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É possível purgar a mora até a assinatura do auto de arrematação do bem em leilão extrajudicial

23/11/2020 - 08:00

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. CIVIL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE IMÓVEL. LEI N. 9.514/1997. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. APELAÇÃO. DESERÇÃO AFASTADA. EFETIVA COMPROVAÇÃO DO PREPARO NO ATO DE INTERPOSIÇÃO DO RECURSO. PURGAÇÃO DA MORA APÓS A CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE EM NOME DO CREDOR FIDUCIÁRIO. POSSIBILIDADE ANTES DA ENTRADA EM VIGOR DA LEI N. 13.465/2017. APÓS, ASSEGURA-SE AO DEVEDOR FIDUCIANTE APENAS O DIREITO DE PREFERÊNCIA. PRAZO DO LEILÃO EXTRAJUDICIAL. ART. 27 DA LEI N. 9.514/1997. IMPOSIÇÃO LEGAL INERENTE AO RITO DA EXCUÇÃO EXTRAJUDICIAL. INOBSERVÂNCIA. MERA IRREGULARIDADE. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.
1. Convém destacar que o recurso especial foi interposto contra decisão publicada após a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, sendo analisados os pressupostos de admissibilidade recursais à luz do regramento nele previsto (Enunciado Administrativo n. 3/STJ).
2. O propósito recursal cinge-se a definir: i) a possibilidade de purgação da mora, nos contratos de mútuo imobiliário com pacto adjeto de alienação fiduciária, submetidos à Lei n. 9.514/1997, após a consolidação da propriedade em favor do credor fiduciário; e ii) se é decadencial o prazo estabelecido no art. 27 da Lei n. 9.514/1997 para a realização do leilão extrajudicial para a excussão da garantia.
3. Verifica-se que o Tribunal de origem analisou todas as questões relevantes para a solução da lide, de forma fundamentada, não havendo falar em negativa de prestação jurisdicional.
4. A jurisprudência pacífica desta Corte Superior, à luz do CPC/1973, dispõe que o preparo do recurso deve ser comprovado no ato de sua interposição, nos termos do art. 511, com a juntada da guia de recolhimento e do respectivo comprovante de pagamento.
5. Segundo o entendimento do STJ, a purgação da mora, nos contratos de mútuo imobiliário com garantia de alienação fiduciária, submetidos à disciplina da Lei n. 9.514/1997, é admitida no prazo de 15 (quinze) dias, conforme previsão do art. 26, § 1º, da lei de regência, ou a qualquer tempo, até a assinatura do auto de arrematação, com base no art. 34 do Decreto-Lei n. 70/1966, aplicado subsidiariamente às operações de financiamento imobiliário relativas à Lei n. 9.514/1997.
6. Sobrevindo a Lei n. 13.465, de 11/07/2017, que introduziu no art. 27 da Lei n. 9.514/1997 o § 2º-B, não se cogita mais da aplicação subsidiária do Decreto-Lei n. 70/1966, uma vez que, consolidada a propriedade fiduciária em nome do credor fiduciário, descabe ao devedor fiduciante a purgação da mora, sendo-lhe garantido apenas o exercício do direito de preferência na aquisição do bem imóvel objeto de propriedade fiduciária.
7. Desse modo: i) antes da entrada em vigor da Lei n. 13.465/2017, nas situações em que já consolidada a propriedade e purgada a mora nos termos do art. 34 do Decreto-Lei n. 70/1966 (ato jurídico perfeito), impõe-se o desfazimento do ato de consolidação, com a consequente retomada do contrato de financiamento imobiliário; ii) a partir da entrada em vigor da lei nova, nas situações em que consolidada a propriedade, mas não purgada a mora, é assegurado ao devedor fiduciante tão somente o exercício do direito de preferência previsto no § 2º-B do art. 27 da Lei n. 9.514/1997.
8. O prazo de 30 (trinta) dias para a promoção do leilão extrajudicial contido no art. 27 da Lei n. 9.514/1997, por não se referir ao exercício de um direito potestativo do credor fiduciário, mas à observância de uma imposição legal - inerente ao próprio rito de execução extrajudicial da garantia -, não é decadencial, de forma que a sua extrapolação não extingue a obrigação de alienar o bem imóvel nem restaura o status quo ante das partes, acarretando apenas mera irregularidade, a impedir tão somente o agravamento da situação do fiduciante decorrente da demora imputável exclusivamente ao fiduciário.
9. Recurso especial parcialmente provido.

