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Cartão de crédito consignado não contratado é inexigível e dano moral é configurado

11/03/2019 - 10:05


EMENTA


Apelação. Contratos Bancários. Ação declaratória de inexistência de débito e indenização por danos morais. Sentença de procedência. Autor que pleiteia a condenação do réu pelos danos morais e materiais decorrentes do indevido desconto de valor correspondente a Reserva de Margem Consignável (RMC). Réu que não demonstrou a contratação válida e regular pela requerente. Dano moral caracterizado. Devolução dos valores na forma simples e não em dobro, permitida a compensação. Sentença modificada em parte. Recurso parcialmente provido.

(TJ-SP - AC: 10001047320188260218 SP 1000104-73.2018.8.26.0218, Relator: Elói Estevão Troly, Data de Julgamento: 21/08/2012, 15ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 09/03/2019).


INTEIRO TEOR


PODER JUDICIÁRIO


TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO


Registro: 2019.0000165135


ACÓRDÃO


Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 1000104-73.2018.8.26.0218, da Comarca de Guararapes, em que é apelante BANCO BMG S/A, é apelado ANTONIO DO CARMO (JUSTIÇA GRATUITA).


ACORDAM , em sessão permanente e virtual da 15ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Deram provimento ao recurso. V. U. , de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.


O julgamento teve a participação dos Desembargadores LUCILA TOLEDO (Presidente sem voto), JAIRO BRAZIL FONTES OLIVEIRA E VICENTINI BARROSO.


São Paulo, 9 de março de 2019.


Elói Estevão Troly

Relator

Assinatura Eletrônica



15ª Câmara de Direito Privado

Apelação nº 1000104-73.2018.8.26.0218

Apelante: Banco Bmg S/A

Apelado: Antonio do Carmo

Comarca: Guararapes

Juiz (a): Mateus Moreira Siketo .

Voto nº 2123.


Apelação. Contratos Bancários. Ação declaratória de inexistência de débito e indenização por danos morais. Sentença de procedência. Autor que pleiteia a condenação do réu pelos danos morais e materiais decorrentes do indevido desconto de valor correspondente a Reserva de Margem Consignável (RMC). Réu que não demonstrou a contratação válida e regular pela requerente. Dano moral caracterizado. Devolução dos valores na forma simples e não em dobro, permitida a compensação. Sentença modificada em parte. Recurso parcialmente provido.


Trata-se de recurso de apelação (fls. 292/309) contra sentença de procedência que (fls. 282/290): a) declarou a inexistência dos contratos de Reserva de Margem Consignável para Cartão de Crédito nº 77414836, 9134963 e 11971493 (fls. 04 e 49) e, por consequência, tornar inexigíveis todos os débitos especificados nas faturas e quaisquer outros decorrentes da aludida contratação, ressalvando-se tão somente o empréstimo consignado, nos moldes acima delineados; b) condenar o réu a restituir ao autor, em dobro, a importância de R$ 1.658,22 (fls. 48), referente a todas as parcelas descontadas de forma indevida referentes aos mencionados contratos, atualizadas pela

correção monetária, de acordo com os índices da Tabela Prática do Tribunal de Justiça de

São Paulo e acrescido de juros de mora de 1% ao mês, desde a citação; c) condenar o réu a

se abster de promover novos descontos de parcelas de R$ 49,25; R$ 55,00 e R$ 58,56 no

benefício previdenciário do autor, vinculados ao contrato nº 7414836, 9134963 e 11971493

(fls. 04 e 49), d) condenar o réu ao pagamento de R$ 5.000,00, a título de danos morais,

com correção monetária a partir do arbitramento (Súmula 362/STJ) e juros de mora de 1% ao mês a partir da citação.


O réu recorre e alega que: a) a apelada reconhece que firmou contrato com o banco, de tal forma contratou um cartão, realizou saques e o desbloqueio deste, sendo disponibilizadas as quantias por meio de TED na conta corrente do autor; b) o contrato foi realizado na mais clara expressão da autonomia da vontade; c) o cartão de crédito não tem previsão de término das cobranças, uma vez que, diferente do empréstimo consignado, não são cobradas parcelas fixas, dependendo-se de lançamentos e pagamentos, através de faturas e de descontos em folha; d) inexiste quantia a ressarcir, sob pena de enriquecimento sem causa do autor; e) ausente danos morais indenizáveis e, alternativamente, caso mantido o condenação, pugna pela redução do quantum indenizatório; f) cabe a compensação dos créditos; g) existe uma data de corte para inclusão e exclusão dos descontos, consequentemente, caso a decisão de suspensão/exclusão desses descontos tenha sido publicada após a data de corte do órgão pagador, inevitavelmente, o cliente sofrerá o desconto o que, por si só, não poderá ser considerado descumprimento à ordem judicial.


Vieram aos autos as contrarrazões (fls. 321/349). Não houve oposição ao julgamento virtual.


É o relatório.


O recurso comporta parcial provimento.


O autor ajuizou esta demanda objetivando a declaração de inexigibilidade do débito, por não ter firmado com o réu negócio relativo à "Reserva de Margem Consignável (RMC)" em seu benefício do INSS relativo aos contratos n. 7414936, 9134963 e 11971493.


Sobreveio a sentença procedência, contra a qual o réu se insurge com base na existência de dívida oriunda dos contratos dos quais o autor se beneficiara.


