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Há necessidade de produção de provas em medidas coercitivas atípicas

03/03/2020 - 10:46


EMENTA


PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. MEDIDAS COERCITIVAS ATÍPICAS. SUSPENSÃO DA CNH, APREENSÃO DO PASSAPORTE E CANCELAMENTO DOS CARTÕES DE CRÉDITO. FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL E NECESSIDADE DE REEXAME DA PROVA.

1. A fundamentação de natureza constitucional do acórdão não pode ser deslindada nesta via e a pretensão que visa convencer de que as medidas constritivas requeridas serão úteis ao fim colimado na execução esbarra no óbice da necessidade de reexame do conjunto-probatório dos autos.

2. Não fosse o bastante, em se tratando especificamente de execução fiscal, esta Corte de Justiça já teve oportunidade se de posicionar no sentido de que "as medidas atípicas aflitivas pessoais não se firmam placidamente no executivo fiscal. A aplicação delas, nesse contexto, resulta em excessos" (HC 453.870/PR, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 15/8/2019).

3. Recurso especial não conhecido.

(REsp 1802611/RO, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/10/2019, DJe 10/10/2019).


RECURSO ESPECIAL Nº 1.802.611 - RO (2019/0067879-5)


RELATOR : MINISTRO OG FERNANDES
RECORRENTE : ESTADO DE RONDÔNIA
PROCURADOR : FÁBIO DE SOUSA SANTOS E OUTRO(S) - RO005221
RECORRIDO : JOSÉ LUIZ LENZI
ADVOGADOS : JOSÉ DE ALMEIDA JÚNIOR E OUTRO(S) - RO001370
CARLOS EDUARDO ROCHA ALMEIDA - RO003593
HUDSON DELGADO CAMURÇA LIMA - RO006792
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL.
MEDIDAS COERCITIVAS ATÍPICAS. SUSPENSÃO DA CNH,
APREENSÃO DO PASSAPORTE E CANCELAMENTO DOS CARTÕES
DE CRÉDITO. FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL E NECESSIDADE
DE REEXAME DA PROVA. 


1. A fundamentação de natureza constitucional do acórdão não pode ser
deslindada nesta via e a pretensão que visa convencer de que as medidas
constritivas requeridas serão úteis ao fim colimado na execução esbarra
no óbice da necessidade de reexame do conjunto-probatório dos autos. 

2. Não fosse o bastante, em se tratando especificamente de execução
fiscal, esta Corte de Justiça já teve oportunidade se de posicionar no
sentido de que "as medidas atípicas aflitivas pessoais não se firmam
placidamente no executivo fiscal. A aplicação delas, nesse contexto,
resulta em excessos" (HC 453.870/PR, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia
Filho, Primeira Turma, DJe 15/8/2019).
3. Recurso especial não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima
indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça,
por unanimidade, não conhecer do recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques, Assusete Magalhães e Herman Benjamin
votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Francisco Falcão. 


Brasília, 08 de outubro de 2019(Data do Julgamento) 

Ministro Og Fernandes
Relator


RECURSO ESPECIAL Nº 1.802.611 - RO (2019/0067879-5)
RECORRENTE : ESTADO DE RONDÔNIA
PROCURADOR : FÁBIO DE SOUSA SANTOS E OUTRO(S) - RO005221
RECORRIDO : JOSÉ LUIZ LENZI
ADVOGADOS : JOSÉ DE ALMEIDA JÚNIOR E OUTRO(S) - RO001370
CARLOS EDUARDO ROCHA ALMEIDA - RO003593
HUDSON DELGADO CAMURÇA LIMA - RO006792 


RELATÓRIO


O SR. MINISTRO OG FERNANDES: Trata-se de recurso especial
interposto pelo Estado de Rondônia, com amparo nas alíneas "a" e "c" do permissivo
constitucional, contra acórdão proferido pelo respectivo Tribunal de Justiça assim
ementado (e-STJ, fl. 435): 