(REsp 1649595/RS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/10/2020, DJe 16/10/2020)

INTEIRO TEOR

RECURSO ESPECIAL Nº 1.649.595 - RS (2017/0015335-0) RELATOR : MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE RECORRENTE : RAQUEL PEREIRA RIBEIRO DE AVILA RECORRENTE : LUCIANO LAGOS DE AVILA
ADVOGADO : EVERTON BALSIMELLI STAUB - SC018826 RECORRIDO : CAIXA ECONÔMICA FEDERAL ADVOGADOS : LEANDRO DA SILVA SOARES - DF014499
CLÁUDIO GEHRKE BRANDÃO - RS031762
DENISE MARQUES DE FARIA E OUTRO(S) - SC030457B


EMENTA


RECURSO ESPECIAL. CIVIL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE IMÓVEL. LEI N. 9.514/1997. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. APELAÇÃO. DESERÇÃO AFASTADA. EFETIVA COMPROVAÇÃO DO PREPARO NO ATO DE INTERPOSIÇÃO DO RECURSO. PURGAÇÃO DA MORA APÓS A CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE EM NOME DO CREDOR FIDUCIÁRIO. POSSIBILIDADE ANTES DA ENTRADA EM VIGOR DA LEI N. 13.465/2017. APÓS, ASSEGURA-SE AO DEVEDOR FIDUCIANTE APENAS O DIREITO DE PREFERÊNCIA. PRAZO DO LEILÃO EXTRAJUDICIAL. ART. 27 DA LEI N. 9.514/1997. IMPOSIÇÃO LEGAL INERENTE AO RITO DA EXCUÇÃO EXTRAJUDICIAL. INOBSERVÂNCIA. MERA IRREGULARIDADE. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.
1. Convém destacar que o recurso especial foi interposto contra decisão publicada após a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, sendo analisados os pressupostos de admissibilidade recursais à luz do regramento nele previsto (Enunciado Administrativo n. 3/STJ).
2. O propósito recursal cinge-se a definir: i) a possibilidade de purgação da mora, nos contratos de mútuo imobiliário com pacto adjeto de alienação fiduciária, submetidos à Lei n. 9.514/1997, após a consolidação da propriedade em favor do credor fiduciário; e ii) se é decadencial o prazo estabelecido no art. 27 da Lei n. 9.514/1997 para a realização do leilão extrajudicial para a excussão da garantia.
3. Verifica-se que o Tribunal de origem analisou todas as questões relevantes para a solução da lide, de forma fundamentada, não havendo falar em negativa de prestação jurisdicional.
4. A jurisprudência pacífica desta Corte Superior, à luz do CPC/1973, dispõe que o preparo do recurso deve ser comprovado no ato de sua interposição, nos termos do art. 511, com a juntada da guia de recolhimento e do respectivo comprovante de pagamento.
5. Segundo o entendimento do STJ, a purgação da mora, nos contratos de mútuo imobiliário com garantia de alienação fiduciária, submetidos à disciplina da Lei n. 9.514/1997, é admitida no prazo de 15 (quinze) dias, conforme previsão do art. 26, § 1º, da lei de regência, ou a qualquer tempo, até a assinatura do auto de arrematação, com base no art. 34 do Decreto-Lei n. 70/1966, aplicado subsidiariamente às operações de financiamento imobiliário relativas à Lei n. 9.514/1997.
6. Sobrevindo a Lei n. 13.465, de 11/07/2017, que introduziu no art. 27 da Lei n. 9.514/1997 o § 2º-B, não se cogita mais da aplicação subsidiária do Decreto-Lei n. 70/1966, uma vez que, consolidada a propriedade fiduciária em nome do credor fiduciário, descabe ao devedor fiduciante a purgação da mora, sendo-lhe garantido apenas o exercício do direito de preferência na aquisição do bem imóvel objeto de propriedade fiduciária.
7. Desse modo: i) antes da entrada em vigor da Lei n. 13.465/2017, nas situações em que já consolidada a propriedade e purgada a mora nos termos do art. 34 do Decreto-Lei n. 70/1966 (ato jurídico perfeito), impõe-se o desfazimento do ato de consolidação, com a consequente retomada do contrato de financiamento imobiliário; ii) a partir da entrada em vigor da lei nova, nas situações em que consolidada a propriedade, mas não purgada a mora, é assegurado ao devedor fiduciante tão somente o exercício do direito de preferência previsto no § 2º-B do art. 27 da Lei n. 9.514/1997.
8. O prazo de 30 (trinta) dias para a promoção do leilão extrajudicial contido no art. 27 da Lei n. 9.514/1997, por não se referir ao exercício de um direito potestativo do credor fiduciário, mas à observância de uma imposição legal – inerente ao próprio rito de execução extrajudicial da garantia –, não é decadencial, de forma que a sua extrapolação não extingue a obrigação de alienar o bem imóvel nem restaura o status quo ante das partes, acarretando apenas mera irregularidade, a impedir tão somente o agravamento da situação do fiduciante decorrente da demora imputável exclusivamente ao fiduciário.
9. Recurso especial parcialmente provido.


