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A mulher que salvou homem do corredor da morte após 26 anos preso injustamente

23/04/2019 - 14:00

Quando viu os guardas da emblemática Penitenciária Estadual de San Quentin (Califórnia) liberando seu cliente, a advogada Cristina Bordé começou a chorar.


Nesse dia 19 de abril de 2018 ela conseguiu a libertação de Vicente Benavides, um agricultor mexicano que, em 1993, foi condenado à pena de morte, acusado de estuprar e matar uma menina de 21 meses.


Foi o dia em que Bordé, que tem cidadania colombiana e americana, conseguiu o que considera a maior vitória de sua vida: salvar uma vida.


Bogotá, Harvard, San Quentin


Bordé estudou direito nos Estados Unidos, mas fez os estudos escolares em Bogotá, capital da Colômbia.


"Desde pequena queria ser advogada e ajudar, mas não imaginei que terminaria cuidando de um caso de pena de morte", diz ela.


Recém-formada na Universidade de Harvard, a advogada se mudou para a Califórnia e começou a trabalhar numa entidade estatal que atendia pessoas condenadas à morte. Seu primeiro caso foi o do agricultor mexicano Vicente Benavides.


"Comecei em 1999 com uma equipe e começamos a revisar as provas", diz ela.


A sentença havia sido passada seis anos antes, mas, por causa de trâmites burocráticos, essa era a primeira vez que Benavides teria acesso a um advogado para apelar contra sua condenação.


O mexicano insistiu desde o início que era inocente e foi a primeira coisa que disse a Cristina quando a conheceu.


"Não fiz nada com a menina", disse o mexicano à advogada, e ela decidiu acreditar.


O caso Benavides


O episódio pelo que Vicente Benavides foi condenado ocorreu em novembro de 1991, quando ele tinha 42 anos, na cidade de Delano, na Califórnia.


O fazendeiro estava cuidando da filha de sua namorada à época, que havia ido trabalhar.

Depois de descobrir que a menor tinha conseguido sair do apartamento, encontrou-a muito mal, do lado de fora do prédio onde viviam.


Depois de passar por vários hospitais durante oito dias, seu quadro clínico foi piorando e a pequena morreu de um ataque cardíaco.


A essa altura, o mexicano já estava preso.


Os informes médicos diziam que haviam sido detectadas feridas na região genital e golpes na cabeça e no abdômen, elementos usados para acusar Benavides de estupro e assassinato.


19 anos de litígio


O julgamento do mexicano começou dia 15 de março de 1993 e terminou em 20 de abril do mesmo ano com a condenação à pena capital em San Quentin, a única prisão da Califórnia que executa pena de morte.


A justiça levou menos de um mês e meio para condená-lo.


"Ele não tinha histórico de violência nem abuso sexual", enfatizou a advogada. "Quando começamos a avaliar as evidências médicas, ficou muito claro que havia sido cometida uma grande injustiça."


O primeiro passo para iniciar a defesa de Benavides foi pedir um habeas corpus. Para isso fizeram uma minuciosa revisão das provas que levaram à condenação.


Descobriram que, no primeiro boletim médico, não foi detectada nenhuma ferida na área genital, como se elas tivessem surgido depois.


A partir daí, pediram que especialistas analisassem as provas e os testemunhos dados ao júri. 


"Todos os que consultávamos diziam que a causa da morte indicada pelo patologista que participou do julgamento era anatomicamente impossível. Ele disse coisas completamente falsas", diz ela.


O patologista declarou que a bebê havia morrido em consequência dos ferimentos anais, e outros médicos testemunharam que os ferimentos teriam sido causados por violência sexual.


Maurice Possley, pesquisador de uma organização americana que acompanhou o caso, diz que a equipe da advogada se baseou no argumento de que a condenação havia sido feita com base em testemunhos médicos falsos, que a polícia e a promotoria haviam omitido evidências e que os promotores haviam apresentado argumentos incorretos.


Quase todos os médicos que testemunharam no julgamento voltaram atrás e se retrataram, dizendo não terem visto os boletins médicos completos que indicavam que não havia evidências de abuso sexual quando a bebê foi examinada no primeiro hospital.


Eles disseram reconhecer que seus ferimentos genitais podem ter sido causados durante o tratamento médico.


Bordé e sua equipe apresentaram em 2007 um documento de 395 páginas para tentar provar a inocência do cliente.


E foi esse documento que acabou sendo chave para que um juiz da Suprema Corte da Califórnia decidisse absolver o fazendeiro mexicano em 2018 e determinar sua libertação.


26 anos de prisão sem culpa

Vicente Benavides passou um ano e meio preso antes de ser condenado, esperou mais cinco anos até que a justiça lhe atribuísse um advogado com quem pudesse apelar a sentença e levou 26 anos até recuperar sua liberdade, aos 68 anos.


"Isso é típico para pessoas que não têm dinheiro. Os tribunais têm muitos casos que carecem de provas", diz Bordé.


A colombiana sabia das dificuldades em defender Benavides e conseguir a absolvição de um condenado à pena de morte.


Entre 1979 e 2019, apenas quatro condenados à pena de morte foram absolvidos e liberados na Califórnia. Antes do agricultor, o último caso havia sido no ano 2000.


Desde 1967 até hoje houve 122 absolvições de pessoas condenadas à mortes nos Estados Unidos.


O mais recente foi Benavides, que agora vive em algum povoado do México acompanhado de sua família e amigos.


Em vez de dar entrevistas, ele prefere contar sua história e "recuperar o tempo perdido".




Fonte: G1