Agravo de instrumento. Execução Fiscal. Medidas Coercitivas atípicas:
Suspensão da CNH, Apreensão do passaporte e cancelamento dos
cartões de crédito até a satisfação ou parcelamento do crédito
exequendo.
Desproporcionalidade das medidas aplicadas pelo juízo. Recurso Provido.
1. O princípio da proporcionalidade deve ser observado na aplicação de
medidas coercitivas impostas ao executado, ainda que o preceito
deontológico determine que todo cidadão arque com as suas dívidas, a
pretensão à atipicidade dos meios executivos não pode ser deferida
porque implicaria em interpretação desarrazoada.
2. A suspensão da CNH, apreensão do passaporte e cancelamento dos
cartões de crédito, ainda que por via oblíqua, restringe à liberdade de ir e
vir do agravante e o indeferimento é a medida que se impõe. 


Os embargos de declaração opostos não foram providos. 


Alega o recorrente, nas razões do especial, violação do art. 139, IV, do
CPC/2015. 


Sustenta a necessidade de aplicação de medidas atípicas quando
frustradas as medidas convencionais para satisfação do crédito tributário. 


Alega que "[...] o caso dos autos é deveras oneroso ao próprio Poder
Judiciário, já que o Estado de Rondônia, mesmo esgotando todas as medidas atípicas
(BACENJUD, RENAJUD, INFOJUD, etc.) ainda não obteve a satisfação do crédito
existente" (e-STJ, fls. 481-482). 


Foram apresentadas contrarrazões às e-STJ, fls. 489-509.


Admitido o recurso especial na origem (e-STJ, fls. 511-512), subiram os
autos a esta Corte de Justiça.


É o relatório.


RECURSO ESPECIAL Nº 1.802.611 - RO (2019/0067879-5) 


VOTO 


O SR. MINISTRO OG FERNANDES (Relator): O presente recurso trata
da aplicabilidade de medidas coercitivas a fim de satisfazer o crédito tributário.


Nesse aspecto, o STJ tem reconhecido que "a adoção de meios
executivos atípicos é cabível desde que, verificando-se a existência de indícios de que
o devedor possua patrimônio expropriável, tais medidas sejam adotadas de modo
subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às
especificidades da hipótese concreta, com observância do contraditório substancial e
do postulado da proporcionalidade" (REsp 1.782.418/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi,
Terceira Turma, DJe 26/4/2019). 


Além disso, ficou também registrado naquela oportunidade que "[...] tanto
a medida de suspensão da Carteira Nacional de Habilitação quanto a de apreensão do
passaporte do devedor recalcitrante não estão, em abstrato e de modo geral, obstadas
de serem adotadas pelo juiz condutor do processo executivo, devendo, contudo,
observar-se o preenchimento dos pressupostos ora assentados". 


No caso dos autos, o recorrente demonstrou dificuldade em receber os
créditos executados, pelo que foi deferida a suspensão da Carteira Nacional de
Habilitação, a apreensão do passaporte e o cancelamento dos cartões de crédito do
executado pelo prazo máximo de cinco anos ou até o pagamento da presente dívida. 


Ocorre que, em agravo de instrumento, o Tribunal reformou a decisão sob
o entendimento de que "[...] as medidas restritivas foram impostas com violação ao
princípio do devido processo legal, por ausência do contraditório, da razoabilidade e
proporcionalidade além de não oferecer qualquer utilidade ou efetividade para a
solvência da execução, motivo pelo qual merecem ser revogadas desde já" (e-STJ, fl.
435). Ou seja, não foram observados o contraditório e a proporcionalidade para a
afetivação das medidas constritivas. 


A fundamentação de natureza constitucional do acórdão não pode ser
deslindada nesta via e a pretensão que visa convencer de que as medidas constritivas
requeridas serão úteis ao fim colimado na execução esbarra no óbice da necessidade de reexame do conjunto-probatório dos autos. 