ACÓRDÃO


Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, Nancy Andrighi, Paulo de Tarso Sanseverino (Presidente) e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 13 de outubro de 2020 (data do julgamento).

MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Relator

RECURSO ESPECIAL Nº 1.649.595 - RS (2017/0015335-0)


RELATÓRIO


O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE:

Trata-se de recurso especial interposto por Raquel Pereira Ribeiro de Ávila e Luciano Lagos de Ávila contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
Denota-se dos autos que os ora recorrentes ajuizaram ação de conhecimento em desfavor de Caixa Econômica Federal, visando a suspensão do leilão extrajudicial do imóvel dado em garantia de alienação fiduciária de mútuo imobiliário, bem como pretendendo a purgação da mora ofertada, a fim de manter a continuidade do contrato de financiamento em todos os seus termos.
Na sentença, o Juízo de primeiro grau julgou procedentes os pedidos.

A Terceira Turma da Corte de origem deu parcial provimento à apelação interposta pela casa bancária, a fim de se reconhecer "o direito dos autores de purgar a mora até a data da venda do imóvel, efetuando o pagamento integral da dívida e sem a reativação do contrato, nos termos da fundamentação" (e-STJ, fl. 445).
O acórdão está assim ementado (e-STJ, fl. 447):

SFH. CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE. PURGA DA MORA.


1. O prazo de 15 dias para purgar a mora e restabelecer o contrato previsto no art. 26 da Lei 9.514/97, se aplica apenas antes da consolidação da propriedade.
2. Com a purga da mora após a consolidação da propriedade e antes da alienação a terceiro, o mutuário tem uma última chance de não perder o imóvel.
3 . A purgação pressupõe o pagamento integral do débito, inclusive dos encargos legais e contratuais, nos termos do art. 26, § 1º, da Lei nº 9.514/97. Não basta pagar as parcelas em atraso com juros e correção monetária. Tem que pagar a integralidade da dívida, acrescida das custas que a instituição financeira dispendeu com Cartório de Registro de Imóveis e notificações.

Os dois embargos de declaração opostos sucessivamente pelos ora demandantes foram rejeitados.
Nas razões do recurso especial (e-STJ, fls. 551-577), interposto com fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucional, os mutuários alegam a existência de divergência jurisprudencial e de violação aos arts. 85, § 14, e 489, § 1º, I, II, III, IV e V, do Código de Processo Civil de 2015; 511 do CPC/1973; 26, § 1º, e 27 da Lei n. 9.514/1997; e 1.245 do Código Civil.
Sustentam, em síntese: i) a ocorrência de negativa de prestação jurisdicional; ii) a deserção do recurso de apelação interposto pela instituição financeira, sendo descabida a intimação para recolhimento, posteriormente, tendo em vista a inaplicabilidade do CPC/2015 nesse ponto; iii) a possibilidade de purgação da mora, antes ou depois de consolidada a propriedade em favor do credor fiduciário, mediante o pagamento dos débitos vencidos e vincendos; iv) a não extinção do contrato de mútuo, de imediato, com a consolidação da propriedade em benefício do credor fiduciário; v) a nulidade do leilão extrajudicial, porquanto designado após o transcurso do prazo decadencial de 30 (trinta) dias; e vi) a impossibilidade de compensação dos honorários.
Sem contrarrazões.

