidade da Autora, diante do acervo patrimonial que possui" (fls. 214/215).

O Ministério Público Federal opinou pelo não conhecimento do recurso, diante da incidência da Súmula nº 7/STJ (fls. 269/273).

Na sessão do dia 1º/12/2020, a Relatora, Ministra Nancy Andrighi, conheceu em parte do recurso especial e, nessa extensão, negou-lhe provimento, pontuando, quanto aos valores alocados na previdência privada aberta, que "(...) no período que antecede a percepção dos valores, ou seja, durante as contribuições e formação do patrimônio, com múltiplas possibilidades de depósitos, de aportes diferenciados e de retiradas, inclusive antecipadas, a natureza preponderante do contrato de previdência complementar aberta é de investimento, semelhantemente ao que ocorreria se os valores das contribuições e dos aportes fossem investidos em fundos de renda fixa ou na aquisição de ações e que seriam objeto de partilha por ocasião da dissolução do vínculo conjugal ou da sucessão.

(...) o hipotético tratamento diferenciado entre os investimentos realizados em previdência privada complementar aberta (incomunicáveis) e os demais investimentos (comunicáveis) possuiria uma significativa aptidão para gerar profundas distorções no regime de bens do casamento e também na sucessão, uma vez que bastaria ao investidor direcionar seus aportes para essa modalidade para frustrar a meação dos cônjuges ou a legítima dos herdeiros."

Assim, no caso, concluiu que,

"(...)

Diante desse cenário, é correto afirmar que os valores aportados em planos de previdência privada aberta, antes de sua conversão em renda e pensionamento ao titular, possuem natureza de aplicação e investimento, devendo ser objeto de partilha por ocasião da dissolução da união estável por não estarem abrangidos pela regra do art. 1.659, VII, do CC/2002."

No tocante ao imóvel, consignou que "(...) a partilha do bem recaiu tão somente sobre a parte que foi adquirida na constância da união estável com os recursos advindos do levantamento de saldo do FGTS" , conforme entendimento jurisprudencial do STJ.

No que tange ao pensionamento à ex-companheira, aplicou as Súmulas nº 284/STF e nº 7/STJ.

O voto foi assim sumariado:

"CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL CUMULADA COM PARTILHA DE BENS E ALIMENTOS. PLANOS DE PREVIDÊNCIA PRIVADA ABERTA. REGIME MARCADO PELA LIBERDADE DO INVESTIDOR. CONTRIBUIÇÃO, DEPÓSITOS, APORTES E RESGATES FLEXÍVEIS. NATUREZA JURÍDICA MULTIFACETADA. SEGURO PREVIDENCIÁRIO. INVESTIMENTO OU APLICAÇÃO FINANCEIRA. DESSEMELHANÇAS ENTRE OS PLANOS DE PREVIDÊNCIA PRIVADA ABERTA E FECHADA, ESTE ÚLTIMO INSUSCETÍVEL DE PARTILHA. NATUREZA SECURITÁRIA E PREVIDENCIÁRIA DOS PLANOS PRIVADOS ABERTOS VERIFICADA APÓS O RECEBIMENTO DOS VALORES ACUMULADOS, FUTURAMENTE E EM PRESTAÇÕES, COMO COMPLEMENTAÇÃO DE RENDA. NATUREZA JURÍDICA DE INVESTIMENTO E APLICAÇÃO FINANCEIRA ANTES DA CONVERSÃO EM RENDA E PENSIONAMENTO AO TITULAR. PARTILHA POR OCASIÃO DO VÍNCULO CONJUGAL. NECESSIDADE. ART. 1.659, VII, DO CC/2002 INAPLICÁVEL À HIPÓTESE. PARTILHA DE PARTE DO BEM ADQUIRIDO NA CONSTÂNCIA DA UNIÃO ESTÁVEL COM RECURSOS ADVINDOS DO LEVANTAMENTO DE SALDO DO FGTS. POSSIBILIDADES. PRECEDENTES. DESNECESSIDADE DOS ALIMENTOS À EX-CÔNJUGE. DEFICIÊNCIA DA FUNDAMENTAÇÃO RECURSAL. SÚMULA 284/STF. IMPRESCINDIBILIDADE DO REEXAME DE FATOS E PROVAS. SÚMULA 7/STJ. 1- Ação ajuizada em 01/03/2018. Recurso especial interposto em 20/01/2020 e atribuído à Relatora em 17/07/2020.