1. A contratação não está comprovada.


É sabido que a Lei nº 10.820, de 17/12/2003, que dispõe sobre a autorização para desconto de prestações em folha de pagamento, e dá outras providências, prevê em seu artigo 1º:


Art. 1º Os empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho -CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, poderão autorizar, de forma irrevogável e irretratável, o desconto em folha de pagamento ou na sua remuneração disponível dos valores referentes ao

pagamento de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil concedidos por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil, quando previsto nos respectivos contratos.(Redação dada pela Lei nº 13.172, de 2015).


§ 1º O desconto mencionado neste artigo também poderá incidir sobre verbas rescisórias devidas pelo empregador, se assim previsto no respectivo contrato de empréstimo, financiamento, cartão de crédito ou arrendamento mercantil, até o limite de 35% (trinta e cinco por cento), sendo 5% (cinco

por cento) destinados exclusivamente para: (Redação dada pela Lei nº 13.172, de 2015).


I - a amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito ;

ou (Incluído pela Lei nº 13.172, de 2015);


II - a utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de

crédito. (grifos em negrito).


Da mesma forma, o artigo 15, da Instrução Normativa INSS/PRES nº 28/2008, que estabelece critérios e procedimentos operacionais relativos à consignação de descontos para pagamento de empréstimos e cartão de crédito, contraídos nos benefícios da Previdência Social, dispõe ser possível à constituição de reserva de margem consignada para utilização de cartão de crédito mediante solicitação formal por meio eletrônico:


Art. 15. Os titulares dos benefícios previdenciários de aposentadoria e pensão por morte, pagos pela Previdência Social, poderão constituir RMC para utilização de cartão de crédito, de acordo com os seguintes critérios, observado no que couber o disposto no art. 58 desta Instrução Normativa:


I - a constituição de RMC somente poderá ocorrer após a solicitação formal firmada pelo titular do benefício, por escrito ou por meio eletrônico, sendo vedada à instituição financeira: emitir cartão de crédito adicional ou derivado; e cobrar taxa de manutenção ou anuidade.


Entretanto, apesar de se reconhecer que não há ilegalidade na “Reserva de Margem Consignável (RMC)”, observa-se que esta deve ser prévia, regular e expressamente aceita pelo contratante.

Ocorre que, no presente caso, o réu não provou a contratação, não cumprindo com o ônus que lhe cabia (art. 373II, do CPC).


Na peça de defesa colacionou somente faturas de cartão de crédito (fls. 159/184) e "transferência eletrônica disponível - TED" (fls. 156/158), os quais não proporcionam certeza de que o autor tenha anuído com a “Reserva de Margem Consignável (RMC)” em seu benefício do INSS. Somente o contrato, com a assinatura do apelado, afastaria, cabalmente, as alegações apresentadas na petição inicial. 


Desta forma, mantem-se a inexigibilidade dos débitos.


2. Configurado o dano moral.


Indiscutíveis os aborrecimentos e o incômodo decorrentes dos descontos operacionalizados pelo réu, sendo inegável a ocorrência de dano moral, não se tratando, pois, de mero dissabor. Houve efetivo e típico abalo do estado anímico do demandante, como é peculiar em situação da espécie.


No tocante ao valor, deve ser arbitrado no quantum suficiente para proporcionar a justa reparação pelos transtornos narrados pelo autor na inicial, de modo a não implicar enriquecimento sem causa, bem como, dando o caráter educativo punitivo que deve permear a indenização na espécie.


Assim sendo, atento aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade e na esteira de precedentes desta Corte, razoável o valor de R$ 5.000,00 fixado em sentença.


Neste sentido:


CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. Ação de obrigação de fazer cumulada com repetição de indébito e indenização por dano moral. Conexão reconhecida. Sentença de parcial procedência. Réu que não comprovou a contratação de cartão de crédito consignado, tampouco demonstrou que a autora tinha plena ciência de tais condições ou sua utilização. Constituição de RMC que somente poderá ocorrer após a solicitação formal firmada pelo titular do benefício. Não há nos autos qualquer documento a evidenciar solicitação ou autorização expressa da autora para descontos em reserva de margem consignável, conforme determina o artigo 5º da Resolução Normativa do INSS. Devolução dos valores na forma simples e não em dobro, permitida a compensação. Dano moral configurado ante os descontos em benefício previdenciário sem autorização da apelante. Valor arbitrado em R$ 10.000,00 somadas as duas ações. Redução. Descabimento. Razoabilidade e proporcionalidade. Apelação parcialmente provida. (TJSP; 18ª Câmara de Direito Privado; Apelação 1000635-85.2017.8.26.0060; Rel. Des. Jairo Oliveira Junior; j. 11/06/2018) .


3. A devolução dos valores deve ser feita de forma simples.


Respeitado o entendimento do MM. Juiz a quo, não há no caso elementos para acolhimento do pedido de devolução em dobro, visto que, não comprovado o dolo ou má-fé por parte da instituição financeira, ausente, assim, os requisitos necessários para adequação à norma do artigo 940 do Código Civil, ou até mesmo do artigo 42parágrafo único do Código de Defesa do Consumidor.


Nesse sentido:


REPETIÇÃO DE INDÉBITO. Repetição de valores que deve se dar na forma simples ausência de dolo ou culpa grave apelo parcialmente provido quanto a esse aspecto. Resultado: recurso parcialmente provido. (TJ/SP; 15ª Câmara de Direito Privado; Apelação nº 0030931-07.2012.8.26.0344; Rel. Des. Castro Figliolia; j. 31.03.2015).


Portanto, cabe provimento do recurso somente para afastar a

restituição em dobro dos valores descontados.


Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso , nos termos supra citados.


Elói Estevão Troly

Relator