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Exposição de consumidor a risco concreto leva ao pagamento de indenização 

22/08/2019 - 14:43



EMENTA


RECURSO ESPECIAL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. AQUISIÇÃO DE PACOTE DE BALAS. LARVAS EM SEU INTERIOR. EXPOSIÇÃO DO CONSUMIDOR A RISCO CONCRETO DE LESÃO À SUA SAÚDE E SEGURANÇA. FATO DO PRODUTO. EXISTÊNCIA DE DANO MORAL. VIOLAÇÃO DO DEVER DE NÃO ACARRETAR RISCOS AO CONSUMIDOR. 1. Ação ajuizada em 06/03/2015. Recurso especial interposto em 23/06/2017 e concluso ao Gabinete em 03/05/2018. 2. O propósito recursal consiste em determinar se, para ocorrer danos morais em função do encontro de corpo estranho em alimento industrializado. 3. A aquisição de produto de gênero alimentício contendo em seu interior corpo estranho, expondo o consumidor à risco concreto de lesão à sua saúde e segurança, ainda que não ocorra a ingestão de seu conteúdo, dá direito à compensação por dano moral, dada a ofensa ao direito fundamental à alimentação adequada, corolário do princípio da dignidade da pessoa humana. 4. Hipótese em que se caracteriza defeito do produto (art. 12, CDC), o qual expõe o consumidor à risco concreto de dano à sua saúde e segurança, em clara infringência ao dever legal dirigido ao fornecedor, previsto no art. 8º do CDC. 5. Na hipótese dos autos, ao encontrar larvas no interior de bombons no momento de sua retirada da embalagem, é evidente a exposição negativa à saúde e à integridade física ao consumidor. 6. Recurso especial provido. (STJ - REsp: 1744321 RJ 2018/0097074-6, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 05/02/2019, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 08/02/2019).


RECURSO ESPECIAL Nº 1.744.321 - RJ (2018/0097074-6)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : SIRLEI MAKOSKI CAVALCANTI
ADVOGADOS : NEIDE NASCIMENTO DE JESUS - RJ073376
ROBERTO FLÁVIO CAVALCANTI - RJ163183
EMILY ALMEIDA MARQUES NOVAES - RJ186068
EVELYN ALMEIDA MARQUES NOVAES - RJ186066
RECORRIDO : ARCOR DO BRASIL LTDA
ADVOGADO : PEDRO PAULO FAVERY DE ANDRADE RIBEIRO - SP117626
RECORRIDO : LOJAS AMERICANAS S/A
ADVOGADOS : PEDRO HENRIQUE AUGUSTO CORRÊA DA SILVA - RJ159808
FELIPE GAZOLA VIEIRA MARQUES - RJ183218
CRISTIANE DANTAS DORMÉA DE QUEIROZ - RJ171747
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE COMPENSAÇÃO
POR DANO MORAL. AQUISIÇÃO DE PACOTE DE BALAS. LARVAS EM SEU
INTERIOR. EXPOSIÇÃO DO CONSUMIDOR A RISCO CONCRETO DE LESÃO À
SUA SAÚDE E SEGURANÇA. FATO DO PRODUTO. EXISTÊNCIA DE DANO
MORAL. VIOLAÇÃO DO DEVER DE NÃO ACARRETAR RISCOS AO
CONSUMIDOR.
1. Ação ajuizada em 06/03/2015. Recurso especial interposto em
23/06/2017 e concluso ao Gabinete em 03/05/2018.
2. O propósito recursal consiste em determinar se, para ocorrer danos
morais em função do encontro de corpo estranho em alimento
industrializado.
3. A aquisição de produto de gênero alimentício contendo em seu interior
corpo estranho, expondo o consumidor à risco concreto de lesão à sua saúde
e segurança, ainda que não ocorra a ingestão de seu conteúdo, dá direito à
compensação por dano moral, dada a ofensa ao direito fundamental à
alimentação adequada, corolário do princípio da dignidade da pessoa
humana.
4. Hipótese em que se caracteriza defeito do produto (art. 12, CDC), o qual
expõe o consumidor à risco concreto de dano à sua saúde e segurança, em
clara infringência ao dever legal dirigido ao fornecedor, previsto no art. 8º
do CDC.
5. Na hipótese dos autos, ao encontrar larvas no interior de bombons no
momento de sua retirada da embalagem, é evidente a exposição negativa à
saúde e à integridade física ao consumidor.
6. Recurso especial provido.


