Ato processual antes de interdição não é anulado de forma automática
Quando se reconhece judicialmente a incapacidade para os atos da vida civil, os atos processuais anteriores à interdição podem ser anulados, mas esse reconhecimento depende de provas em ação específica. Com esse entendimento, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou pedido para derrubar citação a uma parte.
A recorrente havia sido citada em 2003, em processo movido por construtora que pedia rescisão contratual e reintegração de posse de imóvel por falta de pagamento de prestações. Após perder a ação, a autora recorreu alegando ser incapaz para o exercício dos atos da vida civil e pediu a nulidade da citação e de todos os atos relacionados.
Ela foi judicialmente interditada em fevereiro de 2004 e, em novembro do ano seguinte, o recurso apresentado para anular o processo foi rejeitado sob o fundamento de que não existia decreto judicial da interdição alegada no momento da citação. O trânsito em julgado do acórdão se deu em maio de 2008.
A Defensoria Pública — curadora especial da autora — recorreu ao STJ alegando que houve citação indevida de incapaz e falta de intimação do Ministério Público. Como a citação da incapaz aconteceu em data anterior à declaração de interdição, o relator, ministro Luis Felipe Salomão, entendeu ser válido o ato processual.
Ele destacou que, no momento em que foi ajuizada a ação de rescisão contratual, ainda não havia sido decretada a interdição da interessada na ação, ou seja, sem previsão de interesse de incapaz e de obrigatoriedade de intervenção do Ministério Público no caso.
Segundo Salomão, a sentença de interdição só produz efeitos a partir do momento em que é proferida, não se limitando a declarar uma incapacidade preexistente da pessoa, mas, também, a constituir uma nova situação jurídica de sujeição do interditado à curatela.
Outra via
O ministro explicou ainda que os atos praticados anteriormente à interdição, quando já existente a incapacidade, até poderiam ser reconhecidos nulos, mas não como efeito automático da sentença de interdição. Para tanto, segundo ele, deve ser proposta ação específica de anulação do ato jurídico, em que deve ser demonstrada que a incapacidade já existia ao tempo de sua realização.
“Ressalte-se que não consta do acórdão recorrido — sequer das alegações da recorrente ou do parecer do Ministério Público Estadual ou Federal — referência a que tenha havido qualquer observação na sentença de interdição acerca do estado anterior da interditada, no sentido da determinação da retroação dos efeitos da decisão. Desta feita, vale para a hipótese a regra geral do efeito ex nunc da sentença de interdição”, ressaltou.
Nulidade processual
O segundo argumento para solicitar a anulação da decisão judicial era a falta de intervenção do Ministério Público no feito. Segundo Salomão, porém, a jurisprudência do STJ entende que, mesmo nas causas em que a intervenção do MP é obrigatória, seria necessário demonstrar prejuízo para que houvesse o reconhecimento da nulidade processual.
Ainda assim, o ministro verificou que o Ministério Público participou dos autos do caso em análise, por três vezes, após denúncia feita por terceiro, de supostas irregularidades no processo.
Para Salomão, somente após ter sido declarada a incapacidade, por sentença proferida nos autos da ação de interdição, é que foi nomeada a curatela definitiva, e a partir daí, a intimação do MP se faria, em tese, necessária, para proteção dos interesses da interditada.
O ministro analisou, também, o assunto sob a perspectiva do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015). Segundo Salomão, devem continuar vigorando as decisões judiciais referentes às interdições anteriores à vigência da norma no que diz respeito aos aspectos patrimoniais e negociais, “sendo imprescindível a atuação dos legitimados para promoção da extinção total dos efeitos da interdição”.
O voto foi seguido pelos demais colegas por unanimidade. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.
REsp 1.694.984