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Inovações jurídicas no combate a corrupção

18/03/2019 - 15:23

INTRODUÇÃO:


Quando falamos em corrupção, estamos tratando de condutas, ativas ou passivas que se referem ao mau uso
da função pública com o objetivo de obter uma vantagem.
A corrupção na esfera penal é tipificada como crime e sancionada com pena privativa de liberdade.


A corrupção passiva é aquela praticada por funcionários contra a Administração Pública, também denominada
como peita ou suborno. De acordo com o Código Penal Brasileiro em seu artigo 317, a corrupção passiva é conceituada como o ato de:


Art. 317.
Solicitar ou
receber,
para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem (Art. 317, caput, Código Penal Brasileiro de 1941).


Trata-se de crime motivado pela função pública exercida pelo agente, que tem por bem jurídico tutelado
a Administração Pública. Neste, o sujeito passivo é a Estado-administração e o sujeito ativo é funcionário público, mesmo que não esteja no exercício da função pública, mas que se utiliza da sua influência para obter vantagem indevida para si ou para outrem
(Bitencourt, 2015, p. 1386-1387).


A corrupção ativa está contida no Código Penal Brasileiro no capítulo dos crimes praticados por particular
contra a Administração Pública em geral, artigo 333, que dispõe que a corrupção ativa é o ato de:


Art.
333. Oferecer
ou
prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar
ato de ofício (Art. 333, caput, Código Penal de 1941).


Segundo Bitencourt (2015, p. 1462), nesta espécie de corrupção o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa,
independente se exerça ou não função pública, desde que não aja em razão de suas funções.


Cezar Roberto Bitencourt, ao tratar da corrupção ativa ressalta que:


O crime
(corrupção ativa)
não se caracteriza sem a oferta de vantagem explícita. Para que se configure a corrupção ativa é indispensável que a oferta ou promessa sejam feitas espontaneamente pelo agente, e, ao contrário da corrupção passiva, antes da prática do ato pelo funcionário
público. (BITENCOURT, 2012, p. 1463).


O Direito Penal é um dos instrumentos jurídicos utilizados no combate à corrupção, no entanto, não deve
ser a principal ferramenta. À visto disso, o princípio da subsidiariedade estabelece somente quando esgotada todas as formas de solução do problema nos outros regimes de proteção do bem jurídico – no caso, a Administração Pública – é que terá a aplicação das
sanções penais (BATISTI, 2017, p. 70).


Nesse sentido, os legisladores federais e estaduais vêm trabalhando e desenvolvendo legislações específicas
que visam regulamentar as condutas ilícitas vinculadas a atos de corrupção no setor privado e no setor público.


Assim, faz-se importante ressaltar neste artigo as inovações trazidas pelas leis federais - Lei n° 12.846/2013,
conhecida como Lei Anticorrupção ou Lei da Empresa Limpa, e a Lei n° 13.303/2016, que dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.


No âmbito estatual, trataremos da Lei nº 18.672/2014 do Estado de Goiás.


A LEI ANTICORRUPÇÃO:


Seguindo tendência mundial e influenciado pelos compromissos internacionais de combate à corrupção assumidos
com a assinatura das Convenções da ONU, OEA e OCDE, o Brasil publicou a Lei 12.846/2013 e o Decreto 8.420/2015, ambos revestidos de princípios éticos e reconhecendo o dever da pessoa jurídica de evitar e combater a corrupção internamente (BATISTI, 2017, p.
71 e 72).


Sobre a Lei n. 12.846/2013, disserta Gabardo e Castella:


Em nível nacional, a recente Lei 12.846/2013 impôs uma série de normas e institutos jurídicos, entre
eles a responsabilização objetiva das pessoas jurídicas. Desta forma, o Poder Público brasileiro está ainda mais habilitado juridicamente para lidar com desvios de conduta das mais diversas ordens. Foram conferidos ao Estado mecanismos administrativos eficazes
e céleres para responsabilizar, educar e obter o ressarcimento do erário em face de atos de corrupção e fraudes praticadas por pessoas jurídicas e seus agentes, especialmente nas licitações públicas e na execução dos contratos. A tais mecanismos administrativos
ainda se agregam os judiciais (GABARDO e CASTELLA, 2015, p. 131).


A Lei referida estabelece inovações no que tange instrumentos preventivos e repressivos de proteção ao
patrimônio, ao interesse público e à moralidade administrativa. Suas formas repressivas são de responsabilização objetiva das pessoas jurídicas e as sanções patrimoniais e restritivas de direito. As medidas preventivas se encontram nos programas de integridade
empresarial (compliance)
e nos acordos de leniência (BATISTI, 2017, p. 73).