ACÓRDÃO


Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial
nos termos do voto do(a) Sr(a) Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Paulo de Tarso
Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram
com a Sra. Ministra Relatora. 


Brasília (DF), 05 de fevereiro de 2019(Data do Julgamento) 

MINISTRA NANCY ANDRIGHI 

Relatora


RECURSO ESPECIAL Nº 1.744.321 - RJ (2018/0097074-6)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : SIRLEI MAKOSKI CAVALCANTI
ADVOGADOS : NEIDE NASCIMENTO DE JESUS - RJ073376
ROBERTO FLÁVIO CAVALCANTI - RJ163183
EMILY ALMEIDA MARQUES NOVAES - RJ186068
EVELYN ALMEIDA MARQUES NOVAES - RJ186066
RECORRIDO : ARCOR DO BRASIL LTDA
ADVOGADO : PEDRO PAULO FAVERY DE ANDRADE RIBEIRO - SP117626
RECORRIDO : LOJAS AMERICANAS S/A
ADVOGADOS : PEDRO HENRIQUE AUGUSTO CORRÊA DA SILVA - RJ159808
FELIPE GAZOLA VIEIRA MARQUES - RJ183218
CRISTIANE DANTAS DORMÉA DE QUEIROZ - RJ171747
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator): 


Cuida-se de recurso especial interposto por SIRLEI MAKOSKI
CAVALCANTI, exclusivamente com fundamento na alínea “c” do permissivo
constitucional, contra acórdão do TJ/RJ.
Ação: de indenização de danos materiais e de reparação de danos
morais, ajuizada pela recorrente em face de ARCOR DO BRASIL LTDA. e LOJAS
AMERICANAS S/A, em razão da presença de larvas em bombons de chocolate
consumidos pela recorrente, que foram fabricados pela ARCOR e comercializados
pelas LOJAS AMERICANAS.
Sentença: julgou parcialmente procedente, condenando as
recorridas ao pagamento de indenização por dano material, consistente na
devolução dos valores pagos na aquisição dos bombons, mas negou a condenação
de reparação por danos morais, por entender que não ficou comprovada a ingestão
das mencionadas larvas pela recorrente. 


Acórdão: em apelação interposta pela recorrente, o Tribunal de origem negou provimento ao recurso, em julgamento assim ementado:


Apelação Cível. Ação de Indenização por danos materiais e morais. Vício do
produto. Parte autora relata que adquiriu produto dos réus _ bombons – impróprio
ao consumo comprovado por laudo do Instituto Carlos Éboli.
Sentença de procedência condenando as rés apenas quanto aos danos materiais.
Apelação da parte autora com pretensão de reforma para julgar procedente o
pedido de condenação em danos morais.
Não houve comprovação nos autos de que a autora tenha ingerido o produto, bem
como tenha sido internada pelo fato.
Dano moral não configurado, a mera aquisição do produto com vício, por si só, não
gera dano moral, mostrando-se, assim, incapaz de ensejar abalo psicológico ou
ofensa considerável a direito da personalidade. Precedentes do STJ.
RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.


Recurso especial: alega a existência de dissídio jurisprudencial
acerca do tema contidos nos autos.
Admissibilidade: o recurso não fora admitido pelo Tribunal de
origem (e-STJ fls. 427-429). Após a interposição de agravo em recurso especial,
decidiu-se pela conversão do agravo para melhor exame da matéria (e-STJ fl. 482). 


É O RELATÓRIO.