2- Os propósitos recursais consistem em definir: (i) se o valor existente em previdência complementar privada aberta possui natureza personalíssima e não pode ser objeto de partilha por ocasião da dissolução da união estável; (ii) se o bem alegadamente adquirido por sub-rogação e mediante uso de saldo de FGTS deveria igualmente ser excluído da partilha; (iii) se, na hipótese, é devida a pensão alimentícia à ex-cônjuge.

3- Os planos de previdência privada aberta, operados por seguradoras autorizadas pela SUSEP, podem ser objeto de contratação por qualquer pessoa física e jurídica, tratando-se de regime de capitalização no qual cabe ao investidor, com amplíssima liberdade e flexibilidade, deliberar sobre os valores de contribuição, depósitos adicionais, resgates antecipados ou parceladamente até o fim da vida, razão pela qual a sua natureza jurídica ora se assemelha a um seguro previdenciário adicional, ora se assemelha a um investimento ou aplicação financeira.

4- Considerando que os planos de previdência privada aberta, de que são exemplos o VGBL e o PGBL, não apresentam os mesmos entraves de natureza financeira e atuarial que são verificados nos planos de previdência fechada, a eles não se aplicam os óbices à partilha por ocasião da dissolução do vínculo conjugal apontados em precedente da 3ª Turma desta Corte (REsp 1.477.937/MG).

5- Embora, de acordo com a SUSEP, o PGBL seja um plano de previdência complementar aberta com cobertura por sobrevivência e o VGBL seja um plano de seguro de pessoa com cobertura por e sobrevivência, a natureza securitária e previdenciária complementar desses contratos é marcante no momento em que o investidor passa a receber, a partir de determinada data futura e em prestações periódicas, os valores que acumulou ao longo da vida, como forma de complementação do valor recebido da previdência pública e com o propósito de manter um determinado padrão de vida.

6- Todavia, no período que antecede a percepção dos valores, ou seja, durante as contribuições e formação do patrimônio, com múltiplas possibilidades de depósitos, de aportes diferenciados e de retiradas, inclusive antecipadas, a natureza preponderante do contrato de previdência complementar aberta é de investimento, razão pela qual o valor existente em plano de previdência complementar aberta, antes de sua conversão em renda e pensionamento ao titular, possui natureza de aplicação e investimento, devendo ser objeto de partilha por ocasião da dissolução do vínculo conjugal por não estar abrangido pela regra do art. 1.659, VII, do CC/2002.

7- Dado que a partilha recaiu somente sobre a parte que foi adquirida com os recursos advindos do levantamento de saldo do FGTS, ressalvando a parte que havia sido adquirida pela parte com recursos advindos de subrogação de bem exclusivo, deve ser aplicada a jurisprudência desta Corte no sentido de que os valores de FGTS levantados durante o interregno da união estável e utilizados para aquisição de imóvel devem ser objeto de partilha. Precedentes.

8- A ausência de indicação do dispositivo legal supostamente violado e a necessidade de reexame de fatos e provas impedem o conhecimento do recurso especial no que tange aos alimentos, aplicando-se, respectivamente, a Súmula 284/STF e a Súmula 7/STJ.

9- Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido, com majoração de honorários."

Pedi vista antecipada dos autos para melhor exame da matéria.

De início, acompanho a Relatora, Ministra Nancy Andrighi, quanto à partilha de parte do imóvel adquirido com recursos sacados da conta vinculada do FGTS, bem como no que tange à necessidade de pensionamento à ex-companheira.

No mais, no tocante à partilha dos valores alocados em plano de previdência privada aberta (VGBL - Vida Gerador de Benefício Livre ou PGBL - Programa Gerador de Benefício Livre), cumpre fazer algumas observações. 

Como é sabido, o contrato de previdência privada, seja o firmado com entidade aberta ou com entidade fechada, objetiva, mediante o aporte de contribuições em uma conta de capitalização, garantir um padrão de vida ao participante e ao núcleo familiar contra riscos

sociais determinados, dando azo, quando materializados, ao recebimento de um benefício único ou de caráter continuado.

Assim, os planos previdenciários geralmente apresentam duas fases: (i) a da acumulação (ou diferimento), em que os recursos são aportados e remunerados a longo prazo pela rentabilidade financeira, e (ii) a de concessão de benefício, em que a renda contratada é

percebida, notadamente após atingidos alguns requisitos ou configuradas algumas contingências sociais, como aposentadoria, invalidez, desemprego ou óbito do participante.

Percebe-se que tais avenças possuem, em regra, natureza previdenciária, não podendo ser igualadas simplesmente a fundos de investimento financeiro, sobretudo se não for demonstrada concretamente nenhuma distorção na sua utilização.