Além do papel de prevenção de condutas ilícitas, o Programa de Integridade, entendido como mecanismos
e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica, de acordo com o Art. 7° da referida Lei, será analisado e considerado como diferencial
no momento da aplicação das sanções, podendo ser utilizado como benefício de atenuação de pena.


LEI DAS ESTATAIS:


Conhecida como Lei das Estatais, a Lei n. 13.303 foi sancionada em junho de 2016 e institui sobre o estatuto
jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias.

O contexto histórico da edição da Lei foi eivado de escândalos de corrupção envolvendo empresas estatais,
como por exemplo, a Petrobras, revelado na “Operação Lava Jato”. Diante disso, a lei se destina a todas as empresas estatais, seja qual for seu regime ou atividade exercida (ISSA e TAFUR, 2019, p. 602).


Nas palavras de Issa e Tafur (p. 602), as regras estabelecidas pela Lei:


[...] em linhas gerais, têm por finalidade estabelecer novos padrões de governança corporativa nas estatais,
além da submissão destas entidades ao regime de licitações e contratos previsto no referido estatuto.


A Lei preocupou-se em normatizar mecanismos de boa gestão com escopo de estabelecer estruturas de direção
e proporcionar as condições necessárias para sua execução; além de cimentar normas de transparência e controle, como Gestão de risco, Código de Conduta e
Compliance;
além de regras específicas no controle e transparência de contratos e processos licitatórios (BATISTI, 2017, p. 92).


Governança Corporativa na Lei das Estatais


As empresas estatais como entidades descentralizadas que compõe e se submetem à Administração Pública
Central, tem por escopo a realização de políticas públicas e o interesse coletivo. Sua criação se justifica pela sua característica de eficiência empresarial privada. No entanto, nessa relação podem existir conflitos entre empresas públicas e a Administração
Central.


Podemos observar que a governança corporativa apresenta mecanismos eficazes na prevenção de desvio da
finalidade social e de eventuais prejuízos à empresa, a fim de garantir uma boa gestão empresarial, vinculando a atividade empresarial ao interesse público “para que as empresas estatais desenvolvam as ações necessárias para o cumprimento dos deveres que lhes
são impostos pelas finalidades que ensejaram a sua criação” (ISSA e TAFUR, 2019, p. 606 - 610).


A Lei 13.303/2016 tem por escopo edificar novos procedimentos de governança corporativa. 


Porquanto, a
Lei dispõe regras que devem ser seguidas por empresas estatais e de economia mista: transparência das informações empresariais; controle de condutas; e estruturas de controle (ISSA e TAFUR, 2019, p. 612).


Consoante à transparência das informações empresariais, a Lei das Estatais preza pela identificação da
empresa e divulgação de informações pela internet de forma permanente e cumulativa, conforme requisitos fundamentados no princípio da transparência, elencados em seu art. 8º.


Nesse sentido, ensina Batisti (2017, p. 99):


As normas de transparência e controle têm como ponto de partida o cadastro para identificação das companhias,
seguindo-se à elaboração de um Código de Conduta dos agentes e implementação dos sistemas de gestão de risco e controle interno. A carta anual e a previsão de divulgação tempestiva e atualizada de informações de demonstrações financeiras e a própria publicação
da remuneração dos administradores são outros instrumentos de transparência, sendo que estes últimos já são adotados com base em outros instrumentos legais, notadamente a Lei 6.404/1976 (Lei das Sociedades Anônimas).


Em seu artigo 9º, §1°, a Lei 13.303/2016 estabelece que o Código de Conduta e Integridade deva dispor
sobre princípios, valores e missão das estatais, assim como deve conter orientações para impedir o conflito de interesses, a corrupção e a fraude. O código de conduta também deverá indicar o órgão responsável pela sua aplicação, além de criar um canal de denúncias
e a respectiva proteção para o denunciante, a fim de impedir retaliação.


Para garantir a eficácia do código de conduta, a lei designa que deve haver sanções aos que violarem
seus dispositivos. Trata-se de instrumento que deve ser constantemente avaliado e atualizado, devendo haver treinamento habitual de pelo menos uma vez ao ano para empregadores e administradores sobre a política de gestão de riscos, para os administradores
(BATISTI, 2017, p. 100).