Foi deferido o pedido de tutela provisória apresentado pelos insurgentes e concedido o efeito suspensivo ao recurso especial (e-STJ, fls. 718-723).
É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.649.595 - RS (2017/0015335-0)


VOTO


O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE (RELATOR):

Enfatiza-se, de início, que o recurso especial foi interposto contra decisão publicada após a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, sendo analisados os pressupostos de admissibilidade recursais à luz do regramento nele previsto (Enunciado Administrativo n. 3/STJ).


O propósito recursal consiste em definir: i) a possibilidade de purgação da mora, nos contratos de mútuo imobiliário com pacto adjeto de alienação fiduciária, submetidos à Lei n. 9.514/1997, após a consolidação da propriedade em favor do credor fiduciário; e ii) se é decadencial o prazo estabelecido no art. 27 da Lei n. 9.514/1997 para a realização do leilão extrajudicial para a excussão da garantia.

Da negativa de prestação jurisdicional

Relativamente à suscitada preliminar, fundada em nulidade do aresto hostilizado por deficiência na fundamentação, verifica-se que o Tribunal estadual manifestou-se clara e devidamente acerca de todas as questões precípuas alegadas pelas partes, inexistindo, com isso, negativa de prestação jurisdicional.
Da alegada deserção da apelação interposta pela Caixa Econômica Federal

Com efeito, a jurisprudência pacífica desta Corte Superior, à luz do códex processual revogado (CPC/1973), dispõe que o preparo do recurso deve ser comprovado no ato de sua interposição, nos termos do art. 511, com a juntada da guia de recolhimento e do respectivo comprovante de pagamento.


Nesse sentido: AgRg no AREsp 724.426/ES, Quarta Turma, DJe 23/06/2020; AgInt no REsp 1.624.998/MS, Primeira Turma, DJe 04/06/2019; AgInt no REsp 1.625.933/PA, Segunda Turma, DJe 04/04/2019; e AgInt no AREsp 1.189.921/SP, Terceira Turma, DJe 1º/03/2019.
Na hipótese ora em foco, o TRF da 4ª Região rechaçou a preliminar, asseverando que, "da análise do processo eletrônico de primeiro grau, tenho que está comprovado o recolhimento das custas de distribuição da apelação no Evento 31 (Juntada - GRU Eletrônica paga - Custas Recursais - R$ 658,98 em 20/01/2016)" (e-STJ, fl. 511).

Perscrutando os autos, constata-se que a instituição financeira, de fato, descurou-se de juntar o comprovante de pagamento do seu recurso de apelação.


Ocorre que o próprio Tribunal Regional certificou (e-STJ, fl. 403), em 23/01/2016, ter sido devidamente paga a GRU Eletrônica, em 20/01/2016, ao passo que a apelação só foi interposta, posteriormente, em 25/01/2016, conforme o Evento 32 (e-STJ, fl. 405).


Desse modo, não obstante ser ônus da parte recorrente a devida demonstração do preparo recursal, tem-se que a certidão do TRF da 4ª Região (em que se registrou o efetivo pagamento da guia de recolhimento) emitida antes do protocolo da apelação constitui documento hábil a evidenciar o preparo devido, nos termos em que disposto no art. 511 do CPC/1973.


Da purgação da mora

A princípio, impende registrar que, nos contratos de mútuo imobiliário regidos pela Lei n. 9.514/1997, com pacto adjeto de garantia de alienação fiduciária, quando for vencida e não paga, no todo ou em parte, a dívida, admite-se a purgação da mora pelo devedor fiduciante, no prazo de 15 (quinze) dias contados da sua intimação pelo oficial do competente Registro de Imóveis, mediante o pagamento das prestações vencidas e das que se vencerem até a data do pagamento, acrescidas dos juros e dos encargos contratuais e legais, sob pena de consolidar-se a propriedade em benefício do credor fiduciário.


O caput e o § 1º do art. 26 da lei de regência assim dispõem:

Art. 26. Vencida e não paga, no todo ou em parte, a dívida e constituído em mora o fiduciante, consolidar-se-á, nos termos deste artigo, a propriedade do imóvel em nome do fiduciário.

§ 1º Para os fins do disposto neste artigo, o fiduciante, ou seu representante legal ou procurador regularmente constituído, será intimado, a requerimento do fiduciário, pelo oficial do competente Registro de Imóveis, a satisfazer, no prazo de quinze dias, a prestação vencida e as que se vencerem até a data do pagamento, os juros convencionais, as penalidades e os demais encargos contratuais, os encargos legais, inclusive tributos, as contribuições condominiais imputáveis ao imóvel, além das despesas de cobrança e de intimação.

