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Prisão cível por alimentos é revogada quando comprovada a desnecessidade de urgência da medida

29/08/2018 - 09:32

EMENTA


HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL POR DÍVIDA DE ALIMENTOS. MAIORIDADE CIVIL, REMUNERAÇÃO PRÓPRIA, REDUÇÃO DO VALOR DA PENSÃO, LEVANTAMENTO DE EXPRESSIVA SOMA EM DINHEIRO E PENHORA DO ÚNICO BEM IMÓVEL DO DEVEDOR. OCORRÊNCIAS VERIFICADAS NO CURSO DA EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. AUSÊNCIA DE ATUALIDADE DO DÉBITO E DE URGÊNCIA NA PRESTAÇÃO DOS ALIMENTOS. INEFICÁCIA DA MEDIDA COATIVA, NA HIPÓTESE, ANTE O CONTEXTO DOS AUTOS. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. A constrição da liberdade somente se justifica se: "i) for indispensável à consecução dos alimentos inadimplidos; ii) atingir o objetivo teleológico perseguido pela prisão civil - garantir, pela coação extrema da prisão do devedor, a sobrevida do alimentado - e; iii) for a fórmula que espelhe a máxima efetividade com a mínima restrição aos direitos do devedor" (HC n. 392.521/SP, Relatora a Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe de 1º/8/2017). 2. No caso, em que tramitam, concomitantemente, duas ações de execução de alimentos, foi autorizado por um dos Juízos o levantamento em favor do exequente da importância de R$ 147.568,77 (cento e quarenta e sete mil, quinhentos e sessenta e oito reais e setenta e sete centavos), tendo ocorrido, ainda, a penhora do único bem imóvel de propriedade do alimentante, o qual lhe serve de moradia. Verifica-se dos autos, ainda, que o alimentando atingiu a maioridade, estando hoje com 22 (vinte e dois) anos de idade, é estudante universitário e já desempenha atividade remunerada, fato este que culminou, inclusive, na redução da pensão alimentícia de 1, 37 (um vírgula trinta e sete) salário mínimo para 40% (quarenta por cento) desse valor, por sentença desafiada por apelação, ainda pendente de julgamento. 3. Embora tais fatos, por si, não desobriguem o executado pela dívida pretérita contraída ao longo de vários anos, torna desnecessária, na espécie, a prisão civil como medida coativa, seja em razão da ausência de atualidade e de urgência da prestação dos alimentos, seja porque essa técnica será ineficaz para compelir o devedor a satisfazer integralmente o débito que se avolumou de forma significativa. 4. Ordem concedida, de ofício, confirmando-se a liminar anteriormente deferida. (STJ - HC: 447620 SP 2018/0098798-0, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 07/08/2018, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 13/08/2018)


INTEIRO TEOR


HABEAS CORPUS Nº 447.620 - SP (2018⁄0098798-0)


RELATÓRIO


O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE:


Trata-se de habeas corpus preventivo, com pedido liminar, impetrado pelas advogadas em favor de A. M. K. K., apontando-se como autoridade coatora o Tribunal de Justiça de São Paulo.


No presente writ, sustentam os impetrantes que em razão de dificuldades financeiras advindas do desaquecimento das vendas no mercado imobiliário, o paciente – que é corretor de imóveis – não conseguiu cumprir, integralmente, com o pagamento das verbas alimentares devidas a seu filho, L. Y. I. K.


Alegam que o paciente figura no polo passivo de duas execuções de alimentos, a primeira, sob o n. 0024233-34.2012.8.26.0554, tramita perante o Juízo da 4ª Vara de Família e Sucessões de Santo André-SP, na qual o exequente objetiva o recebimento de R$ 75.869,90 (setenta e cinco mil, oitocentos e sessenta e nove reais e noventa centavos), referentes ao período de julho de 2012 a abril de 2017, e a segunda, de n. 0034117-63.2007.8.26.0554, que tramita na 1ª Vara de Família e Sucessões de Santo André-SP, na qual foi efetuada penhora via Bacenjud, na conta de poupança do executado, da importância de R$ 147.568,77 (cento e quarenta e sete mil, quinhentos e sessenta e oito reais e setenta e sete centavos), valor cujo levantamento foi autorizado por decisão proferida em 12⁄12⁄2017, sendo que, nessa última demanda, ocorreu, ainda, a penhora do único bem imóvel de propriedade do paciente, o qual lhe serve de moradia.