Trata-se de Procedimento semelhante ao Programa de Integridade previsto na Lei 12.846/2013 (Lei Anticorrupção),
já mencionado neste trabalho. Sobre isso, disserta Issa e Tafur (2019, p. 613):


Assim, teria caminhado melhor a Lei nº 13.303/2016 caso tivesse adotado a mesma denominação da Lei Anticorrupção
para tratar da espécie de controle prevista no § 1º do art. 9º. Isto porque, como se disse, a matéria tratada neste dispositivo versa sobre a formulação de programas de integridade, que contempla não apenas o código de conduta (ou de ética) propriamente dito,
mas também todos os mecanismos necessários para fiscalizar e incentivar a sua aplicação.


A estrutura de controle é o terceiro elemento exigido, e tem por atribuição a fiscalização da governança
corporativa. Trata-se de um conjunto de três órgãos internos da empresa estatal: o comitê de Auditoria Estatutário, a área de
Compliance
(também chamado de Integridade e gestão de risco) e o Comitê Estatutário (ISSA e TAFUR, 2019, p. 614).


O primeiro órgão, Comitê de Auditoria Estatutário, possui atribuição de supervisionar o controle interno,
a auditoria interna e a área contábil da empresa estatal. Trata-se de um órgão auxiliar que analisa e monitora a exposição de risco à empresa, além de vistoriar a eficácia e integridade dos mecanismos. O segundo órgão diz respeito à área de
Compliance
que está vinculada ao Conselho da Administração e possui função de efetuar estratégias de prevenção e combate a atos de corrupção, além de ser responsável por receber, apurar e investigar denúncias. Por fim, o Comitê Estatutário é uma derivação do segundo
órgão (Compliance)
responsável por “verificar a conformidade do processo de indicação e de avaliação de membros para o Conselho de Administração e para o Conselho Fiscal” (BATISTI, 2017, p. 96 - 101).


LEI DO ESTADO DE GOIÁS:


Após 5 anos de vigência da Lei 12.846/2013, apenas 55% dos estados brasileiros possuem legislação estadual
anticorrupção. Tocantins se destacou ao ser o primeiro estado a promulgar decreto com esse escopo, seguido de São Paulo (Decreto nº 60.106/2014), Paraná (Decreto nº 10.271/2014), e Goiás que promulgou a Lei Estadual nº 18.672/2014.


O Estado de Goiás já havia estabelecido em 2011 o Conselho de Transparência Pública e combate à corrupção
(CTPCC) por meio do Decreto nº 7.499/2011. Trata-se de órgão com propósito de promover a transparência da gestão pública estadual referente à receita e gastos públicos.

Segundo a redação do art. 2° do referido diploma:


Art. 2o São
atribuições do Conselho de Transparência Pública e Combate à Corrupção -CTPCC-:

I – contribuir para a formulação das diretrizes da política de transparência
da gestão de recursos públicos, a ser implementada pela Controladoria-Geral do Estado de Goiás e pelos demais órgãos e entidades da administração pública estadual;

II – sugerir projetos e ações prioritárias da política de transparência
da gestão de recursos públicos e de combate à corrupção;

III – sugerir procedimentos que promovam o aperfeiçoamento e a integração
das ações de incremento da transparência, no âmbito da administração pública estadual;

IV – realizar estudos e estabelecer estratégias que fundamentem propostas
legislativas e administrativas tendentes a maximizar a transparência da gestão pública;

V – elaborar normas sobre a forma e o conteúdo dos relatórios disponibilizados
no sítio da transparência, bem como sobre o próprio sítio;

VI – fiscalizar e assegurar o cumprimento, por parte dos órgãos do Estado
e das entidades estatais, dos requisitos de transparência fiscal exigidos pela Lei Complementar no 101/2000.


Destarte, o Estado de Goiás adotou uma política de caráter repressivo e preventivo positivada na Lei
nº 18.672/2014, com intuito de resguardar a moralidade administração pública, e reforçar a responsabilidade objetiva na esfera administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos lesivos contra a administração pública estadual.


De acordo com a lei, são considerados atos lesivos à administração pública do Estado de Goiás toda conduta
que atente contra o erário estadual ou que seja contrária aos princípios da administração pública.


Administrativamente, o dispositivo legal prevê multa que pode chegar à 20% do faturamento bruto da empresa
responsável pelo ato lesivo ou chegar à R$ 60.000.000,00 (sessenta milhões de reais).  O critério para aplicação da multa levará em consideração a gravidade da infração; a vantagem auferida ou pretendida pelo infrator; será levando em consideração se houve
consumação da infração; a situação econômica do infrator; as consequências do delito, dentre outros.


