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INSS deve arcar com afastamento de mulher ameaçada de violência doméstica

18/09/2019 - 09:22

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ)
decidiu que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) deverá arcar com a
subsistência da mulher que tiver de se afastar do trabalho para se proteger de
violência doméstica. Para o colegiado – que acompanhou o voto do relator,
ministro Rogerio Schietti Cruz –, tais situações ofendem a integridade física
ou psicológica da vítima e são equiparáveis à enfermidade da segurada, o que
justifica o direito ao auxílio-doença, até mesmo porque a Constituição prevê
que a assistência social será prestada a quem dela precisar, independentemente
de contribuição.


No mesmo
julgamento, a turma definiu que o juiz da vara especializada em violência
doméstica e familiar – e, na falta deste, o juízo criminal – é competente para
julgar o pedido de manutenção do vínculo trabalhista, por até seis meses, em
razão de afastamento do trabalho da vítima, conforme previsto no artigo 9º,
parágrafo 2º, inciso II, da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006).


A
manutenção do vínculo de emprego é uma das medidas protetivas que o juiz pode
tomar em favor da mulher vítima de violência, mas, como destacou o ministro
Rogerio Schietti, a lei não determinou a quem cabe o ônus do afastamento – se
seria responsabilidade do empregador ou do INSS – nem esclareceu se é um caso
de suspensão ou de interrupção do contrato de trabalho.


Natureza jurídica


Schietti
explicou que, nos casos de suspensão do contrato – como faltas injustificadas e
suspensão disciplinar, por exemplo –, o empregado não recebe salários, e o
período de afastamento não é computado como tempo de serviço. Já nos casos de
interrupção – férias, licença-maternidade, os primeiros 15 dias do afastamento
por doença e outras hipóteses –, o empregado não é obrigado a prestar serviços,
porém o período é contado como tempo de serviço e o salário é pago normalmente.


"A natureza jurídica de interrupção do contrato de trabalho é
a mais adequada para os casos de afastamento por até seis meses em razão de
violência doméstica e familiar, ante a interpretação teleológica da Lei Maria
da Penha, que veio concretizar o dever assumido pelo Estado brasileiro de
proteção à mulher contra toda forma de violência (artigo 226, parágrafo 8º, da
Constituição Federal)"
, declarou o relator.


Lacuna normativa


Quanto ao
ônus da medida protetiva, o magistrado ressaltou que o legislador não incluiu o
período de afastamento previsto na Lei Maria da Penha entre as hipóteses de
benefícios previdenciários listadas no artigo 18 da Lei 8.213/1991, o que
deixou no desamparo as vítimas de violência.


"A vítima de violência doméstica não pode arcar com danos
resultantes da imposição de medida protetiva em seu favor. Ante a omissão
legislativa, devemos nos socorrer da aplicação analógica, que é um processo de
integração do direito em face da existência de lacuna normativa"
 – afirmou, justificando a adoção do auxílio-doença.
Conforme o entendimento da turma, os primeiros 15 dias de afastamento devem ser
pagos diretamente pelo empregador, e os demais, pelo INSS.


Documentação


O
colegiado definiu também que, para comprovar a impossibilidade de comparecer ao
local de trabalho, em vez do atestado de saúde, a vítima deverá apresentar o
documento de homologação ou a determinação judicial de afastamento em
decorrência de violência doméstica. Os ministros estabeleceram ainda que a
empregada terá direito ao período aquisitivo de férias, desde o afastamento –
que, segundo a própria lei, não será superior a seis meses.


"Em verdade, ainda precisa o Judiciário evoluir na otimização
dos princípios e das regras desse novo subsistema jurídico introduzido em nosso
ordenamento com a Lei 11.340/2006, vencendo a timidez hermenêutica"
, disse Schietti.


Competência


O recurso
julgado na Sexta Turma foi interposto por uma mulher contra decisão do Tribunal
de Justiça de São Paulo (TJSTJ) que não acolheu seu pedido de afastamento do
emprego em razão de violência doméstica. O pedido já havia sido negado na
primeira instância, que entendeu ser o caso de competência da Justiça do
Trabalho.


A vítima
alegou que sofria ameaças de morte de seu ex-companheiro e que já havia conseguido
o deferimento de algumas medidas protetivas, mas ainda se sentia insegura. Como
não havia casa de abrigo em sua cidade, mudou-se e deixou de comparecer ao
emprego.


Ao STJ,
ela pediu o reconhecimento da competência da Justiça comum para julgar o caso,
além da manutenção do vínculo empregatício durante o período em que ficou
afastada, com a consequente retificação das faltas anotadas em seu cartão de
ponto.


Situação emergencial


Em seu
voto, o ministro Schietti ressaltou que o motivo do afastamento em tais
situações não decorre de relação de trabalho, mas de situação emergencial
prevista na Lei Maria da Penha com o objetivo de garantir a integridade física,
psicológica e patrimonial da mulher; por isso, o julgamento cabe à Justiça
comum, não à trabalhista.


"No que concerne à competência para apreciação do pedido de
imposição da medida de afastamento do local de trabalho, não há dúvidas de que
cabe ao juiz que anteriormente reconheceu a necessidade de imposição de medidas
protetivas apreciar o pleito"
,
concluiu.


Com o
provimento do recurso, o juízo da vara criminal que fixou as medidas protetivas
a favor da vítima deverá apreciar seu pedido retroativo de afastamento. Caso
reconheça que a mulher tem direito ao afastamento previsto na Lei Maria da
Penha, deverá determinar a retificação do ponto e expedir ofício à empresa e ao
INSS para que providenciem o pagamento dos dias.


O número
deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.



Fonte: STJ