Ademais, como os recursos alocados na Previdência (Pública ou Complementar) são de caráter pessoal e alimentar, houve uma proteção legislativa especial contra a comunicabilidade de bens entre os cônjuges (arts. 1.659, VI e VII, e 1.668, V, do CC) e também contra a penhorabilidade (arts. 833, IV, do Código de Processo Civil de 2015 e 649, VII, do CPC/1973).

Questão tormentosa é saber se essa proteção atinge somente a fase de recebimento do benefício previdenciário ou se também abrange a fase de acumulação (de formação das reservas).

Sobre o tema, quanto a planos de previdência complementar fechada , a Terceira Turma deste Tribunal Superior consagrou o entendimento de que o montante dirigido à formação do fundo previdenciário não seria comunicável, isto é, não deveria integrar a partilha

decorrente da dissolução do casamento ou da união estável.

A propósito:

"RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. REGIME DE BENS. COMUNHÃO PARCIAL. PREVIDÊNCIA PRIVADA. MODALIDADE FECHADA. CONTINGÊNCIAS FUTURAS. PARTILHA. ART. 1.659, VII, DO CC/2002. BENEFÍCIO EXCLUÍDO. MEAÇÃO DE DÍVIDA. POSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 7/STJ. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. FUNDAMENTO AUTÔNOMO. 1. Cinge-se a controvérsia a identificar se o benefício de previdência privada fechada está incluído dentro no rol das exceções do art. 1.659, VII, do CC/2002 e, portanto, é verba excluída da partilha em virtude da dissolução de união estável, que observa, em regra, o regime da comunhão parcial dos bens.

2. A previdência privada possibilita a constituição de reservas para contingências futuras e incertas da vida por meio de entidades organizadas de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social.

3. As entidades fechadas de previdência complementar, sem fins lucrativos, disponibilizam os planos de benefícios de natureza previdenciária apenas aos empregados ou grupo de empresas aos quais estão atrelados e não se confundem com a relação laboral (art. 458, § 2º, VI, da CLT).

4. O artigo 1.659, inciso VII, do CC/2002 expressamente exclui da comunhão de bens as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes, como, por analogia, é o caso da previdência complementar fechada.

5. O equilíbrio financeiro e atuarial é princípio nuclear da previdência complementar fechada, motivo pelo qual permitir o resgate antecipado de renda capitalizada, o que em tese não é possível à luz das normas previdenciárias e estatutárias, em razão do regime de casamento, representaria um novo parâmetro para a realização de cálculo já extremamente complexo e desequilibraria todo o sistema, lesionando participantes e beneficiários, terceiros de boa-fé, que assinaram previamente o contrato de um fundo sem tal previsão.

(...)

8. Recurso especial não provido." (REsp nº 1.477.937/MG, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, DJe 20/6/2017)

No que tange à previdência privada aberta , há precedente também da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça que considerou tais planos, como o VGBL e o PGBL, no período que antecede a percepção dos benefícios, ou seja, durante as contribuições

e a formação do patrimônio, com múltiplas possibilidades de depósitos, de aportes diferenciados e de retiradas, inclusive antecipadas, como sendo de natureza preponderante de investimento, o que possibilitaria a partilha de recursos por ocasião da dissolução do vínculo conjugal (REsp nº 1.698.774/RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, DJe 9/9/2020).

Todavia, nova reflexão deve ser feita a fim de harmonizar o entendimento da Terceira Turma com o da Segunda Seção desta Corte Superior sobre a natureza jurídica dos planos de previdência privada aberta, de que são exemplos o PGBL e o VGBL.

Com efeito, aquele Colegiado entendeu que a faculdade concedida ao participante de plano de previdência privada aberta (PGBL e VGBL) de resgatar as contribuições vertidas ao plano "(...) não tem o condão de afastar, de forma inexorável, a natureza essencialmente previdenciária e, portanto, alimentar, do saldo existente" (EREsp nº 1.121.719/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, DJe 4/4/2014), não podendo, por isso mesmo, haver uma equiparação automática a investimento financeiro.

Ficou definido que o desvirtuamento da finalidade social do contrato - como o uso do instrumento previdenciário para investimentos, blindagem contra credores, diminuição da legítima de herdeiros, ocultação de bens do cônjuge meeiro - deveria ser aferido, para fins de

penhora, caso a caso.

A propósito:

"PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. SALDO EM FUNDO DE PREVIDÊNCIA PRIVADA COMPLEMENTAR. IMPENHORABILIDADE. INDISPONIBILIDADE DE BENS DETERMINADA À LUZ DO ART. 36 DA LEI 6.024/74. MEDIDA DESPROPORCIONAL.