Expõem que, em 21⁄10⁄2016, o paciente apresentou no Juízo da 4ª Vara de Família e Sucessões de Santo André-SP justificativa quanto à impossibilidade de pagamento da verba alimentar, uma vez que se encontra desempregado, vivendo de "bicos", salientando, outrossim, que o exequente já se encontra com 22 (vinte e dois) anos de idade e exerce atividade remunerada (e-STJ, fl. 21), compatível com a condição de estudante universitário, correspondente a R$ 853,00 (oitocentos e cinquenta e três reais) (e-STJ, fl. 28).


Na oportunidade, ingressou com ação de exoneração de alimentos, a qual foi julgada parcialmente procedente, para reduzir o valor da pensão alimentícia de 1,37 (um vírgula trinta e sete) salário mínimo para 40% (quarenta por cento) desse valor (e-STJ, fls. 26-30), tendo sido a sentença objeto de apelação, ainda pendente de julgamento. No entanto, a justificativa foi rejeitada e, consequentemente, foi decretada sua prisão, pelo período de 1 (um) mês, por decisao publicada em 24⁄8⁄2017 (e-STJ, fl. 24).


Afirmam que, na intenção de resolver de forma definitiva a pendência nas referidas demandas judiciais, o alimentante depositou na data de 19⁄12⁄2017 (e-STJ, fl. 63), a quantia de R$ 3.944,68 (três mil, novecentos e quarenta e quatro reais e sessenta e oito centavos), equivalente às 3 (três) últimas parcelas em atraso, requerendo a revogação da ordem de prisão, sob o argumento de perda do caráter emergencial da medida. No entanto, o pedido foi negado, mantendo-se a determinação da ordem prisional antes decretada (e-STJ, fl. 65).


Diante desse cenário, o executado impetrou habeas corpus diretamente no Tribunal de Justiça de São Paulo, tendo obtido, em 8⁄1⁄2018, o deferimento de liminar (e-STJ, fls. 67-68). Contudo, no julgamento proferido pela 3ª Câmara de Direito Privado daquela Corte em 11⁄4⁄2018 a ordem foi denegada, por maioria, nos termos da seguinte ementa (e-STJ):


HABEAS CORPUS. Execução de alimentos processada pelo rito do art. 733 do CPC⁄73. Prisão civil. Acúmulo de prestações por resistência injustificada do alimentante. Decisão impugnada que observou o teor da Súmula 309 do STJ. Ausência de justificativa capaz de afastar o decreto de prisão. Ilegalidade não configurada. ORDEM DENEGADA.


Argumentam os impetrantes que o fumus boni iuris encontra-se configurado, tendo em vista que, na execução de alimentos movida contra o mesmo devedor na 1ª Vara de Família e Sucessões de Santo André-SP, o alimentando levantou a importância de R$ 147.568,77 (cento e quarenta e sete mil, quinhentos e sessenta e oito reais e setenta e sete centavos), sendo que, na execução em curso perante a 4ª Vara de Família e Sucessões de Santo André-SP, o paciente realizou o depósito de R$ 3.944,68 (três mil, novecentos e quarenta e quatro reais e sessenta e oito centavos), tudo isso a demonstrar que o exequente não se encontra de todo desamparado, sendo certo que a prisão do alimentante não mais atenderia à sua função no processo, na medida em que os alimentos perderam o caráter de urgência.


Por sua vez, no caso, o periculum in mora decorreria da iminente lesão ao direito de locomoção do impetrante como consequência do julgamento proferido pelo Tribunal estadual.


Deferi liminar às fls. 91-94 (e-STJ), determinando ao Juízo da 4ª Vara de Família e Sucessões de Santo André-SP o recolhimento do mandado de prisão expedido, independentemente do seu cumprimento, até o julgamento final destehabeas corpus.


Informações prestadas às fls. 98-111 e 114-169 (e-STJ).