Ademais, em se tratando especificamente de execução fiscal, esta Corte
de Justiça já se posicionou no sentido de que "as medidas atípicas aflitivas pessoais
não se firmam placidamente no executivo fiscal. A aplicação delas, nesse contexto,
resulta em excessos" (HC 453.870/PR, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira
Turma, DJe 15/8/2019). 


Vale conferir a ementa do referido julgado:


CONSTITUCIONAL. HABEAS CORPUS. DIREITOS E GARANTIAS
FUNDAMENTAIS. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. DIREITO
DE LOCOMOÇÃO, CUJA PROTEÇÃO É DEMANDADA NO PRESENTE
HABEAS CORPUS, COM PEDIDO DE MEDIDA LIMINAR. ACÓRDÃO
DO TC/PR CONDENATÓRIO AO ORA PACIENTE À PENALIDADE DE
REPARAÇÃO DE DANO AO ERÁRIO, SUBMETIDO À EXECUÇÃO
FISCAL PROMOVIDA PELA FAZENDA DO MUNICÍPIO DE FOZ DO
IGUAÇU/PR, NO VALOR DE R$ 24 MIL. MEDIDAS CONSTRICTIVAS
DETERMINADAS PELA CORTE ARAUCARIANA PARA GARANTIR O
DÉBITO, EM ORDEM A INSCREVER O NOME DO DEVEDOR EM
CADASTRO DE MAUS PAGADORES, APREENDER PASSAPORTE E
SUSPENDER CARTEIRA DE HABILITAÇÃO. CONTEXTO ECONÔMICO
QUE PRESTIGIA USOS E COSTUMES DE MERCADO NAS
EXECUÇÕES COMUNS, NORTEANDO A SATISFAÇÃO DE CRÉDITOS
COM ALTO RISCO DE INADIMPLEMENTO. RECONHECIMENTO DE
QUE NÃO SE APLICA ÀS EXECUÇÕES FISCAIS A LÓGICA DE
MERCADO, SOBRETUDO PORQUE O PODER PÚBLICO JÁ É
DOTADO, PELA LEI 6. 830/1980, DE ALTÍSSIMOS PRIVILÉGIOS
PROCESSUAIS, QUE NÃO JUSTIFICAM O EMPREGO DE ADICIONAIS
MEDIDAS AFLITIVAS FRENTE À PESSOA DO EXECUTADO. ADEMAIS,
CONSTATA-SE A DESPROPORÇÃO DO ATO APONTADO COMO
COATOR, POIS O EXECUTIVO FISCAL JÁ CONTA COM A PENHORA
DE 30% DOS VENCIMENTOS DO RÉU. PARECER DO MPF PELA
CONCESSÃO DA ORDEM. HABEAS CORPUS CONCEDIDO, DE
MODO A DETERMINAR, COMO FORMA DE PRESERVAR O DIREITO
FUNDAMENTAL DE IR E VIR DO PACIENTE, A EXCLUSÃO DAS
MEDIDAS ATÍPICAS CONSTANTES DO ARESTO DO TJ/PR,
APONTADO COMO COATOR, QUAIS SEJAM, (I) A SUSPENSÃO DA
CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO, (II) A APREENSÃO DO
PASSAPORTE, CONFIRMANDO-SE A LIMINAR DEFERIDA.
1. O presente Habeas Corpus tem, como moto primitivo, Execução Fiscal
adveniente de acórdão do Tribunal de Contas do Estado do Paraná que
responsabilizou o Município de Foz do Iguaçu/PR a arcar com débitos
trabalhistas decorrentes de terceirização ilícita de mão de obra. Como
forma de regresso, o Município emitiu Certidão de Dívida Ativa, com a
consequente inicialização de Execução Fiscal. À época da distribuição da
Execução (dezembro/2013), o valor do débito era de R$ 24.645,53 2. Para além das diligências deferidas tendentes à garantia do juízo, tais
como as consultas Bacenjud, Renajud, pesquisa on-line de bens imóveis,
disponibilização de Declaração de Imposto de Renda, o Magistrado
determinou a penhora de 30% do salário auferido pelo Paciente na
Companhia de Saneamento do Paraná-SANEPAR, com retenção
imediata em folha de pagamento.
3. O Magistrado de Primeiro Grau indeferiu, porém, o pedido de expedição
de ofício aos órgãos de proteção ao crédito e suspensão de passaporte e
de Carteira Nacional de Habilitação. Mas a Corte Araucariana deu
provimento a recurso de Agravo de Instrumento interposto pela Fazenda
de Foz do Iguaçu/PR, para deferir as medidas atípicas requeridas pela
Municipalidade exequente, consistentes em suspensão de Carteira
Nacional de Habilitação e apreensão de passaporte.
4. A discussão lançada na espécie cinge-se à aplicação, no Executivo
Fiscal, de medidas atípicas que obriguem o réu a efetuar o pagamento de