1. O regime de previdência privada complementar é, nos termos do art. 1º da LC 109/2001, 'baseado na constituição de reservas que garantam o benefício, nos termos do caput do art. 202 da Constituição Federal', que, por sua vez, está inserido na seção que dispõe sobre a Previdência Social.

2. Embora não se negue que o PGBL permite o 'resgate da totalidade das contribuições vertidas ao plano pelo participante' (art. 14, III, da LC 109/2001), essa faculdade concedida ao participante de fundo de previdência privada complementar não tem o condão de afastar, de forma inexorável, a natureza essencialmente previdenciária e, portanto, alimentar, do saldo existente.

3. Por isso, a impenhorabilidade dos valores depositados em fundo de previdência privada complementar deve ser aferida pelo Juiz casuisticamente, de modo que, se as provas dos autos revelarem a necessidade de utilização do saldo para a subsistência do participante e de sua família, caracterizada estará a sua natureza alimentar, na forma do art. 649, IV, do CPC.

4. Ante as peculiaridades da espécie (curto período em que o embargante esteve à frente da instituição financeira e sua ínfima participação no respectivo capital social), não se mostra razoável impor ao embargante tão grave medida, de ter decretada a indisponibilidade de todos os seus bens, inclusive do saldo existente em fundo de previdência privada complementar - PGBL.

5. Embargos de divergência conhecidos e providos." (EREsp nº 1.121.719/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, DJe 4/4/2014 - grifou-se)

Logo, de igual maneira, para fins de partilha na dissolução conjugal e ainda no direito sucessório, não se pode reputar como simples investimento financeiro todo e qualquer plano de previdência privada aberta que se encontre na fase de acumulação de recursos, a eliminar, de imediato, a sua natureza previdenciária, somente porque há o potencial resgate das contribuições a curto prazo, até porque o participante poderá fazer uso do instituto para se socorrer frente a algum risco social que adveio de forma inesperada.

Conforme Ivy Cassa,

"(...) na previdência privada, a finalidade é previdenciária, ou seja, de acumulação de recursos a longo prazo, mas não pela mera necessidade de multiplicação de recursos e, sim, pelo espírito previdencialista, que consiste na acumulação de recursos para utilização em momentos de necessidade.

(...)

Por estas, dentre outras tantas diferenças é que se deve ter muita cautela ao comercializar planos de previdência privada nas entidades abertas como se fossem meros fundos de investimento. Cada produto deve ser vendido para a sua finalidade, sob pena de desnaturar-se um produto e, ao invés de partilhar das vantagens, acabam-se somando desvantagens pelo erro na escolha."

(CASSA, Ivy. Contrato de previdência privada . São Paulo: MP Ed., 2009, págs. 304/305 - grifou-se)

É certo que o desvirtuamento do PGBL ou do VGBL deve ser evitado, mas também é cediço que a má-fé deve ser comprovada. Dessa forma, somente devem sofrer partilha os recursos acumulados no plano quando descaracterizada a natureza previdenciária do próprio contrato, a exemplo de resgate a curto prazo desacompanhado de risco social ou a alocação de boa parte do patrimônio em tais fundos com o intuito de mera multiplicação de recursos ou blindagem patrimonial.

Nesse sentido, cabe conferir, mais uma vez, os ensinamentos de Ivy Cassa:

"(...)

Outra questão que se coloca diz respeito às fases do contrato de previdência privada. Como vimos acima, ele apresenta duas etapas bem distintas: acumulação e concessão de benefícios. Durante a segunda, fica evidente o caráter previdenciário e a relação com o dispositivo do Código de Processo Civil acima transcrito. Mas durante a fase de acumulação isso não fica tão claro, especialmente porque há muitas pessoas que, distorcendo sua natureza previdenciária, utilizam produtos do tipo PGBL e VGBL como se fossem meros investimentos. E muitas vezes as entidades abertas acabam por utilizar como atrativo de venda de tais planos justamente o argumento de serem eles 'blindados'. Assim, uma vez aportados os recursos ao plano, estes se tornariam imunes a qualquer tipo de penhora.

Esse argumento, embora muito sedutor, não prospera. Neste ponto, vale mais uma vez lembrar a função social do contrato que, no caso em análise, é resguardar os participantes contra riscos sociais, propinando a concessão de benefícios de natureza previdenciária semelhantes aos da previdência social.

(...)