O Ministério Público Federal opinou no sentido do não conhecimento do presente writ e pela concessão da ordem, de ofício (e-STJ, fls. 171-177).


É o relatório.


HABEAS CORPUS Nº 447.620 - SP (2018⁄0098798-0)


VOTO


O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE (RELATOR):


Trata-se de habeas corpus, substitutivo de recurso ordinário, com pedido de liminar, impetrado por Sandra Helena Pinotti e outras em favor de A. M. K. K., cuja inicial aponta como autoridade coatora a Terceira Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em decorrência de ato jurisdicional por ela praticado,consistente na denegação da ordem pleiteada nos autos do HC n. 2253131-76.2017.8.26.0000 (e-STJ, fls. 74⁄80), anteriormente impetrado em impugnação a ato praticado pelo Juízo de Direito da 4ª Vara de Família e Sucessões da Comarca de Santo André-SP (e-STJ, fl. 65), que, nos autos de execução de alimentos, decretou a prisão do Paciente, em razão do não pagamento do total da dívida alimentícia.


Registro, de início, que o Superior Tribunal de Justiça, na esteira do que vem decidindo o Supremo Tribunal Federal, não admite a impetração de habeas corpus como sucedâneo do recurso ordinário previsto nos arts. 102, inciso II, alíneaa, e 105, inciso II, alínea a, da Constituição Federal, orientação que tem como objetivo reconduzir o remédio heroico ao seu leito natural, evitando-se, com isso, o alargamento da sua admissibilidade, em detrimento das vias recursais próprias. 


Todavia, a despeito dessa orientação, em respeito à garantia constitucional prevista do art. 5º, inciso LXVIII, da Carta Magna, é possível a concessão da ordem de habeas corpus de ofício, desde que presente manifestoconstrangimento ilegal.


No caso, verifica-se que a ordem deve ser concedida.


Com efeito, consta dos autos que se encontram em andamento duas execuções em desfavor do Paciente, a primeira, sob o n. 0024233-34.2012.8.26.0554, tramita perante o Juízo da 4ª Vara de Família e Sucessões de Santo André-SP, na qual o exequente objetiva o recebimento de R$ 75.869,90 (setenta e cinco mil, oitocentos e sessenta e nove reais e noventa centavos), referentes ao período de julho de 2012 a abril de 2017, e a segunda, de n. 0034117-63.2007.8.26.0554, que tramita na 1ª Vara de Família e Sucessões de Santo André-SP, na qual foi efetuada penhora via Bacenjud, na conta de poupança do executado, da importância de R$ 147.568,77 (cento e quarenta e sete mil,quinhentos e sessenta e oito reais e setenta e sete centavos), envolvendo o período de março de 1997 a julho de 2007, valor cujo levantamento foi autorizado por decisão proferida em 12⁄12⁄2017, sendo que, nessa última demanda, ocorreu, ainda, a penhora do único bem imóvel de propriedade do paciente, o qual lhe serve de moradia.


Narram os autos, ainda, que o alimentando atingiu a maioridade, estando hoje com 22 (vinte e dois) anos de idade, é estudante universitário e já desempenha atividade remunerada, fato este que culminou, inclusive, na redução da pensão alimentícia de 1,37 (um vírgula trinta e sete) salário mínimo para 40% (quarenta por cento) desse valor, por sentença desafiada por apelação, ainda pendente de julgamento.


Diante dessas premissas, sobreleva a desnecessidade e a ineficácia da medida coativa, pois, a despeito de, a princípio, estar caracterizada a omissão intencional do devedor em não saldar a dívida, por outro lado, ao que tudo indica, todo o seu patrimônio já foi alcançado com esse objetivo.


Na espécie, ainda que mantida a natureza alimentar do crédito em aberto, em relação às prestações pretéritas não mais se vislumbra o caráter de urgência, a consubstanciar o risco alimentar, elemento indissociável da prisão civil.


Isso porque a constrição da liberdade somente se justifica se: “i) for indispensável à consecução dos alimentos inadimplidos; ii) atingir o objetivo teleológico perseguido pela prisão civil – garantir, pela coação extrema da prisão do devedor, a sobrevida do alimentado – e; iii) for a fórmula que espelhe a máxima efetividade com a mínima restrição aos direitos do devedor” (HC n. 392.521⁄SP, Relatora a Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe de 1º⁄8⁄2017).


