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Em uma mesma relação jurídica podem ser computados prazos prescricionais diferentes

20/07/2020 - 10:37



EMENTA


RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA DE COTAS CONDOMINIAIS. OBRIGAÇÃO DE TRATO SUCESSIVO. PRESCRIÇÃO. PRAZO APLICÁVEL. DIREITO INTERTEMPORAL. REGRA DE TRANSIÇÃO. JULGAMENTO: CPC/73.

1. Ação de cobrança de cotas condominiais ajuizada em 04/05/2011, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 17/07/2015 e atribuído ao gabinete em 02/09/2016.

2. O propósito recursal é dizer sobre a prescrição da pretensão de cobrança de cotas condominiais, vencidas desde 1991, diante da regra de transição prevista no art. 2.028 do CC/02.

3. A pretensão de cobrança das cotas condominiais se renova conforme a periodicidade em que é devido o seu pagamento - em regra mês a mês - e, por isso, prescreve a partir do vencimento de cada parcela.

4. Em se tratando de obrigação de trato sucessivo, podem incidir, no contexto da mesma relação jurídica, dois prazos prescricionais diferentes - 20 e 5 anos - a serem contados a partir de dois marcos temporais diferentes - data do vencimento da cada prestação e data da entrada em vigor do CC/02 -, a depender do momento em que nasce cada pretensão, individualmente considerada.

5. Hipótese em que, sendo devidas cotas condominiais vencidas de 30/04/1991 a 13/10/1991 e de 13/01/1993 a 13/10/2006, considera-se prescrita a pretensão de cobrar as devidas no período de 13/01/93 a 03/05/06.

6. Recurso especial conhecido e desprovido.

(REsp 1677673/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/05/2019, DJe 16/05/2019)


RELATÓRIO


O EXMO. SR. MINISTRO NANCY ANDRIGHI (RELATOR):
Cuida-se de recurso especial interposto por CONDOMÍNIO QUINTAS
DO SOL, fundado na alínea “a” do permissivo constitucional, contra acórdão do
TJ/DFT.


Ação: de cobrança, ajuizada por CONDOMÍNIO QUINTAS DO SOL em
face de PAULO RENATO FERREIRA FRANZ, relativa às cotas condominiais vencidas
desde 30/04/1990, totalizando R$ 51.525,10 (cinquenta e um mil quinhentos e
vinte e cinco reais e dez centavos). 


Sentença: o Juízo de primeiro grau julgou procedente o pedido para
condenar o recorrido ao pagamento das cotas condominiais ordinárias e
extraordinárias vencidas desde 31/05/1991 até a data da propositura da demanda. 


Acórdão: o TJ/DFT deu parcial provimento ao agravo retido de
PAULO RENATO FERREIRA FRANZ para reconhecer a prescrição sobre os débitos
vencidos entre 10/02/1993 e 10/04/2006, bem como proveu, em parte, a
apelação do CONDOMÍNIO QUINTAS DO SOL para que a condenação abranja as
parcelas vencidas e vincendas até o trânsito em julgado e para determinar que os
juros de mora incidam desde o inadimplemento das cotas cobradas. Eis a ementa
do acórdão: 


DIREITO CIVIL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO RETIDO. AÇÃO DE COBRANÇA.
TAXAS CONDOMINIAIS. PREJUDICIAL DE PRESCRIÇÃO. REGRA DE TRANSIPRAZO QUINQUENAL. ARTIGO 205, §5°, I, DO CÓDIGO CIVIL. APLICAÇÃO.
1. O prazo prescricional de 20 anos aplica-se às cotas vencidas até 10/01/1993,
ante a regra de transição do artigo 2.028 do Código Civil de 2002, tendo em vista
que quando da entrada em vigor deste novo Código já havia transcorrido mais da
metade do tempo estabelecido no Código de 1916.
2. A pretensão de cobrança de cotas condominiais, por serem líquidas, bem como
lastreadas em documentos físicos, adéqua-se à previsão do art. 206, § 5°, I, do CC,
razão pela qual se aplica o prazo prescricional quinquenal às cotas não alcançadas
pela regra de transição.
3. A condenação deve abranger as parcelas vencidas e vincendas até o inicio do
cumprimento de sentença, situação que privilegia os princípios da efetividade na
prestação jurisdicional, da celeridade, da economia processuais.
4. O condômino não pagou suas contribuições até o vencimento das cotas e a partir
deste vencimento foi constituído em mora, devendo os juros incidirem desde o
inadimplemento (art. 397 do Código Civil).
5. Apelos conhecidos e parcialmente providos.