Concordamos que a função social do contrato de previdência privada deve ser única durante todo o tempo que ele durar [tanto na fase de acumulação quanto na de concessão de benefícios]. Contudo, como os próprios participantes, muitas vezes, relevam na prática essa função, este tipo de contrato demanda uma análise caso a caso , que verifique o tempo de acumulação, a periodicidade, a situação econômica do participante, etc. Assim, por um lado, resguarda-se o direito positivado em lei de proteção dos recursos provenientes de aposentadoria. Por outro, evita-se o cometimento de abusos por parte daqueles que pretendem utilizar-se do plano de previdência privada unicamente como forma de 'driblar a lei'.

(...)

Portanto, concluímos que o plano de previdência privada deve ser entendido em seus dois momentos. Durante a fase de acumulação, os recursos aproximam-se de uma poupança, e poder-se-ia cogitar, dependendo da análise concreta do caso, da sua penhora [ou comunicabilidade].

Contudo, na etapa do recebimento do benefício, a regra é a da total impenhorabilidade [ou incomunicabilidade], independentemente de seu valor, e de ser ou não transferido para conta-poupança, conta-corrente ou para qualquer tipo de investimento."

(CASSA, Ivy. Contrato de previdência privada . São Paulo: MP Ed., 2009, págs. 177/180 - grifou-se)

Nesse contexto, na espécie , extrai-se dos autos que os planos de previdência privada aberta firmados pelo recorrente tiveram intuito de mero investimento financeiro , como bem asseverado no parecer do Parquet estadual (adotado pela Corte local):

"(...)

In casu, trata-se de Plano de Previdência Privada Aberta firmado com a instituição BRASILPREV Seguros e Previdência S/A, onde, em outubro/2018 havia um saldo de R$ 22.169,74 (vinte e dois mil, cento e sessenta e nove reais e setenta e quatro centavos), conforme se infere do extrato da Apólice nº 0002856848 que segue à fl. 283 dos autos do processo materializado.

Ainda há outra Apólice, a de nº 0003115161, onde, em outubro/2018 havia um saldo de R$ 105.398,62 (cento e cinco mil trezentos e noventa e oito reais e sessenta e dois centavos), conforme documento de fl. 289.

(...)

Corrobora essa conclusão, as informações constantes no extrato referente à Apólice nº 0002856848 (fl. 285), onde houve CONTRIBUIÇÃO/PRÊMIO PERIÓDICA no valor de R$ 250,00, CONTRIBUIÇÃO/PRÊMIO ESPORÁDICA nos valores de R$ 21.000,00 e R$ 9.000,00 e RESGATE no valor de R$ 9.996,61, o que denota a liberdade de movimentação, típica das aplicações financeiras.

(...)

Portanto, no caso presente, possuindo a natureza jurídica de aplicação financeira, há de se concluir pela comunicabilidade dos saldos existentes em Fundo de Previdência Privada Aberta de titularidade do Demandado" (fls. 117/120).

Em outras palavras, afastada concretamente a natureza previdenciária dos contratos de VGBL ou PGBL, os recursos investidos nesses fundos devem ser partilhados, dada a comunicabilidade e a integração dos valores no patrimônio comum do casal, como

ocorre nos investimentos financeiros típicos, voltados somente ao incremento patrimonial.

Em suma, o contrato de previdência privada aberta (PGBL e VGBL) não constitui fundo de investimento financeiro, seja considerada a fase de acumulação (formação de reservas) ou a fase de recebimento do benefício, prevalecendo a natureza previdenciária tanto para fins de penhora quanto para fins de partilha ou meação, excetuada a comprovação concreta de seu uso desvirtuado, como no resgate a curto prazo desacompanhado de risco social (intuito de simples multiplicação de recursos) ou na ocorrência de blindagem patrimonial (ocultação de numerário em detrimento de credores, herdeiros e cônjuge meeiro).

Ante o exposto, acompanho a ilustre Relatora, conhecendo em parte do recurso especial e, nessa extensão, negando-lhe provimento, mas por fundamentos diversos quanto à partilha dos valores vertidos em previdência privada aberta.

É o voto.

 

RECURSO ESPECIAL Nº 1.880.056 - SE (2020/0147797-8)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE : M G B

ADVOGADO : RICARDO JOSE TRINDADE SANTOS - SE005303

RECORRIDO : M B P DA S

ADVOGADO : MARCELLUS LUIZ TEIXEIRA TRINDADE - SE008213

ADITAMENTO AO VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI:

01) Inicialmente, não se pode olvidar que a 3ª Turma, por ocasião do julgamento do REsp 1.698.774/RS , em sessão ocorrida em 01/09/2020 , consignou que “no período que antecede a percepção dos valores, ou seja, durante as contribuições e formação do patrimônio, com múltiplas possibilidades de depósitos, de aportes diferenciados e de retiradas, inclusive antecipadas, a natureza preponderante do contrato de previdência complementar aberta é de investimento, razão pela qual o valor existente em plano de previdência complementar aberta, antes de sua conversão em renda e pensionamento ao titular, possui natureza de aplicação e investimento, devendo ser objeto de partilha por ocasião da dissolução do vínculo conjugal por não estar abrangido pela regra do art. 1.659, VII, do CC/2002”.