dívida, tendo-se, como referência analítica, direitos e garantias
fundamentais do cidadão, especialmente o de direito de ir e vir.
5. Inicialmente, não se duvida que incumbe ao juiz determinar todas as
medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias
necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive
nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária. É a dicção do art.
139, IV do Código Fux.
6. No afã de cumprir essa diretriz, são pródigas as notícias que dão conta
da determinação praticada por Magistrados do País que optaram, no
curso de processos de execução, por limitar o uso de passaporte,
suspender a Carteira de Habilitação para dirigir e inscrever o nome do
devedor no cadastro de inadimplentes. Tudo isso é feito para estimular o
executado a efetuar o pagamento, por intermédio do constrangimento de
certos direitos do devedor.
7. Não há dúvida de que, em muitos casos, as providências são assim
tomadas não apenas para garantir a satisfação do direito creditício do
exequente, mas também para salvaguardar o prestígio do Poder Judiciário
enquanto autoridade estatal; afinal, decisão não cumprida é um ato
atentatório à dignidade da Justiça.
8. De fato, essas medidas constrictivas atípicas se situam na eminente e
importante esfera do mercado de crédito. O crédito disponibilizado ao
consumidor, à exceção dos empréstimos consignados, é de parca
proteção e elevado risco ao agente financeiro que concede o crédito, por
não contar com garantia imediata, como sói acontecer com a alienação
fiduciária.
Diferentemente ocorre nos setores de financiamento imobiliário, de
veículos e de patrulha agrícola mecanizada, por exemplo, cujo próprio
bem adquirido é serviente a garantir o retorno do crédito concedido a altos
juros.
9. Julgadores que promovem a determinação para que, na hipótese de
execuções cíveis, se proceda à restrição de direitos do cidadão, como se
tem visto na limitação do uso de passaporte e da licença para dirigir,
querem sinalizar ao mercado e às agências internacionais de avaliação
de risco que, no Brasil, prestigiam-se os usos e costumes de mercado com suas normas regulatórias próprias, como força centrífuga à
autoridade estatal, consoante estudou o Professor JOSÉ EDUARDO
FARIA na obra O Direito na Economia Globalizada. São Paulo: Malheiros,
2004, p. 64/85.
10. Noutras palavras, em virtude da falta de garantias de adimplemento,
por ocasião da obtenção do crédito, são contrapostas as formas aflitivas
pessoais de satisfação do débito em âmbito endoprocessual. Essa
modalidade de condução da lide, que ressalta a efetividade, é válida
mundivisão acerca do que é o processo judicial e o seu objetivo, embora
ela [a visão de mundo] não seja única, não se podendo dizer
paradigmática.
11. Porém, essa almejada efetividade da pretensão executiva não está
alheia ao controle de legalidade, especialmente por esta Corte Superior,
consoante se verifica dos seguintes arestos: o habeas corpus é
instrumento de previsão constitucional vocacionado à tutela da liberdade
de locomoção, de utilização excepcional, orientado para o enfrentamento
das hipóteses em que se vislumbra manifesta ilegalidade ou abuso nas
decisões judiciais. O acautelamento de passaporte é medida que limita a
liberdade de locomoção, que pode, no caso concreto, significar
constrangimento ilegal e arbitrário, sendo o habeas corpus via processual