Embargos de declaração: opostos pelo recorrente, foram
acolhidos, nos termos da ementa a seguir:


EMBARGOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NA APELAÇÃO CÍVEL. OMISSÃO,
CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. FUNDAMENTAÇÃO E DISPOSITIVO EM
DISPARIDADE. EVIDENCIADA CONTRADIÇÃO. ACÓRDÃO SE REMETEU A TRECHO DA
SENTENÇA EM DESCONFORMIDADE COM A PRETENSÃO DA PARTE. PROVIMENTO
DO PEDIDO. OMISSÃO CONFIGURADA. ERRO MATERIAL NA FIXAÇÃO DOS
HONORÁRIOS.
1. Verificada a contradição entre o entendimento externado na fundamentação do
acórdão e respectivo dispositivo, devem ser acolhidos os embargos de declaração
em face da contradição observada.
2. Uma vez constatado no acórdão remissão a trecho da sentença que não revela
conteúdo semelhante ao requerido pela parte, deve ser alterado o julgado, antes
procedente, ou respectiva fundamentação, a fim de eliminar a contradição.
3. Fixados os honorários com esteio no §4° do artigo 20 CPC em caso que não se
insere nas suas previsões, deve ser alterado o julgado, sob pena de infringência a
legislação federal.
4. Embargos de declaração acolhidos.


Embargos de declaração: opostos por PAULO RENATO FERREIRA
FRANZ, foram rejeitados.


Recurso especial: aponta violação dos arts. 206, § 5º, e 2.028, do
CC/02.
Narra que "a dívida condominial cobrada é contínua desde 1991"; que  "o réu jamais pagou uma taxa sequer"; que "a ação foi proposta em maio de
2011"; que "o acórdão recorrido acolheu a objeção de prescrição do requerido
para declarar prescritas todas as taxas condominiais vencidas e não pagas
compreendidas entre 10.02.1993 e 10.04.2006" e "permitiu a cobrança, todavia,
das taxas não pagas e vencidas antes de 10.02.1993 (desde janeiro de 1991)" (fl.
457, e-STJ). 


Sustenta, diante disso, que "o acórdão recorrido criou uma situação
absurda: entendeu que, em uma dívida contínua, quotas condominiais mais
antigas não estão prescritas - mas quotas condominiais mais novas estão!" (fl.
457, e-STJ). 


Defende que "o prazo prescricional a ser utilizado no caso dos autos é
integralmente o prazo do regime anterior ao do novo código civil, em face do que
está disposto no art. 2.028 do Código Civil", pois, "como a dívida é contínua e data
de 1991, o prazo de prescrição, até o advento do novo Código Civil, já havia corrido
em mais da metade - era de 20 anos" (fl. 458, e-STJ). 


Juízo prévio de admissibilidade: o TJ/DFT inadmitiu o recurso,
dando azo à interposição do AREsp 897.683/DF, provido para determinar a
conversão em especial (fl. 526, e-STJ). 


É o relatório.