02) O voto de minha relatoria naquela oportunidade, reconheceu que a questão era realmente polêmica no âmbito doutrinário, apresentando as posições dos Professores Rolf Madaleno (no sentido de o valor existente em plano de previdência complementar aberta não ser suscetível de partilha) e Flávio Tartuce (no sentido de o valor ser partilhável).

03) A tese por mim proposta naquela assentada, de que o valor é partilhável por ocasião da dissolução do vínculo conjugal, foi acompanhado por unanimidade por esta Turma Julgadora e esse entendimento foi firmado, repise-se, há 06 meses .

04) A despeito disso, propõe o e. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva a superação do entendimento fixado pela Turma Julgadora em Setembro/2020 , justificando essa guinada jurisprudencial na necessidade de “harmonizar o entendimento da Terceira Turma com o da Segunda Seção desta Corte Superior sobre a natureza jurídica dos planos de previdência privada aberta, de que são exemplos o PGBL e o VGBL” .

05) Nesse contexto, afirma S. Exa. que a 2ª Seção, por ocasião do julgamento do EREsp 1.121.719/SP, também de minha relatoria, publicado no DJe de 04/04/2014 , teria concluído que “a faculdade concedida ao participante de plano de previdência privada aberta (PGBL e VGBL) de resgatar as contribuições vertidas ao plano “(...) não tem o condão de afastar, de forma inexorável, a natureza essencialmente previdenciária e, portanto, alimentar, do saldo existente ””.

06) Para saber se a 3ª Turma ofendeu o precedente da 2ª Seção, todavia, não é suficiente apenas o exame de um pequeno excerto da ementa, mas, ao revés, é indispensável que se faça o detalhado cotejo entre os dois julgados, em especial as circunstâncias fáticas que os envolvem e as razões de decidir que levaram à 2ª Seção a concluir, naquela assentada, pela impenhorabilidade do valor existente em previdência complementar aberta.

07) A esse respeito, sublinhe-se que, no precedente invocado pelo e. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, tratava-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público de São Paulo, sucedido pela massa falida do Banco Santos S/A, contra Ricardo Gribel, na qual foi determinada a indisponibilidade dos bens do réu, diretor da instituição financeira em determinado período, incluindo-se a previdência privada.

08) A discussão travada no precedente da 2ª Seção se deu sob a perspectiva do art. 36 da Lei 6.024/74, que prevê a indisponibilidade de bens dos administradores de instituições financeiras em intervenção, liquidação extrajudicial e falência, e do art. 649, IV, do CPC/73, segundo o qual eram absolutamente impenhoráveis “os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal...”.

09) Assim, salta aos olhos, desde logo, que o precedente da 2ª Seção tratou de questão absolutamente distinta daquela enfrentada no precedente da 3ª Turma, repetida na hipótese em exame.

10) Com efeito, definir se o valor existente na previdência complementar aberta é suscetível de penhora pressupõe o exame de uma relação jurídica distinta daquela que envolve a entidade familiar e a consequente comunicabilidade dos valores por ocasião da dissolução do vínculo conjugal .

11) De fato, no exame acerca da penhorabilidade do valor existente em previdência complementar aberta para adimplemento de dívida contraída com terceiro, prepondera a necessidade de maior proteção à entidade familiar e a necessidade de solução do conflito diante das especificidades da causa .

12) Não por acaso, aliás, consta expressamente do voto que proferi naquela oportunidade: “a impenhorabilidade dos valores em fundo de previdência privada complementar deve ser aferida pelo juiz casuisticamente, de modo que, se as provas dos autos revelarem a necessidade de utilização do saldo para a subsistência do participante e de sua família , caracterizada estará a sua natureza alimentar ” e, consequentemente, a sua impenhorabilidade.

13) A questão enfrentada no REsp 1.698.774/RS e também neste recurso especial é, data venia, absolutamente distinta , pois envolve a própria relação jurídica familiar , devendo ser examinado de quem é a titularidade dos valores aportados na previdência complementar se sobrevier a dissolução do vínculo, a saber, se é apenas do cônjuge formalmente titular do plano ou se é de ambos os cônjuges.