adequada para essa análise (RHC 97.876/SP, Rel. Min. LUIS FELIPE
SALOMÃO, DJe 9.8.2018; AgInt no AREsp. 1.233.016/SP, Rel. Min.
MARCO AURÉLIO BELLIZZE, DJe 17.4. 2018).
12. Tratando-se de Execução Fiscal, o raciocínio toma outros rumos
quando medidas aflitivas pessoais atípicas são colocadas em vigência
nesse procedimento de satisfação de créditos fiscais.
Inegavelmente, o Executivo Fiscal é destinado a saldar créditos que são
titularizados pela coletividade, mas que contam com a representação da
autoridade do Estado, a quem incumbe a promoção das ações
conducentes à obtenção do crédito.
13. Para tanto, o Poder Público se reveste da Execução Fiscal, de modo
que já se tornou lugar comum afirmar que o Estado é superprivilegiado
em sua condição de credor. Dispõe de varas comumente especializadas
para condução de seus feitos, um corpo de Procuradores altamente
devotado a essas causas, e possui lei própria regedora do procedimento
(Lei 6.830/1980), com privilégios processuais irredarguíveis. Para se ter
uma ideia do que o Poder Público já possui privilégios ex ante, a execução
só é embargável mediante a plena garantia do juízo (art. 16, § 1o. da
LEF), o que não encontra correspondente na execução que se pode dizer
comum.
Como se percebe, o crédito fiscal é altamente blindado dos riscos de
inadimplemento, por sua própria conformação jusprocedimental.
14. Não se esqueça, ademais, que, muito embora cuide o presente caso
de direito regressivo exercido pela Municipalidade em Execução Fiscal
(caráter não tributário da dívida), sempre é útil registrar que o crédito
tributário é privilegiado (art. 184 do Código Tributário Nacional), podendo,
se o caso, atingir até mesmo bens gravados como impenhoráveis, por
serem considerados bem de família (art. 3o., IV da Lei 8.009/1990). Além
disso, o crédito tributário tem altíssima preferência para satisfação em procedimento falimentar (art. 83, III da Lei de Falências e Recuperações
Judiciais - 11.
101/2005). Bens do devedor podem ser declarados indisponíveis para
assegurar o adimplemento da dívida (art. 185-A do Código Tributário
Nacional). São providências que não encontram paralelo nas execuções
comuns.
15. Nesse raciocínio, é de imediata conclusão que medidas atípicas
aflitivas pessoais, tais como a suspensão de passaporte e da licença
para dirigir, não se firmam placidamente no Executivo Fiscal. A aplicação
delas, nesse contexto, resulta em excessos.
16. Excessos por parte da investida fiscal já foram objeto de severo
controle pelo Poder Judiciário, tendo a Corte Suprema registrado em
Súmula que é inadmissível a apreensão de mercadorias como meio
coercitivo para pagamento de tributos (Súmula 323/STF).
17. Na espécie, consoante relata o ato apontado como coator, trata-se de
Execução Fiscal manejada pela Fazenda do Município de Foz do
Iguaçu/PR em desfavor do ora Paciente, então Prefeito da urbe
paranaense, a partir da qual visa à satisfação de crédito como direito de
regresso, uma vez que a Municipalidade fora condenada à restituição de
dano ao Erário como sanção aplicada pelo Tribunal de Contas do Estado
do Paraná (débitos trabalhistas com origem em contratação ilegal de
funcionários terceirizados, contratações essas ordenadas pelo então
Alcaide, ora Paciente). O caderno aponta que o valor histórico do crédito
vindicado é de R$ 24.645,53 (fls. 114).
18. O TJ/PR deu provimento a recurso de Agravo de Instrumento
interposto pelo Município de Foz do Iguaçu/PR contra a decisão de