Sendo assim, tenho que os valores pagos até o presente momento são suficientes para suprir as necessidades mais prementes do alimentando, de modo a não recomendar o decreto de prisão civil, medida que deve ostentar natureza excepcional.


Por oportuno, destaco o seguinte precedente em que a aplicação da Súmula 309⁄STJ também foi flexibilizada, a fim de afastar a necessidade da prisão civil do devedor de alimentos, em ação de execução proposta pelo rito do art. 733 do CPC⁄1973:


CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL POR ALIMENTOS. MAIORIDADE CIVIL, FORMAÇÃO ACADÊMICA E REMUNERAÇÃO PRÓPRIA ATINGIDAS PELO CREDOR NO CURSO DA EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. RECALCITRÂNCIA DO GENITOR E AUMENTO SIGNIFICATIVO DA DÍVIDA. AUSÊNCIA DE ATUALIDADE DO DÉBITO E DE URGÊNCIA NA PRESTAÇÃO DOS ALIMENTOS NA HIPÓTESE. INEFICÁCIA DA MEDIDA COATIVA NESSE CONTEXTO. AUSÊNCIA DE ESCLARECIMENTOS SOBRE A OBRIGAÇÃO ALIMENTAR AVOENGA QUE, ALIÁS, TORNA INCERTO O EXATO VALOR DA DÍVIDA.


1- O propósito do presente habeas corpus é definir se deve ser mantida a ordem de prisão civil do paciente em virtude de dívida de natureza alimentar que, em razão do reiterado inadimplemento do genitor, avolumou-se ao longo dos últimos 19 (dezenove) anos.


2- O fato de o credor dos alimentos, durante o trâmite da execução, ter atingido a maioridade civil, cursado ensino superior e passado a exercer atividade profissional remunerada, embora não desobrigue o genitor pela dívida pretérita contraída exclusivamente em razão de sua recalcitrância, torna desnecessária, na hipótese, a prisão civil como medida coativa, seja em razão da ausência de atualidade e de urgência da prestação dos alimentos, seja porque essa técnica seráineficaz para compelir o devedor a satisfazer integralmente o débito que se avolumou de forma significativa.


3- A existência de dúvida sobre o período em que os alimentos foram prestados pela avó, quais valores foram destinados ao credor e a natureza substitutiva ou complementar dos alimentos que foram prestados também desautoriza o uso da prisão civil como técnica coercitiva.


4- Ordem concedida, confirmando-se a liminar anteriormente deferida.


(HC n. 415.215⁄SP, Relatora a Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe de 8⁄2⁄2018).

Diante do exposto, ressaltando a singularidade do caso em análise, de ofício, concedo a ordem de habeas corpus, confirmando a liminar anteriormente concedida.


É o voto.


CERTIDÃO DE JULGAMENTO


TERCEIRA TURMA


Número Registro: 2018⁄0098798-0PROCESSO ELETRÔNICOHC 447.620 ⁄ SP


Números Origem: 00242333420128260554 20180000252295 22531317620178260000 242333420128260554


PAUTA: 07⁄08⁄2018JULGADO: 07⁄08⁄2018SEGREDO DE JUSTIÇA


Relator

Exmo. Sr. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE


Presidente da Sessão

Exmo. Sr. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE


Subprocurador-Geral da República

Exmo. Sr. Dr. ANTÔNIO CARLOS ALPINO BIGONHA


Secretária

Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA


AUTUAÇÃO


IMPETRANTE:SANDRA HELENA PINOTTI E OUTROSADVOGADOS:SANDRA HELENA PINOTTI - SP066228DENISE MARILIA PANIGHEL - SP241753BRENDA RAPHAEL RIBEIRO - SP400640IMPETRADO:TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULOPACIENTE:A M K K


ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Família - Alimentos


CERTIDÃO


Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:


A Terceira Turma, por unanimidade, concedeu a ordem, de ofício, confirmarndo-se a liminar anteriormente deferida, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.


Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, Nancy Andrighi, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com o Sr. Ministro Relator.