Na esfera cível as sanções aplicadas ao infrator alcançarão seus bens diretos ou valores dos quais foram
obtidos devido à sua conduta delitiva. Nessa hipótese fica resguardado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé. Além dessa punição, o infrator sofrerá a suspensão ou interdição parcial de suas atividades ou a dissolução compulsória da empresa. Todavia,
nada impede que as sanções sejam aplicadas cumulativamente.


Conforme pesquisa realizada por membros da LEC Community, até a data de 29 de janeiro de 2018, não houve
em Goiás nenhuma instauração de Processos Administrativos de Responsabilização de apuração e condenação de pessoas jurídicas por atos lesivos à Administração Pública.


CONCLUSÃO:


As legislações brasileiras de
Compliance
com foco em anticorrupção são muito recentes. Iniciaram-se em 2013, porém têm se espalhado rapidamente por vários Estados do país e estão muito alinhadas com as boas práticas internacionais. No relatório do Comitê de
Compliance
e Integridade do B20 de 2018, uma das recomendações era a implementação de altos padrões de ética e integridade nas empresas estatais.


O Programa de
Compliance
é uma ferramenta de gestão que auxilia os gestores a entenderem melhor o cenário em que se encontram e fornece informações para que as decisões sejam tomadas.


Assim, o Programa de
Compliance
não irá resolver todos os problemas de corrupção do setor público e do setor privados no Brasil, pois decisões devem ser tomadas e ações devem ser realizadas após a análise destas informações. E isso irá variar de acordo com os gestores que estão no poder.
Por isso, recomenda-se que uma estrutura de governança seja estruturada e que um Comitê de
Compliance
seja formado para gerenciar estas decisões estratégicas e evitar que interesses pessoais sobressaiam sobre os interesses coletivos. O Programa de
Compliance
é o primeiro passo para que uma mudança cultural e comportamental ocorra e o arcabouço jurídico para fundamentar essa prática já está sendo criada no Brasil.


Escrito por:


Anna Bastos, advogada, especializada em Compliance e Integridade Corporativa pela PUC-MG, associada ao
Instituto de Estudos Avançados em Direito e vice coordenadora do Núcleo de Compliance. Seu e-mail para contato é
juridico@annabastos.com
e;


Maria Helena Corceli, acadêmica de Direito do Centro Universitário de Goiás - Uni – ANHANGUERA, associada
ao Instituto de Estudos Avançados em Direito e membro do Núcleo de Compliance. Seu e-mail para contato é
mariahelenacorceli@gmail.com.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


BATISTI, Beatriz Miranda.
Compliance e corrupção. Curitiba: Juruá, 2017.

GRECO, Vicente Filho.
O combate à corrupção e comentários à Lei de Responsabilidade de
pessoas jurídicas. Saraiva, 2015.

Lei 12.846 de 01.08.2013.
Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm.
Acesso em 31 ago. 2018.

Decreto 8.420 de 18.03.2015.
Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Decreto/D8420.htm.
Acesso em 31 ago. 2018.

Lei  13.303 de 30.06.2016.
Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/cciviL_03/_Ato2015-2018/2016/Lei/L13303.htm
Acesso em 31 ago.2018.

PROTIVIT, pesquisa de maturidade de compliance. Disponível
em: https://www.protiviti.com/sites/default/files/pesquisa_de_maturidade_de_compliance_2017_0.pdf
Acesso em 18 out. 2018.
SILVA, Daniel Cavalcante; COVAC, José Roberto.
Compliance: Como Boa Prática de Gestão no Ensino Superior Privado. Saraiva,2015.

Compliance é instituído no Governo de Goiás com objetivo de melhorar resultados. Disponível
em: http://www.goias.gov.br/noticias/62-executivo/63556-compliance-%C3%A9-institu%C3%ADdo-no-governo-de-goi%C3%A1s-com-objetivo-de-melhorar-resultados.html.
Acesso: 28 fev 2019

Caiado lança programa de Compliance Público em Goiás. Disponível em:
https://www.jornalopcao.com.br/ultimas-noticias/caiado-lanca-programa-de-compliance-publico-em-goias-165417/.
Acesso 28 fev 2019

Lei Anticorrupção entra em vigor nesta quarta à espera de regras. Disponível em:
http://sincorgo.com.br/2014/01/29/lei-anticorrupcao-entra-em-vigor-nesta-quarta-a-espera-de-regras/.
Acesso: 28 Fev 2019



Fonte: http://www.institutoead.org/