RECURSO ESPECIAL Nº 1.677.673 - DF (2016/0088361-8) 

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI 

RECORRENTE : CONDOMÍNIO QUINTAS DO SOL
ADVOGADOS : JOSÉ CARLOS FARIA PEIXOTO GUIMARÃES - DF001759
JOSÉ PEIXOTO GUIMARÃES NETO - DF014746
RECORRIDO : PAULO RENATO FERREIRA FRANZ 

ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DO DISTRITO FEDERAL 


EMENTA 


RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA DE COTAS CONDOMINIAIS. OBRIGAÇÃO DE TRATO SUCESSIVO. PRESCRIÇÃO. PRAZO APLICÁVEL. DIREITO
INTERTEMPORAL. REGRA DE TRANSIÇÃO. JULGAMENTO: CPC/73.
1. Ação de cobrança de cotas condominiais ajuizada em 04/05/2011, da qual
foi extraído o presente recurso especial, interposto em 17/07/2015 e
atribuído ao gabinete em 02/09/2016.
2. O propósito recursal é dizer sobre a prescrição da pretensão de cobrança
de cotas condominiais, vencidas desde 1991, diante da regra de transição
prevista no art. 2.028 do CC/02.
3. A pretensão de cobrança das cotas condominiais se renova conforme a
periodicidade em que é devido o seu pagamento – em regra mês a mês – e,
por isso, prescreve a partir do vencimento de cada parcela.
4. Em se tratando de obrigação de trato sucessivo, podem incidir, no
contexto da mesma relação jurídica, dois prazos prescricionais diferentes – 20 e 5 anos – a serem contados a partir de dois marcos temporais diferentes – data do vencimento da cada prestação e data da entrada em vigor do
CC/02 –, a depender do momento em que nasce cada pretensão,
individualmente considerada.
5. Hipótese em que, sendo devidas cotas condominiais vencidas de
30/04/1991 a 13/10/1991 e de 13/01/1993 a 13/10/2006, considera-se
prescrita a pretensão de cobrar as devidas no período de 13/01/93 a
03/05/06.
6. Recurso especial conhecido e desprovido.


VOTO 


O EXMO. SR. MINISTRO NANCY ANDRIGHI (RELATOR): 


O propósito recursal é dizer sobre a prescrição da pretensão de
cobrança de cotas condominiais, vencidas desde 1991, diante da regra de transição
prevista no art. 2.028 do CC/02. 


1. DELINEAMENTO FÁTICO


Consta do acórdão exarado pelo TJ/DFT o seguinte:


Cuida-se de agravo retido interposto pelo apelante/réu para
discutir a prejudicial de mérito de prescrição sobre as cotas condominiais
de 30/04/1991 a 13/10/1991; de 13/01/1993 a 11/01/2003; e de
11/01/2003 a 13/10/2006. O apelante/réu indica que as taxas condominiais de 14/10/1991 a
12/01/1993 e as posteriores a 13/10/2006 poderiam ser cobradas, não
havendo mais, em sede recursal, pretensão resistida quanto a estas cobranças.
(fl. 413, e-STJ – grifou-se)


A controvérsia, portanto, se restringe ao prazo prescricional a ser
observado na cobrança das cotas condominiais relativas aos períodos de
30/04/1991 a 13/10/1991 e de 13/01/1993 a 13/10/2006
, considerando
que esta ação foi proposta em 04/05/2011.


2. DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO DE COBRANÇA DE COTAS
CONDOMINIAIS 


2.1. Do prazo prescricional da pretensão de cobrança de cotas condominiais.


Sob a égide do CC/16, era de 20 anos o prazo prescricional aplicável
à pretensão de cobrança de despesas condominiais, ou seja, incidia a regra geral do
seu art. 177, por se tratar de ação pessoal sem definição de prazo prescricional
específico (REsp 1.366.175/SP, Terceira Turma, julgado em 18/06/2013, DJe de
25/06/2013). 


Sob a égide do CC/02, a jurisprudência do STJ consolidou-se no
sentido de que é de 5 anos o prazo prescricional para que o condomínio geral ou
edilício (vertical ou horizontal) exercite a pretensão de cobrança de taxa
condominial ordinária ou extraordinária, constante em instrumento público ou
particular, a contar do dia seguinte ao vencimento da prestação (REsp
1.483.930/DF, Segunda Seção, julgado em 23/11/2016, DJe de 01/02/2017, pela
sistemática dos recursos repetitivos). 