Consolidando-se a propriedade em nome do credor fiduciário, abre-se a fase de expropriação do imóvel, mediante a realização de leilão público, a fim de alienar-se o bem (art. 27, caput). Inexistindo, no segundo leilão (que pressupõe a realização frustrada do primeiro), lance igual ou superior ao valor equivalente da dívida, das despesas, dos prêmios do seguro, dos encargos legais, inclusive tributos, e das contribuições condominiais, extinguir-se-á a dívida do fiduciante, exonerando-se, por conseguinte, o credor da obrigação de entregar ao devedor o valor proveniente da alienação do imóvel que superar o montante do débito (art. 27, §§ 1º, 2º e 5º).


A fim de corroborar tais premissas, confiram-se os conteúdos normativos dos supracitados dispositivos legais:


Art. 27. Uma vez consolidada a propriedade em seu nome, o fiduciário, no prazo de trinta dias, contados da data do registro de que trata o § 7º do artigo anterior, promoverá público leilão para a alienação do imóvel.

§ 1º Se no primeiro leilão público o maior lance oferecido for inferior ao valor do imóvel, estipulado na forma do inciso VI e do parágrafo único do art. 24 desta Lei, será realizado o segundo leilão nos quinze dias seguintes. (Redação dada pela Lei nº 13.465, de 2017)

§ 2º No segundo leilão, será aceito o maior lance oferecido, desde que igual ou superior ao valor da dívida, das despesas, dos prêmios de seguro, dos encargos legais, inclusive tributos, e das contribuições condominiais.
[...]
§ 5º Se, no segundo leilão, o maior lance oferecido não for igual ou superior ao valor referido no § 2º, considerar-se-á extinta a dívida e exonerado o credor da obrigação de que trata o § 4º.

Delimitado, em síntese, o procedimento a ser observado pelas partes (fiduciante e fiduciário) quando houver o inadimplemento, total ou parcial, da dívida constante do contrato de mútuo imobiliário, exsurge a controvérsia a respeito da possibilidade de purgação da mora após a consolidação da propriedade em nome do credor.


Quanto à temática, a Terceira Turma desta Corte Superior, no julgamento do REsp n. 1.462.210/RS (DJe de 25/11/2014), possibilitou ao devedor fiduciante a purgação da mora, depois de consolidada a propriedade, a qualquer momento, com supedâneo no art. 34 do Decreto-Lei n. 70/1966, enquanto não concretizada a assinatura do auto de arrematação, porquanto cabível a aplicação subsidiária daquela norma (que institui a cédula hipotecária) às operações de financiamento imobiliário sujeitas à Lei n. 9.514/1997 (art. 39, II).


Tal cognição provém do silogismo de que a alienação fiduciária tem por escopo garantir o adimplemento da dívida, não caracterizando um fim em si mesmo, além de a consolidação da propriedade não possuir o condão de integrar, definitivamente, o imóvel no patrimônio do credor, não extinguindo, com isso, o contrato de mútuo.
Eis a ementa do mencionado precedente:

RECURSO ESPECIAL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE COISA IMÓVEL. LEI Nº 9.514/1997. PURGAÇÃO DA MORA APÓS A CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE EM NOME DO CREDOR FIDUCIÁRIO. POSSIBILIDADE. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO DECRETO-LEI Nº 70/1966.
1. Cinge-se a controvérsia a examinar se é possível a purga da mora em contrato de alienação fiduciária de bem imóvel (Lei nº 9.514/1997) quando já consolidada a propriedade em nome do credor fiduciário.
2. No âmbito da alienação fiduciária de imóveis em garantia, o contrato não se extingue por força da consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário, mas, sim, pela alienação em leilão público do bem objeto da alienação fiduciária, após a lavratura do auto de arrematação.
3. Considerando-se que o credor fiduciário, nos termos do art. 27 da Lei nº 9.514/1997, não incorpora o bem alienado em seu patrimônio, que o contrato de mútuo não se extingue com a consolidação da propriedade em nome do fiduciário, que a principal finalidade da alienação fiduciária é o adimplemento da dívida e a ausência de prejuízo para o credor, a purgação da mora até a arrematação não encontra nenhum entrave procedimental, desde que cumpridas todas as exigências previstas no art. 34 do Decreto-Lei nº 70/1966.
4. O devedor pode purgar a mora em 15 (quinze) dias após a intimação prevista no art. 26, § 1º, da Lei nº 9.514/1997, ou a qualquer momento, até a assinatura do auto de arrematação (art. 34 do Decreto-Lei nº 70/1966). Aplicação subsidiária do Decreto-Lei nº 70/1966 às operações de financiamento imobiliário a que se refere a Lei nº 9.514/1997.
5. Recurso especial provido.
(REsp 1462210/RS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/11/2014, DJe 25/11/2014)