Primeiro Grau que indeferiu o pedido de medidas aflitivas de inscrição do
nome do executado em cadastro de inadimplentes, de suspensão do
direito de dirigir e de apreensão do passaporte. O acórdão do TJ/PR, ora
apontado como ato coator, deferiu as indicadas medidas no curso da
Execução Fiscal.
19. Ao que se dessume do enredo fático-processual, a medida é
excessiva. Para além do contexto econômico de que se lançou mão
anteriormente, o que, por si só, já justificaria o afastamento das medidas
adotadas pelo Tribunal Araucariano, registre-se que o caderno processual
aponta que há penhora de 30% dos vencimentos que o réu aufere na
Companhia de Saneamento do Paraná-SANEPAR. Além disso,
rendimentos de sócio-majoritário que o executado possui na Rádio
Cultura de Foz do Iguaçu Ltda.-EPP também foram levados a bloqueio
(fls. 163/164).
20. Submeteu-se o réu à notória restrição constitucional do direito de ir e
vir num contexto de Execução Fiscal já razoavelmente assegurada, pelo
que se dessume da espécie.
21. Assinale-se como de altíssima nomeada para o caso o art. 22 da
Convenção Americana sobre Direitos Humanos, ao estabelecer, nos seus
itens 1 e 2, que toda pessoa que se ache legalmente no território de um
Estado tem direito de circular nele e de nele residir conformidade com as
disposições legais, bem como toda pessoa tem o direito de sair
livremente de qualquer país, inclusive do próprio. 22. Frequentemente, tem-se visto a rejeição à ordem de Habeas Corpus
sob o argumento de que a limitação de CNH não obstaria o direito de
locomoção, por existir outros meios de transporte de que o indivíduo pode
se valer. É em virtude dessa linha de pensamento que a referência ao
Pacto de São José da Costa Rica se mostra crucial, na medida em que a
existência de diversos meios de deslocamento não retira o fato de que
deve ser amplamente garantido ao cidadão exercer o direito de circulação
pela forma que melhor lhe aprouver, pois assim se efetiva o núcleo
essencial das liberdades individuais, tal como é o direito e ir e vir.
23. Cumpre registrar que a opinião do douto parecer do Ministério Público
Federal é por conceder-se o remédio constitucional, sob a premissa de
que, apresentada a questão com tais contornos, estritamente atrelada ao
arcabouço probatório encartado nos autos, não há outra possibilidade
senão reconhecer que, não sendo a medida restritiva adequada e
necessária, ainda que sob o escudo da busca pela efetivação da legítima
Execução Fiscal promovida originariamente, a sua efetivação tornou-se
contrária à ordem jurídica, porquanto adentrou demasiadamente na esfera
pessoal, e não patrimonial, do executado/impetrante, configurando,
certamente, ato punitivo, não constritivo, atentando, portanto, contra a sua
liberdade de ir e vir (fls. 262/264). O Paciente está a merecer, em
confirmação da medida liminar, a tutela da liberdade de ir a vir pelo
remédio de Habeas Corpus. 24. Parecer do MPF pela concessão da medida. Habeas Corpus
concedido em favor do Paciente, confirmando-se a medida liminar
anteriormente concedida, apta a determinar sejam excluídas as medidas
atípicas constantes do aresto do TJ/PR apontado como coator
(suspensão da Carteira Nacional de Habilitação, apreensão do
passaporte).
(HC 453.870/PR, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA
TURMA, julgado em 25/6/2019, DJe 15/8/2019).


Ante o exposto, não conheço do recurso especial. 


É como voto