RECURSO ESPECIAL Nº 1.744.321 - RJ (2018/0097074-6)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : SIRLEI MAKOSKI CAVALCANTI
ADVOGADOS : NEIDE NASCIMENTO DE JESUS - RJ073376
ROBERTO FLÁVIO CAVALCANTI - RJ163183
EMILY ALMEIDA MARQUES NOVAES - RJ186068
EVELYN ALMEIDA MARQUES NOVAES - RJ186066
RECORRIDO : ARCOR DO BRASIL LTDA
ADVOGADO : PEDRO PAULO FAVERY DE ANDRADE RIBEIRO - SP117626
RECORRIDO : LOJAS AMERICANAS S/A
ADVOGADOS : PEDRO HENRIQUE AUGUSTO CORRÊA DA SILVA - RJ159808
FELIPE GAZOLA VIEIRA MARQUES - RJ183218
CRISTIANE DANTAS DORMÉA DE QUEIROZ - RJ171747
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE COMPENSAÇÃO
POR DANO MORAL. AQUISIÇÃO DE PACOTE DE BALAS. LARVAS EM SEU
INTERIOR. EXPOSIÇÃO DO CONSUMIDOR A RISCO CONCRETO DE LESÃO À
SUA SAÚDE E SEGURANÇA. FATO DO PRODUTO. EXISTÊNCIA DE DANO
MORAL. VIOLAÇÃO DO DEVER DE NÃO ACARRETAR RISCOS AO
CONSUMIDOR. 


1. Ação ajuizada em 06/03/2015. Recurso especial interposto em
23/06/2017 e concluso ao Gabinete em 03/05/2018. 

2. O propósito recursal consiste em determinar se, para ocorrer danos
morais em função do encontro de corpo estranho em alimento
industrializado. 

3. A aquisição de produto de gênero alimentício contendo em seu interior
corpo estranho, expondo o consumidor à risco concreto de lesão à sua saúde
e segurança, ainda que não ocorra a ingestão de seu conteúdo, dá direito à
compensação por dano moral, dada a ofensa ao direito fundamental à
alimentação adequada, corolário do princípio da dignidade da pessoa
humana. 

4. Hipótese em que se caracteriza defeito do produto (art. 12, CDC), o qual
expõe o consumidor à risco concreto de dano à sua saúde e segurança, em
clara infringência ao dever legal dirigido ao fornecedor, previsto no art. 8º
do CDC. 

5. Na hipótese dos autos, ao encontrar larvas no interior de bombons no
momento de sua retirada da embalagem, é evidente a exposição negativa à
saúde e à integridade física ao consumidor. 

6. Recurso especial provido.


RECURSO ESPECIAL Nº 1.744.321 - RJ (2018/0097074-6)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : SIRLEI MAKOSKI CAVALCANTI
ADVOGADOS : NEIDE NASCIMENTO DE JESUS - RJ073376
ROBERTO FLÁVIO CAVALCANTI - RJ163183
EMILY ALMEIDA MARQUES NOVAES - RJ186068
EVELYN ALMEIDA MARQUES NOVAES - RJ186066
RECORRIDO : ARCOR DO BRASIL LTDA
ADVOGADO : PEDRO PAULO FAVERY DE ANDRADE RIBEIRO - SP117626
RECORRIDO : LOJAS AMERICANAS S/A
ADVOGADOS : PEDRO HENRIQUE AUGUSTO CORRÊA DA SILVA - RJ159808
FELIPE GAZOLA VIEIRA MARQUES - RJ183218
CRISTIANE DANTAS DORMÉA DE QUEIROZ - RJ171747
VOTO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator): 


O propósito recursal consiste em determinar se, para ocorrer danos
morais em função do encontro de corpo estranho em alimento industrializado, é
necessária sua ingestão ou se o fato de encontrar larvas ao retirar bombons de
suas embalagens é suficiente para a configuração do dano moral in re ipsa.