A par dessas premissas, destaca-se que a purgação da mora posterior ao prazo quinzenal do art. 26, § 1º, da Lei n. 9.514/1997 não exige o pagamento integral da dívida, com a inclusão dos demais encargos contratuais e legais, sendo necessária tão somente a observância das verbas elencadas no art. 34 do Decreto-Lei n. 70/1966, nestes termos:


Art 34. É lícito ao devedor, a qualquer momento, até a assinatura do auto de arrematação, purgar o débito, totalizado de acordo com o artigo 33, e acrescido ainda dos seguintes encargos:

I - se a purgação se efetuar conforme o parágrafo primeiro do artigo 31, o débito será acrescido das penalidades previstas no contrato de hipoteca, até 10% (dez por cento) do valor do mesmo débito, e da remuneração do agente fiduciário;

II - daí em diante, o débito, para os efeitos de purgação, abrangerá ainda os juros de mora e a correção monetária incidente até o momento da purgação.

Entender de modo diverso, pela ótica de que a purgação da mora após a consolidação da propriedade dar-se-á pela quitação integral da dívida, como afirmado no acórdão recorrido, acarretaria o desvirtuamento do próprio instituto da purgação da mora, cujo escopo consiste em repelir os efeitos deletérios do descumprimento parcial da obrigação, conforme se extrai do teor do art. 401 do Código Civil, in verbis:


Art. 401. Purga-se a mora:
I - por parte do devedor, oferecendo este a prestação mais a importância dos prejuízos decorrentes do dia da oferta;
II - por parte do credor, oferecendo-se este a receber o pagamento e sujeitando-se aos efeitos da mora até a mesma data.

Igualmente asseveram Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald que a "a purgação da mora não se identifica com o cumprimento da obrigação propriamente dito, mas com a oferta da prestação, seja pelo devedor moroso, seja pelo credor, ao aceitar o seu recebimento. Esse entendimento deflui da própria dicção do art. 401 do Código Civil" (Curso de Direito Civil: Obrigações. 13ª ed., Salvador: JusPodivm, 2019, p. 611).

No entanto, a Lei n. 13.465, de 11/07/2017, introduziu o § 2º-B no art. 27 da Lei n. 9.514/1997, positivando em tal diploma normativo o direito de preferência assegurado ao devedor fiduciante na aquisição do imóvel objeto de garantia fiduciária, a ser exercido após a consolidação da propriedade e até a data em que realizado o segundo leilão.
A redação do § 2º-B é a seguinte:

§ 2º-B. Após a averbação da consolidação da propriedade fiduciária no patrimônio do credor fiduciário e até a data da realização do segundo leilão, é assegurado ao devedor fiduciante o direito de preferência para adquirir o imóvel por preço correspondente ao valor da dívida, somado aos encargos e despesas de que trata o § 2o deste artigo, aos valores correspondentes ao imposto sobre transmissão inter vivos e ao laudêmio, se for o caso, pagos para efeito de consolidação da propriedade fiduciária no patrimônio do credor fiduciário, e às despesas inerentes ao procedimento de cobrança e leilão, incumbindo, também, ao devedor fiduciante o pagamento dos encargos tributários e despesas exigíveis para a nova aquisição do imóvel, de que trata este parágrafo, inclusive custas e emolumentos. (Incluído pela Lei n. 13.465, de 2017)

Infere-se, assim, que, com a entrada em vigor da nova lei, não mais se admite a purgação da mora após a consolidação da propriedade em favor do fiduciário.


Não se olvide, ademais, que a lei nova é dotada, em regra, de efeito prospectivo, não alcançando o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada (art. 6º, caput, da LINDB), considerando-se "ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou" (art. 6º, § 1º).


Nesse contexto, perfaz-se que: i) antes da entrada em vigor da Lei n. 13.465/2017, nas situações em que já consolidada a propriedade e purgada a mora nos termos do art. 34 do Decreto-Lei n. 70/1966 (ato jurídico perfeito), impõe-se o desfazimento do ato de consolidação, com a consequente retomada do contrato de financiamento imobiliário; ii) a partir da entrada em vigor da lei nova, nas situações em que consolidada a propriedade, mas não purgada a mora, é assegurado ao devedor fiduciante tão somente o exercício do direito de preferência previsto no § 2º-B do art. 27 da Lei n. 9.514/1997.


No caso em estudo, extrai-se da leitura da sentença que os insurgentes foram constituídos em mora em novembro de 2014, foi averbada a consolidação da propriedade do imóvel em nome da Caixa Econômica Federal em 07/01/2015 e foi purgada a mora ainda em 2015, no curso do feito perante o Juízo de primeiro grau, aperfeiçoando-se, assim, o ato antes da entrada em vigor da Lei n. 13.465/2017.


Ressalte-se que a sentença de procedência dos pedidos dos recorrentes foi prolatada com fundamento no REsp 1.462.210/RS, reconhecendo-se o direito de purgarem a mora. Na oportunidade, enfatizou o Juízo singular que o valor depositado nos autos (R$ 30.000,00 – trinta mil reais) era mais do que suficiente a tal intento (purgação da mora), tendo em vista o montante do débito cobrado extrajudicialmente (R$ 4.555,12 - quatro mil, quinhentos e cinquenta e cinco reais e doze centavos).


Foi parcialmente reformada a sentença pelo TRF da 4ª Região, que entendeu pela possibilidade de purgação da mora, porém, somente mediante o pagamento integral do débito (e-STJ, fl. 444-445).
De rigor, portanto, a modificação do acórdão recorrido, a fim de possibilitar a purgação da mora pelos recorrentes, conforme os ditames do art. 34 do Decreto-Lei n. 70/1966, assim como consignado pelo Juízo de primeiro grau.


Da suposta natureza decadencial do prazo do leilão extrajudicial previsto no art. 27 da Lei n. 9.514/1997


Em princípio, no que diz respeito à ideia de decadência, leciona José Fernando Simão que, "se existir um direito potestativo (que coloca a outra parte em estado de sujeição) que não seja passível de violação e houver um prazo para seu exercício, este é decadencial" (SIMÃO, José Fernando. Prescrição e decadência: início dos prazos. São Paulo: Atlas, 2013, p. 184).


Elucida, ainda, o citado autor que o direito potestativo (p. 182-184):

[...] se opõe a um estado de sujeição da outra parte da relação jurídica, ou seja, o direito potestativo é exercido independentemente da concordância ou colaboração do sujeito passivo.
[...]
Os direitos potestativos não são passíveis de violação e a eles não corresponde uma prestação.
É a partir da noção de direito potestativo que se chegará ao conceito de decadência. Quanto a lei ou o contrato conceder um prazo para o exercício de um direito potestativo, tal prazo será de natureza decadencial.

De posse do conceito de decadência e dos que lhe são correlatos, cumpre averiguar se é decadencial o prazo de 30 (trinta) dias estabelecido no art. 27 da Lei n. 9.514/1997 para a promoção do leilão público pelo fiduciário.


É consabido que tal espécie de expropriação extrajudicial pressupõe a consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário, segundo o art. 27, caput, da Lei n. 9.514/1997, que assim dispõe:


Art. 27. Uma vez consolidada a propriedade em seu nome, o fiduciário, no prazo de trinta dias, contados da data do registro de que trata o § 7º do artigo anterior, promoverá público leilão para a alienação do imóvel.

Retira-se do texto normativo a interpretação de que a promoção desse leilão não constitui uma faculdade do fiduciário, mas sim um imposição legal, em virtude de uma conduta do fiduciante (o inadimplemento da dívida), não restando outra alternativa àquele, exceto se as partes confluírem para a dação em pagamento prevista no art. 26, § 8º; o devedor purgar a mora nos termos do art. 34 do Decreto-Lei n. 70/1966 (REsp 1.462.210/RS); ou o devedor exercer o direito de preferência constante do art. 27, § 2º-B, da Lei n. 9.514/1997.


Preleciona nessa ótica Melhim Namem Chalhub (Alienação fiduciária: Negócio fiduciário. 5ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 284-285):


Uma vez consolidada a propriedade em nome do fiduciário, este deverá promover leilão público para venda do imóvel, nos trinta dias subsequentes, contados da data do registro da consolidação da propriedade.


É dispensada a realização do leilão, entretanto, caso a propriedade tenha se consolidado por efeito de dação em pagamento (Lei 9.514/1997, art. 26, § 8º) e, ainda, caso o antigo fiduciante exerça seu direito de readquirir a propriedade do imóvel por preço correspondente ao valor do saldo devedor, encargos contratuais e despesas, antes mesmo da realização do leilão; trata-se de direito de preferência passível de ser exercido a partir da data da averbação do segundo leilão, pelo qual o antigo fiduciante pode restaurar o vínculo real que prendia o imóvel a ele, mediante nova aquisição.

Vê-se, desse modo, que a promoção do leilão pelo fiduciário após ultrapassados os 30 (trinta) dias previstos no caput do art. 27 configura mera irregularidade, a qual não tem o condão de desconstituir a propriedade consolidada.

Ressalte-se que, nas operações de financiamento imobiliário, uma vez averbada a consolidação da propriedade fiduciária no competente Registro de Imóveis, referido ato notarial somente pode ser desfeito, caso fundado em algum vício nos procedimentos constantes da Lei 9.514/1997, quando a mácula recair sobre a exigência de notificação do devedor fiduciante, consoante o parágrafo único do art. 30.


Caso se entenda, por outro lado, que a inobservância dos prazos do leilão extrajudicial do art. 27 traria como consequência a incorporação definitiva do imóvel dado em garantia de alienação fiduciária ao patrimônio do credor, estar-se-ia admitindo, por via oblíqua, a celebração do pacto comissório, o qual é expressamente vedado tanto pelo Código Civil (art.1.365, c/c o art. 1.368-A) quanto pela Lei n. 9.514/1997 (art. 26, § 8º).


Conclui-se, assim, que o prazo de 30 (trinta) dias para a promoção do leilão extrajudicial contido no art. 27 da Lei n. 9.514/1997, por não se referir ao exercício de um direito potestativo do credor fiduciário, mas à observância de uma imposição legal – inerente ao próprio rito de execução extrajudicial da garantia –, não é decadencial, de forma que a sua extrapolação não extingue a obrigação de alienar o bem imóvel nem restaura o status quo ante das partes, acarretando apenas mera irregularidade, a impedir tão somente o agravamento da situação do fiduciante decorrente da demora imputável exclusivamente ao fiduciário.


Da compensação dos honorários de sucumbência

Por derradeiro, considerando que o provimento do recurso altera a sucumbência, fica prejudicada a tese acerca do descabimento da compensação dos honorários.
Do dispositivo

Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso especial, a fim de reconhecer aos ora recorrentes o direito de purgarem a mora, conforme os critérios do art. 34 do Decreto-Lei n. 70/1966.


Condeno a ré ao pagamento das custas e dos honorários de sucumbência, os quais fixo em R$ 3.000,00 (três mil reais), com fundamento no art. 20, § 4º, do CPC/1973.


É como voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO TERCEIRA TURMA

Número Registro: 2017/0015335-0 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.649.595 / RS

Números Origem: 50112405520154047200 SC-50112405520154047200
PAUTA: 13/10/2020 JULGADO: 13/10/2020

Relator
Exmo. Sr. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO
Subprocurador-Geral da República Exmo. Sr. Dr. OSNIR BELICE
Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : RAQUEL PEREIRA RIBEIRO DE AVILA RECORRENTE : LUCIANO LAGOS DE AVILA
ADVOGADO : EVERTON BALSIMELLI STAUB - SC018826 RECORRIDO : CAIXA ECONÔMICA FEDERAL ADVOGADOS : CLÁUDIO GEHRKE BRANDÃO - RS031762
DENISE MARQUES DE FARIA E OUTRO(S) - SC030457B
ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Obrigações - Espécies de Contratos - Sistema Financeiro da Habitação

SUSTENTAÇÃO ORAL
Dr. EVERTON BALSIMELLI STAUB, pela parte RECORRENTE: RAQUEL PEREIRA RIBEIRO DE AVILA
Dr. LEANDRO DA SILVA SOARES, pela parte RECORRIDA: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL


CERTIDÃO


Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:


A Terceira Turma, por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.


Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, Nancy Andrighi, Paulo de Tarso Sanseverino (Presidente) e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com o Sr. Ministro Relator.