14) De outro lado, a natureza preponderantemente previdenciária e alimentar fixada pela 2ª Seção fica ainda mais evidente diante das específicas particularidades daquela hipótese , que foram bem retratadas pelo e. Ministro João Otávio de Noronha, que me acompanhou naquela assentada:

A Ministra Nancy Andrighi muito bem observou: Ricardo Gribel foi indicado pelo próprio Banco Central. O Banco Central retardou a intervenção e liquidação da instituição financeira na expectativa de recuperá-la e indicou o Dr. Ricardo Gribel para ocupar, então, a presidência, a ponto de ele ficar somente 52 dias.

Destaco também outra peculiaridade: o seu PGBL fora composto por verba não oriunda de recebimentos do Banco Santos. Portanto, não se trata de dinheiro de clientes do Banco Santos, mas de verbas que ele angariou ao longo da vida, em empregos anteriores.

Ora, por que manteve o saldo? Para garantir sua aposentadoria, para garantir recursos para o tratamento de saúde quando em idade avançada.

(...)

No caso, o recorrente conta com mais de sessenta anos (sessenta e sete anos). Os seus recursos de previdência, os seus recursos para a aposentadoria estão presos há muitos anos e ficarão muitos anos mais se não forem liberados; certamente, caso não sejam liberados logo, tais recursos serão entregues a seus herdeiros, porque todos nós sabemos que liquidação de instituição financeira tem durado aproximadamente trinta anos ou mais.

Um cidadão com sessenta e sete anos, que teve câncer, que está com a saúde abalada, terá os seus recursos bloqueados com que propósito? De não lhe ajudar no fim da vida? De não lhe ajudar no tratamento de doença tão grave? Não me parece razoável.

15) Até mesmo o voto de desempate, proferido naquela ocasião pelo e. Ministro Luís Felipe Salomão, destaca que, conquanto possua natureza preponderante de investimento e de aplicação financeira, as particularidades daquela específica causa o levaram a concluir pela natureza previdenciária e alimentar da previdência complementar aberta:

4.1. Não obstante, o regime da previdência privada admite não só a acumulação de recursos e a transformação desses em renda futura, como também o resgate antecipado dos valores depositados (art. 14, III, da LC n. 109/2001), atuando, nessa hipótese, como uma aplicação financeira regular, o que, decerto, não parece ter sido objeto da proteção do legislador ao elaborar a norma insculpida no art. 649, IV, do CPC .

Com efeito, o regime de previdência complementar aberta, diversamente do que ocorre na fechada, caracteriza-se pela livre comercialização de planos previdenciários - via de regra, pelos canais bancários -, a cujos recursos os aderentes têm amplo acesso a qualquer momento, a depender das regras do plano .

Essa é uma das razões a justificar o entendimento acerca da penhorabilidade dos valores depositados nesses fundos na fase de acumulação ....

(...)

4.2. Por outro lado, deparamo-nos, agora, com relevante impasse decorrente do fato de que a situação presente ostenta singularidades que não se assemelham à conduta acima referida.

Ao revés, dessume-se dos autos que o embargante: a) foi indicado pelo Banco Central para o cargo de presidente do Banco Santos, tendo-o ocupado por apenas 52 dias; b) está com setenta anos de idade; e c) encontra-se impossibilitado de exercer qualquer cargo em instituições financeiras, como consequência automática da intervenção no Banco que presidia.

(...)

7. Ante o exposto, com as ressalvas acima, rogo vênia à divergência para, no caso concreto, diante das circunstâncias antes apontadas , acompanhar a eminente relatora para dar provimento aos embargos de divergência, e, por conseguinte, determinar o desbloqueio das verbas pretendidas.

16) Vale dizer que os votos vencidos naquele precedente

propugnavam a penhorabilidade dos valores em previdência privada

aberta, independentemente de avalições casuísticas . Quanto ao ponto, é elucidativo o voto vencido do e. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva na oportunidade:

Assim, referida reserva somente poderia ser considerada “proventos de aposentadoria” a partir do momento em que a aplicação é vertida para o beneficiário do participante ou dos seus beneficiários, seja em parcela única, seja em prestações periódicas , conforme tenha sido contratado.

Daí porque, antes de o PGBL se configurar como autêntico “provento de aposentadoria”, tal plano tem a natureza jurídica de aplicação financeira, o que afasta sua caracterização como verba previdenciária ou, até mesmo, alimentar. Na tipologia cerrada do inciso IV do artigo 649 do CPC não se encontra prevista a indisponibilidade de planos de investimento em geral, tampouco o PGBL, em particular .

