Justiça garante a filha não reconhecida por familiares o direito de receber herança
A 2ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) restabeleceu, nesta quarta-feira (23/08), o direito de uma servidora pública a receber herança deixada pelo pai socioafetivo (não biológico), após ela ter registro civil anulado e de ser excluída do benefício por não ser filha biológica.
A relatora do processo, desembargadora Maria de Fátima de Melo Loureiro, explicou que no caso ocorreu uma adoção com o reconhecimento espontâneo da paternidade e o registro civil de criança que se encontrava na posse de um casal. “O registro de criança como filha biológica, além de demonstrar a posse do estado de filha, revela o amor e a vontade dos adotantes de ter aquele bebê como filha, condição que caracteriza filiação socioafetiva”.
De acordo com os autos, a servidora com poucos dias de nascida foi entregue a um casal que a registrou como filha, a única deles. Ainda na infância a mãe faleceu e ela ficou sob a guarda do pai.
Posteriormente, este também faleceu, deixando-a, já adulta, como única herdeira. Na época, foi surpreendida por uma ação de nulidade do registro civil impetrada pelos tios paternos, impedindo-a de ter direito à herança.
Por essa razão, em agosto de 2010, a funcionária pública ingressou com ação na Justiça, requerendo a restauração do registro e consequentemente o direito à herança. Alegou que o reconhecimento de paternidade é “voluntário e irrevogável”, tendo ocorrido na ocasião de “livre e espontânea vontade”.
Na contestação, os familiares dela argumentaram que a servidora apenas morava na residência do casal realizando trabalhos domésticos, não existindo relação familiar entre eles. Sustentaram ainda ter ocorrido prescrição do caso, pois excedido o prazo para recorrer da decisão anulatória. Também contestaram documentos apresentados pela herdeira.
Em dezembro de 2014, o juiz José Cleber Moura do Nascimento, da Vara Única de São Benedito, determinou a restauração do registro, com o direito à herança. O magistrado destacou que, pelos depoimentos prestados, a servidora era “reconhecida no seio familiar e no meio social como filha do extinto, não colhendo a alegação dos promovidos [tios] que ela seria uma mera prestadora de serviços domésticos”.
Requerendo a reforma da sentença, os tios ajuizaram recurso (nº 0005243-30.2010.8.06.0163) no TJCE. Mantiveram as mesmas alegações apresentadas anteriormente. Além disso, defenderam haver o interesse da filha em se apropriar do patrimônio do falecido e “dilapidá-lo.”
Ao julgar o processo, a 2ª Câmara de Direito Privado manteve a decisão de 1º Grau. A desembargadora Maria de Fátima de Melo Loureiro ressaltou que a criança “foi registrada logo após o nascimento pelo instituidor do espólio recorrente [pai] e se passaram mais de 20 anos, quando somente depois do falecimento do seu pai, é que os seus tios paternos ajuizaram a ação de nulidade do registro civil, sob o argumento da ausência de parentalidade biológica, desconsiderando todo e qualquer laço de afetividade existente entre os pais e a filha”.
Fonte: TJCE