I – Da violação ao art. 12 do CDC
A jurisprudência do STJ está consolidada no sentido de que há dano
moral na hipótese em que o produto de gênero alimentício é consumido, ainda
que parcialmente, em condições impróprias, especialmente quando apresenta
situação de insalubridade oferecedora de risco à saúde ou à incolumidade física.
Por exemplo, veja-se o seguinte precedente: 


RECURSO ESPECIAL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE COMPENSAÇÃO POR
DANO MORAL. AQUISIÇÃO DE GARRAFA DE REFRIGERANTE CONTENDO CORPO
ESTRANHO EM SEU CONTEÚDO. NÃO INGESTÃO. EXPOSIÇÃO DO CONSUMIDOR A
RISCO CONCRETO DE LESÃO À SUA SAÚDE E SEGURANÇA. FATO DO PRODUTO.
EXISTÊNCIA DE DANO MORAL. VIOLAÇÃO DO DEVER DE NÃO ACARRETAR RISCOS
AO CONSUMIDOR. OFENSA AO DIREITO FUNDAMENTAL À ALIMENTAÇÃO
ADEQUADA.
ARTIGOS ANALISADOS: 4º, 8º, 12 e 18, CDC e 2º, Lei 11.346/2006


1. Ação de compensação por dano moral, ajuizada em 20/04/2007, da qual foi
extraído o presente recurso especial, concluso ao Gabinete em 10/06/2013.
2. Discute-se a existência de dano moral na hipótese em que o consumidor adquire
garrafa de refrigerante com corpo estranho em seu conteúdo, sem, contudo,
ingeri-lo.
3. A aquisição de produto de gênero alimentício contendo em seu interior corpo
estranho, expondo o consumidor à risco concreto de lesão à sua saúde e segurança,
ainda que não ocorra a ingestão de seu conteúdo, dá direito à compensação por
dano moral, dada a ofensa ao direito fundamental à alimentação adequada,
corolário do princípio da dignidade da pessoa humana.
4. Hipótese em que se caracteriza defeito do produto (art. 12, CDC), o qual expõe o
consumidor à risco concreto de dano à sua saúde e segurança, em clara infringência
ao dever legal dirigido ao fornecedor, previsto no art. 8º do CDC.
5. Recurso especial não provido.
(REsp 1424304/SP, Terceira Turma, julgado em 11/03/2014, DJe 19/05/2014)


Nas hipóteses em que há ingestão do produto em condições
impróprias, conforme salientei no julgamento do REsp nº 1.252.307/PR (Terceira
Turma, DJe 08/08/2012), “o sentimento de repugnância, nojo, repulsa que [...]
poderá se repetir toda vez que se estiver diante do mesmo produto” dá ensejo a
“um abalo moral passível de compensação pecuniária”. 


De fato, grande parte do dano psíquico advém do fato de que a
sensação de ojeriza “se protrai no tempo, causando incômodo durante longo
período, vindo à tona sempre que se alimenta, em especial do produto que
originou o problema, interferindo profundamente no cotidiano da pessoa” (REsp nº
1.239.060/MG, Terceira Turma, 18/05/2011). 


Na hipótese dos autos, contudo, há a peculiaridade de não ter havido
ingestão, ainda que parcial, do produto contaminado. É certo que, conforme
estabelecido no acórdão recorrido, o corpo estranho – um anel indevidamente
contido em uma bolacha recheada – esteve prestes a ser engolido pelo filho dos
recorrentes, sendo cuspido no último instante. 


Apesar da divergência jurisprudencial no âmbito desta Corte e com todo o respeito à posição contrária, parece ser o entendimento mais justo e
adequado à legislação consumerista aquela que dispensa a ingestão, mesmo que
parcial, do corpo estranho indevidamente presente nos alimentos.


Isso porque, com base no CDC, a doutrina explica que “são
considerados vícios as características de qualidade ou quantidade que tornem os
produtos ou serviços impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam e
também que lhes diminuam o valor” (Rizzatto Nunes. Curso de Direito do
Consumidor. São Paulo: Saraiva, 7ª ed., 2012, p. 229). 


Por outro lado, um produto ou serviço apresentará defeito de
segurança quando, além de não corresponder à expectativa do consumidor, sua
utilização ou fruição for capaz de criar riscos à sua incolumidade ou de terceiros.
A insegurança, portanto, é um vício de qualidade que se agrega ao
produto ou serviço como um novo elemento de desvalia e que transcende a
simples frustração de expectativas. Daí a denominação de “fato do produto e do
serviço” trazida pelo CDC, pois se tem um vício qualificado pela insegurança que
emana do produto/serviço. 


Na lição de Cláudia Lima Marques, Antônio Herman Benjamin e Bruno
Miragem (Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: RT, 2ª ed.,
2006, p. 261):


"A teoria da qualidade [...] bifurcar-se-ia, no sistema do CDC, na exigência de
qualidade-adequação e de qualidade-segurança , segundo o que razoavelmente se
pode esperar dos produtos e dos serviços. Nesse sentido haveria vícios de
qualidade por inadequação (art. 18 e ss.) e vícios de qualidade por insegurança
(arts. 12 a 17). O CDC não menciona os vícios por insegurança, e sim a
responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço e a noção de defeito; esta
terminologia nova, porém, é muito didática, ajudando na interpretação do novo
sistema de responsabilidade."


É necessário, assim, indagar se a hipótese dos autos alberga um mero vício (de qualidade por inadequação, art. 18, CDC) ou, em verdade, um defeito/fato
do produto (vício de qualidade por insegurança, art. 12, CDC). 


A sistemática implementada pelo CDC protege o consumidor contra
produtos que coloquem em risco sua segurança e, por conseguinte, sua saúde,
integridade física, psíquica etc. Segundo o art. 8º do CDC “os produtos e serviços
colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança
dos consumidores ”. 


Existe, portanto, um dever legal, imposto ao fornecedor, de
evitar que a saúde ou segurança do consumidor sejam colocadas sob risco.
Desse dever legal decorre a responsabilidade do fornecedor de
“reparar o dano causado ao consumidor por defeitos decorrentes de projeto,
fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou
acondicionamento de seus produtos” (art. 12, CDC). 


Segundo o CDC, “o produto é defeituoso quando não oferece a
segurança que dele legitimamente se espera (...), levando-se em consideração (...)
o uso e os riscos” razoavelmente esperados (art. 12, § 1º, II, CDC). Em outras
palavras, há defeito – e, portanto, fato do produto – quando oferecido risco dele
não esperado, segundo o senso comum e sua própria finalidade. Assim, a hipótese
não é de mero vício (o qual, como visto, não congrega um fato extrínseco; na
espécie, consubstanciado no risco oferecido). 


O CDC é paradigmático porque, “observando a evolução do direito
comparado, há toda uma evidência de que o legislador brasileiro inspirou-se na
ideia de garantia implícita do sistema da common law (implied warranty). Assim,
os produtos ou serviços prestados trariam em si uma garantia de adequação para
o seu uso e, até mesmo, uma garantia referente à segurança que dele se espera. Há
efetivamente um novo dever de qualidade instituído pelo sistema do CDC, um novo dever anexo à atividade dos fornecedores”. (MARQUES, C.; BENJAMIN, A.; e
MIRAGEM, B. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Ed. RT,
2ª ed., 2006, p. 258).


É indubitável que o corpo estranho contido no recheio de um biscoito
expôs o consumidor a risco, na medida em que, ao encontrar larvar no momento
de retirar o produto adquirido de sua embalagem, sujeitou-se à ocorrência de
diversos tipos de dano, seja à sua saúde física, seja à sua integridade psíquica. O
consumidor foi, portanto, exposto a grave risco, o que torna ipso facto
defeituoso o produto. 


De todo o exposto, deflui-se que o dano indenizável decorre do risco a
que fora exposto o consumidor. Ainda que, na espécie, a potencialidade lesiva do
dano não se equipare à hipótese de ingestão do produto contaminado (diferença
que necessariamente repercutirá no valor da indenização), é certo que, conquanto
reduzida, aquela também se faz presente na hipótese em julgamento.


II – Dos danos morais 


Segundo a jurisprudência desta Corte, pode-se definir dano moral
como lesões a atributos da pessoa, enquanto ente ético e social que participa da
vida em sociedade, estabelecendo relações intersubjetivas em uma ou mais
comunidades, ou, em outras palavras, são atentados à parte afetiva e à parte social
da personalidade (REsp 1426710/RS, Terceira Turma, julgado em 25/10/2016, DJe
09/11/2016). 

No mesmo sentido, a doutrina de Carlos Alberto BITTAR afirma que os
danos morais são aqueles relativos “a atributos valorativos, ou virtudes, da pessoa
como entes sociais, ou seja, integrada à sociedade, vale dizer, dos elementos que a
individualizam como ser, de que se destacam a honra, a reputação e as manifestações do intelecto”. (Reparação civil por danos morais. S. Paulo:
Saraiva, 4ª ed., 2015 p. 35). Sobre o tema, contudo, este Tribunal mantém
posicionamento pacífico segundo o qual simples dissabores ou aborrecimentos são
incapazes de causar danos morais, como é possível perceber no julgamento do
REsp 202.564/RJ (Quarta Turma julgado em 02/08/2001, DJ 01/10/2001, p. 220) e
do REsp 1.426.710 (julgado em 25/10/2016, DJe 08/11/2016).

 A jurisprudência do STJ, incorporando a doutrina desenvolvida acerca
da natureza jurídica do dano moral, conclui pela possibilidade de compensação
independentemente da demonstração da dor, traduzindo-se, pois, em
consequência in re ipsa, intrínseca à própria conduta que injustamente atinja a
dignidade do ser humano. 

Assim, em diversas oportunidades se deferiu indenização destinada a
compensar dano moral diante da simples comprovação de ocorrência de conduta
injusta e, portanto, danosa. Essa concepção também encontra raízes no valor da
solidariedade social, albergado pela Constituição Republicana em seu art. 3º, inc. I.
28. Segundo Maria Celina Bodin de Moraes:

“A expressa referência à solidariedade, feita pelo legislador constituinte, estabelece
em nosso ordenamento um princípio jurídico inovador, a ser levado em conta não
só no momento da elaboração da legislação ordinária e na execução de políticas
públicas, mas também nos momentos de interpretação e aplicação do Direito, por
seus operadores e demais destinatários, isto é, por todos os membros da
sociedade. Se a solidariedade fática decorre da necessidade imprescindível da
coexistência humana, a solidariedade como valor deriva da consciência racional dos
interesses em comum, interesses esses que implicam, para cada membro, a
obrigação moral de "não fazer aos outros o que não se deseja que lhe seja feito".
Esta regra não tem conteúdo material, enunciando apenas uma forma, a forma da
reciprocidade, indicativa de que "cada um, seja o que for que possa querer, deve
fazê-lo pondo-se de algum modo no lugar de qualquer outro. É o conceito dialético
de "reconhecimento" do outro”. (Danos à pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar,
2003, p. 110-112)

Assim, uma vez verificada a ocorrência de defeito no produto, a afastar a incidência exclusiva do art. 18 do CDC à espécie (o qual permite a
reparação do prejuízo material experimentado), inafastável é o dever do
fornecedor de reparar também o dano extrapatrimonial causado ao consumidor,
fruto da exposição de sua saúde e segurança à risco concreto.

Não se ignora que, em situações semelhantes à hipótese em
julgamento, o STJ eximiu os fornecedores do dever de indenizar o consumidor por
não ter havido ingestão do produto com corpo estranho no interior de produto.
Assim, no REsp 1.131.139/SP (Quarta Turma, DJe 01/12/2010), o produto
oferecido à venda se encontra impróprio ao consumo, mas, antes de ser ingerido
pelo consumidor, o vício foi detectado. 

Da mesma forma, no julgamento do AgRg
no Ag 276.671/SP (Terceira Turma, DJ 08/05/2000), esta Corte afirmou que “a
simples aquisição do produto danificado, uma garrafa de refrigerante contendo
um objeto estranho no seu interior, sem que se tenha ingerido o seu conteúdo, não
revela, a meu ver, o sofrimento descrito pelos recorrentes como capaz de ensejar
indenização por danos morais”. Nesse emsmo sentido: REsp 747.396/DF, Quarta
Turma, DJe 22/03/2010; AgInt no REsp 1597890/SP, Terceira Turma, DJe
14/10/2016. 

Como exposto anteriormente, respeitando esse entendimento,
divergimos de sua conclusão, por entender presente um risco potencial de dano à
saúde e à integridade física e psíquica. De fato, recentemente esta Turma
considerou existente a configuração de danos morais, conforme julgamento abaixo
ementado:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE COMPENSAÇÃO POR
DANO MORAL. AQUISIÇÃO DE PACOTE DE BISCOITO RECHEADO COM CORPO
ESTRANHO NO RECHEIO DE UM DOS BISCOITOS. NÃO INGESTÃO. LEVAR À BOCA.
EXPOSIÇÃO DO CONSUMIDOR A RISCO CONCRETO DE LESÃO À SUA SAÚDE E
SEGURANÇA. FATO DO PRODUTO. EXISTÊNCIA DE DANO MORAL. VIOLAÇÃO DO
DEVER DE NÃO ACARRETAR RISCOS AO CONSUMIDOR. 1. Ação ajuizada em 04/09/2012. Recurso especial interposto em 16/08/2016 e concluso ao Gabinete
em 16/12/2016.
2. O propósito recursal consiste em determinar se, para ocorrer danos morais em
função do encontro de corpo estranho em alimento industrialização, é necessária
sua ingestão ou se o simples fato de levar tal resíduo à boca é suficiente para a
configuração do dano moral.
3. A aquisição de produto de gênero alimentício contendo em seu interior corpo
estranho, expondo o consumidor à risco concreto de lesão à sua saúde e segurança,
ainda que não ocorra a ingestão de seu conteúdo, dá direito à compensação por
dano moral, dada a ofensa ao direito fundamental à alimentação adequada,
corolário do princípio da dignidade da pessoa humana.
4. Hipótese em que se caracteriza defeito do produto (art. 12, CDC), o qual expõe o
consumidor à risco concreto de dano à sua saúde e segurança, em clara infringência
ao dever legal dirigido ao fornecedor, previsto no art. 8º do CDC.
5. Na hipótese dos autos, o simples "levar à boca" do corpo estranho possui as
mesmas consequências negativas à saúde e à integridade física do consumidor que
sua ingestão propriamente dita.
6. Recurso especial provido.
(REsp 1644405/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em
09/11/2017, DJe 17/11/2017)

Na hipótese dos autos, conforme narrado acima, foram encontradas
larvas nos bombons do tipo butter toffee no momento em que elas foram
desembaladas pelos consumidores. Nessa circunstância, é evidente a exposição a
risco nessas circunstâncias, o que necessariamente deve afastar a necessidade de
ingestão para o reconhecimento da responsabilidade do fornecedor. 

Exigir que,
para a necessidade de reparação, houvesse a necessidade que os consumidores
deglutissem essas larvas parece não encontrar qualquer fundamento na legislação
de defesa do consumidor. 

Forte nessas razões, CONHEÇO do recurso especial e DOU-LHE
PROVIMENTO, com fundamento no art. 255, § 4º, III, do RISTJ, para condenar as
recorridas, de forma solidária, ao pagamento de compensação por danos morais no
valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Incide sobre esse montante a correção
monetária a partir da data da prolação da sentença, por força da Súmula 362/STJ, fluindo os juros moratórios a partir do evento danoso, à luz da Súmula 54/STJ.
Ficam os ônus sucumbenciais sob a responsabilidade do recorrido,
fixando-se os honorários advocatícios em 10% (dez por cento) sobre o valor da
condenação.