Nesse cenário, destaca-se a regra de transição do art. 2.028 do
CC/02, segundo a qual incidem os prazos do CC/16 (20 anos), quando reduzidos
pelo CC/02 (5 anos), se, na data da entrada em vigor deste – 11/01/2003 – houver
transcorrido mais da metade do tempo estabelecido naquele (isto é, mais de 10
anos).


Destaca-se, ademais, o entendimento do STJ no sentido de que,
reduzido o prazo prescricional após a aplicação daquela regra de transição, deve a
fluência deste novo prazo se iniciar a partir da entrada em vigor do CC/02, qual
seja, 11/01/2003. 


A partir dessas premissas, passa-se à análise da hipótese dos autos.


2.2 Da hipótese dos autos
É certo que a pretensão de cobrança das cotas condominiais se renova conforme a periodicidade em que é devido o seu pagamento – em regra
mês a mês – e, por isso, prescreve a partir do vencimento de cada parcela. 


Na hipótese, são devidas cotas condominiais vencidas de
30/04/1991 a 13/10/1991 e de 13/01/1993 a 13/10/2006. 


Daí se infere, à luz da citada legislação e de sua interpretação por esta
Corte, que, em se tratando de obrigação de trato sucessivo, incidem, no contexto
dessa mesma relação jurídica, dois prazos prescricionais diferentes – 20 e 5 anos – a serem contados a partir de dois marcos temporais diferentes – data do
vencimento da cada prestação e data da entrada em vigor do CC/02 –, a depender
do momento em que nasce cada pretensão, individualmente considerada. 


Sob a ótica do direito intertemporal, portanto, há, no particular,
prestações cuja pretensão de cobrança se sujeita a prazo prescricional de 20 anos,
a contar da data de seu vencimento; há outras cuja pretensão de cobrança se
sujeita a prazo prescricional de 5 anos, a contar da data de entrada em vigor do
CC/02 e, por fim, outras sujeitas ao prazo prescricional de 5 anos, a contar da data
de seu vencimento. 


Conclui-se, com suporte no cenário delineado pelo Tribunal de
origem, que: 


I. a pretensão de cobrança das parcelas vencidas no período de
30/04/91 a 13/10/91, porque transcorridos mais de 10 anos até
11/01/03 (data da entrada em vigor do CC/02), está sujeita ao prazo
de 20 anos, a contar da data do vencimento de cada prestação, não
estando, pois, fulminada pela prescrição; 


II. a pretensão de cobrança das parcelas vencidas no período de
13/01/93 a 10/01/03, porque transcorridos menos de 10 anos até
11/01/03, está sujeita ao prazo de 5 anos, a contar da data de entrada em vigor do CC/02 (11/01/03), estando, pois, fulminada pela
prescrição; 


III. a pretensão de cobrança das parcelas vencidas no período de
11/01/03 a 13/10/06, já sob a égide do CC/02, está sujeita ao prazo
de 5 anos, a contar da data do vencimento de cada prestação,
estando, pois, fulminada pela prescrição a relativa ao
vencimento no período de 11/01/03 a 03/05/06, sendo
exigíveis as vencidas daí em diante.


Isso posto, mostra-se acertada a conclusão à que chegou o TJ/DFT ao
reconhecer, com base na planilha juntada aos autos, a prescrição da pretensão de
cobrança dos débitos vencidos entre 10/02/1993 e 10/04/2006.


3. DA CONCLUSÃO 


Forte nessas razões, CONHEÇO do recurso especial e NEGO-LHE
PROVIMENTO. 


CERTIDÃO 


Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na
sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: 


A Terceira Turma, por unanimidade, conheceu e negou provimento ao recurso especial,
nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. 


Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco
Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro (Presidente) votaram com a Sra. Ministra Relatora