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Como a cláusula de desempenho afeta os partidos políticos

02/05/2019 - 16:30

A
cláusula de desempenho, também conhecida como cláusula de barreira, nada mais é
do que “uma norma que impede ou restringe o funcionamento parlamentar ao
partido que não alcançar determinado percentual de votos”.


Como
restrição, o partido que
não alcança a densidade eleitoral necessária para superar a cláusula de
desempenho não tem o funcionamento parlamentar pleno, no que toca a uma série
de vantagens materiais como espaço na Câmara Federal, em certas comissões, como
a CPI, não tem acesso ao Fundo Partidário, tempo de televisão e rádio.


A
cláusula busca maior legitimidade para partidos políticos no certame eleitoral
e com isso, no plano majoritário, garantir uma governabilidade e no plano
proporcional ou no que toca ao parlamento, busca facilitar a circulação das
correntes de opiniões distintas, que devem ser respeitadas no ambiente
democrático.


A
médio e a longo prazo vai provocar a necessidade de discussão de redemocratização
de maior governança interna dos partidos políticos, em busca de maior coesão,
menos suscetíveis às dissensões.


Durante
muito tempo, a tutela constitucional democrática relativa à criação e
funcionamento de partidos políticos foi fomentada inclusive pela interpretação
do Supremo Tribunal Federal, que entendia que “por menos
representativo que seja um partido político, a ele será garantido funcionamento
parlamentar, bem como tempo de propaganda partidária gratuita e participação no
fundo partidário”. (ADI 1.354 e ADI 1.351, rel. min. Marco Aurélio, j. 7-12-2006,
P, DJ de 30-3-2007).


Todavia,
o privilégio às legendas partidárias, resultou num multipartidarismo excessivo,
com reflexos na governabilidade do país, em especial diante do sistema de
presidencialismo de coalisão.


Neste contexto, a edição
da EC nº 97/2017 se deu como uma tentativa de conter a fragmentação partidária
no Congresso, concedendo ao art. 17 da Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988 a seguinte redação:


Art. 17. É livre a
criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a
soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos
fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos: 

I - caráter nacional;

II - proibição de
recebimento de recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiros ou de
subordinação a estes;

III - prestação de
contas à Justiça Eleitoral;

IV - funcionamento
parlamentar de acordo com a lei.



§ 1º É assegurada aos
partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna e estabelecer regras sobre escolha,
formação e duração de seus órgãos permanentes e provisórios e sobre sua
organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de
suas coligações nas eleições majoritárias, vedada a sua celebração nas eleições
proporcionais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em
âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos
estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária. (Redação
dada pela Emenda Constitucional nº 97, de 2017)

§ 2º Os partidos políticos, após
adquirirem personalidade jurídica, na forma da lei civil, registrarão seus
estatutos no Tribunal Superior Eleitoral.

§ 3º Somente terão direito a
recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão, na forma
da lei, os partidos políticos que alternativamente: (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 97, de 2017)

I - obtiverem, nas eleições para
a Câmara dos Deputados, no mínimo, 3% (três por cento) dos votos válidos,
distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação, com um mínimo de
2% (dois por cento) dos votos válidos em cada uma delas; ou (Incluído pela
Emenda Constitucional nº 97, de 2017)

II - tiverem elegido pelo menos
quinze Deputados Federais distribuídos em pelo menos um terço das unidades da
Federação.  (Incluído pela Emenda Constitucional nº 97, de 2017)

§ 4º É vedada a
utilização pelos partidos políticos de organização paramilitar.

§ 5º Ao eleito por
partido que não preencher os requisitos previstos no § 3º deste artigo é
assegurado o mandato e facultada a filiação, sem perda do mandato, a outro
partido que os tenha atingido, não sendo essa filiação considerada para fins de
distribuição dos recursos do fundo partidário e de acesso gratuito ao tempo de
rádio e de televisão. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 97, de 2017)


O foco na aplicação da cláusula é a diminuição da quantidade de partidos
políticos, o que acaba sendo um modo de induzir o sistema a ser mais
programático, menos suscetível a proliferação de lideranças, que muitas das
vezes, tem dificuldades de se entenderem dentro do partido, o que acaba gerando
mais partidos políticos.

É bem verdade que emum presidencialismo de coalizão, a inflação
partidária torna a governabilidade mais complexa, instável e aumenta seus
custos. Não se pode negligenciar a dificuldade de negociação oriunda de um
ambiente legislativo composto por 28 agremiações políticas distintas, e os
custos disso para a própria democracia, como bem justificou a Comissão Especial
destinada a proferir parecer à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº
282-A, de 2016:


É esse o desafio enfrentado
por esta Comissão e por todas as outras que a antecederam. Nesse esforço
coletivo, no qual contamos com a contribuição preciosa de diversas autoridades
políticas e especialistas da área, identificamos que o grande número de
partidos com representação no Congresso Nacional está diretamente relacionado
com duas distorções institucionais em nosso ordenamento político-eleitoral.
Essas distorções são: 1) a possibilidade de coligações eleitorais; 2) as regras
de acesso dos partidos políticos aos recursos do fundo partidário e ao tempo de
propaganda gratuito no rádio e na televisão. É a partir desse diagnóstico que
defendemos a vedação às coligações em eleições proporcionais e o
estabelecimento de um patamar mínimo de votos que um partido precisa ultrapassar
para ter direito a recursos do Fundo Partidário e acesso gratuito ao rádio e à
televisão. Além dessas modificações, subscrevemos também a possibilidade de
formação de federações de partidos políticos com afinidade ideológica e
programática, bem como a delimitação das hipóteses de mudança de filiação
partidária sem perda de mandato.

 

Por outro lado, a
nova redação aniquila as chances de sobrevivência dos pequenos partidos, e
retira a representação de algumas minorias que ainda estavam em fase de consolidação
no cenário político. Ademais, força a fusão de legendas que não queiram ser
extintas, o que, embora sempre tenha sido permissão do art. 17, parece agora
ser uma situação fabricada, e não uma convergência ideológica natural, como
possivelmente previa o legislador constituinte.


É de se questionar,
portanto, se a cláusula não acaba por se constituir em um “paliativo
institucional”, que se dispõe a resolver os inconvenientes do multipartidarismo
mas cria outras situações indesejáveis, notadamente do ponto de vista
ideológico, suprimindo a representação de minorias, e pouco contribuindo para
uma efetiva solidificação da democracia no Brasil.


REFERÊNCIAS


BRASIL. Emenda Constitucional nº 97, de 4 de
outubro de 2017. 
BRASIL. Constituição da República Federativa
do Brasil de 1988.  

https://www12.senado.leg.br/noticias/glossario-legislativo/clausula-de-barreira


Escrito por:

Marina Almeida Morais, Bacharela em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás.
Mestranda em Ciência Política pela Universidade Federal de Goiás. Pós-graduanda
em Direito Eleitoral pela Universidade Cândido Mendes. Coordenadora do Núcleo
de Direito Eleitoral do IEAD. Advogada e palestrante.

Anne Caroline F. Peixoto Marra, Bacharela em Direito pela Universidade Salgado de Oliveira. Pós-graduanda
em Direito do Trabalho pela FUMEC. Coordenadora do Departamento de Eventos do
IEAD, Vice Coordenadora do Núcleo de Direito Eleitoral do IEAD. Advogada.

Fonte: http://www.institutoead.org/