17) Diante desse cenário, está claro que o precedente da 2ª Seção é inservível à hipótese e que o precedente da 3ª Turma não o ofendeu , quer seja porque se está diante de hipóteses fáticas e jurídicas diametralmente opostas e inconfundíveis , quer seja em virtude da necessidade de se observar a questão diante da dinâmica própria das relações familiares .

18) Com efeito, no regime da comunhão de bens , universal ou parcial como na hipótese, a regra é a comunicabilidade e a exceção é a incomunicabilidade , o que impõe, desde logo, o dever de interpretar restritivamente as exceções . O casamento sob esse regime pressupõe, pois, a intenção de construir conjuntamente a relação, inclusive sob a perspectiva patrimonial .

19) Sendo essa a premissa, nada mais óbvio de que computar as reservas adquiridas na constância da sociedade conjugal no rol de bens comuns do casal , suscetíveis de partilha na eventual hipótese de dissolução prematura do vínculo, na medida em que essas reservas foram formadas a partir do deslocamento de valores de propriedade comum da família para serem aportados sob a titularidade formal de apenas um dos cônjuges.

20) Dito de outra maneira, para que tenha havido a constituição de propriedade formalmente exclusiva sobre determinado bem de livre criação, disposição, manutenção e movimentação, é porque houve também, antecedentemente, a diminuição do patrimônio comum do casal afetado pelo regime da comunhão , de modo que esse bem somente será insuscetível de partilha após a efetiva implementação da condição expressamente prevista em lei , ou seja, o recebimento do provimento do trabalho pessoal de cada cônjuge, da pensão, do meio-soldo, do montepio ou de outra renda semelhante.

21) Acrescente-se que, a vingar a tese formulada pelo e. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, no sentido de que a partilha da previdência privada aberta existente sob a titularidade de apenas um dos ex-cônjuges apenas ocorreria na hipótese de comprovada má-fé , haverá ainda outros desdobramentos merecedores de profunda reflexão.

22) Com efeito, o primeiro aspecto a ser ressaltado é a evidente dificuldade de se produzir prova sobre questão de natureza tão particular , como a saúde financeira, as aplicações e os investimentos de um casal, especialmente quando se agrega um elemento volitivo , a saber, a intenção de frustrar a partilha , a má-fé . Respeitosamente, não é um assunto que transcenda a estrita intimidade do casal e que, quando muito, é confidenciado a pessoas que, no processo, não poderão testemunhar por impedimento ou suspeição.

23) O segundo aspecto diz respeito ao ônus da prova . Se, para usar um velho adágio, a boa-fé se presume e a má-fé se prova , seria correto concluir que caberia ao ex-cônjuge não titular da previdência privada aberta o ônus de comprovar que, na constância da sociedade conjugal – quando esse não é um tema em evidência - , houve um ato de má-fé do ex-cônjuge titular em alocar parte dos recursos da família em bem próprio e exclusivo. Respeitosamente, está quase se impondo uma probatio diabolica na hipótese.

24) Daí porque a solução sugerida pela respeitada doutrina civilista que se debruçou sobre o tema ao longo dos tempos foi o estabelecimento de um critério objetivo para definir se o valor existente em plano de previdência privada complementar aberta deveria ou não ser objeto de partilha, abdicando da adoção de critério subjetivo claramente insuficiente e inadequado para o exame dessa temática.

25) Assim, embora coincidentes os resultados na específica hipótese em exame, não adiro, respeitosamente, à fundamentação expendida pelo e. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, na medida em que as razões de decidir de S. Exa. se contrapõem frontalmente àquelas defendidas em meu voto.

26) Forte nessas razões, RATIFICO INTEGRALMENTE o meu voto, com os acréscimos acima mencionados, no sentido de CONHECER EM PARTE do recurso especial e, nessa extensão, NEGAR-LHE PROVIMENTO.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

TERCEIRA TURMA

Número Registro: 2020/0147797-8 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.880.056 / SE

Números Origem: 00014035220188250082 201812600330 201900715272

PAUTA: 09/03/2021 JULGADO: 16/03/2021

SEGREDO DE JUSTIÇA Relatora

Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI

Presidente da Sessão

Exmo. Sr. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO

Subprocurador-Geral da República

Exmo. Sr. Dr. OSNIR BELICE

Secretária

Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : M G B

ADVOGADO : RICARDO JOSE TRINDADE SANTOS - SE005303

RECORRIDO : M B P DA S

ADVOGADO : MARCELLUS LUIZ TEIXEIRA TRINDADE - SE008213

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Família

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, acompanhando a Ministra Nancy Andrighi com fundamentação diversa, a Turma, por unanimidade, conheceu em parte do recurso especial e, nesta parte, negou-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino (Presidente), Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora.