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É legal o reajuste de seguro de vida por faixa etária após completos 60 anos de idade

27/04/2020 - 18:46


EMENTA


RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL.
CPC/2015. SEGURO DE VIDA EM GRUPO. PRESCRIÇÃO ÂNUA DA PRETENSÃO DE
RESTABELECIMENTO DE APÓLICE EXTINTA. FALTA DE INTERESSE RECURSAL. REAJUSTE PARA
A FAIXA ETÁRIA A PARTIR DE 59 ANOS DE IDADE. ANALOGIA COM LEI DOS PLANOS DE
SAÚDE. DESCABIMENTO. CARÁTER MERAMENTE PATRIMONIAL DO SEGURO DE VIDA. DISTINÇÃO
COM O CONTRATO DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE.

REAJUSTE DO PRÊMIO POR FAIXA ETÁRIA. CABIMENTO. REVISÃO
DO ENTENDIMENTO DESTA TURMA.

1. Controvérsia acerca da validade de cláusula de
reajuste do prêmio por faixa etária em contrato de seguro de vida em grupo.

2. Ausência de interesse recursal no que tange à alegação
de prescrição ânua da pretensão de restabelecimento da apólice extinta, tendo
sido essa pretensão rejeitada expressamente pelo Tribunal de origem.

3. Sinistralidade acentuadamente elevada de segurados
idosos, em virtude dos efeitos naturais do envelhecimento da população.

Doutrina sobre o tema.

4. Existência de norma legal (art. 15 da Lei 9.656/1998)
impondo às operadoras de plano/seguro saúde o dever de compensar esse
"desvio de risco" dos segurados idosos mediante a pulverização dos
custos entre os assistidos mais jovens de modo a manter o valor do prêmio do
seguro saúde dos segurados idosos em montante aquém do que seria devido na
proporção da respectiva sinistralidade. Doutrina sobre o tema.

5. Necessidade de proteção da dignidade da pessoa idosa
no âmbito da assistência privada à saúde.

6. Justificativa eminentemente patrimonial do seguro de
vida em contraste com o fundamento humanitário (dignidade da pessoa humana)
subjacente aos contratos de plano/seguro de saúde.

7. Distinção impeditiva da aplicação, por analogia, da
regra do art.

15 da Lei 9.656/1998 aos contratos de seguro de vida.

8. Ressalva dos contratos de seguro de vida que
estabeleçam alguma forma de compensação do "desvio de risco", como a
formação de reserva técnica para essa finalidade.

9. Julgado recente da QUARTA TURMA nesse sentido.

10. Revisão da jurisprudência da TERCEIRA TURMA.

11. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

(REsp 1816750/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO
SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/11/2019, DJe 03/12/2019)


INTEIRO TEOR


RECURSO ESPECIAL Nº 1.816.750 - SP (2017/0315437-8)
RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO RECORRENTE : COMPANHIA DE SEGUROS
ALIANÇA DO BRASIL ADVOGADOS : PEDRO DA SILVA DINAMARCO E OUTRO(S) - SP126256
HELENA MECHLIN WAJSFELD CICARONI - SP194541 NATALIA FERNANDES SANCHEZ -
SP281891 FLÁVIA BEATRIZ NEVES PIMENTA - SP314331 RECORRIDO : JOSE APARECIDO DE SOUZA
ADVOGADO : ELAINE CRISTINA MONTEZINO NOGUEIRA - SP169347 RECORRIDO : BANCO DO
BRASIL SA ADVOGADOS : JORGE LUIZ REIS FERNANDES E OUTRO(S) - SP220917 LAIS
TOVANI RODRIGUES - SP308402 RODRIGO GARCIA PETRENAS - SP345324 RELATÓRIO O
EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO (Relator): Trata-se de recurso
especial interposto por COMPANHIA DE SEGUROS ALIANÇA DO BRASIL em face de
acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, assim ementado: Seguro
de vida. Ação de revisão contratual cumulada com pedido de repetição de
indébito. Prêmio. Majoração pelo critério da faixa etária, aplicada
cumulativamente com o reajuste anual pelo IGP-M. Legalidade, salvo nas
hipóteses em que o segurado já tenha completado sessenta anos de idade e possua
mais de dez anos de vínculo contratual. Requisitos da hipótese excepcional
presentes na espécie. Majoração abusiva no caso concreto, porém, somente a
partir de 03.06.2010, data em que o segurado completou sessenta anos de idade.
Repetição de indébito. Pretensão que deve ser acolhida apenas parcialmente,
porquanto prescrita a pretensão no que toca ao excedente dos prêmios pagos pelo
segurado anteriormente ao prazo prescricional ânuo que precede o ajuizamento da
ação. Recurso parcialmente provido. (fl. 436) Opostos embargos de declaração
por ambas as partes, foram acolhidos apenas os opostos pelo demandante, para
suprir omissão acerca da improcedência do pedido de indenização por danos
morais (fls. 455/7). Nas razões do recurso especial, a seguradora recorrente
alegou violação dos arts. 178, § 6º, inc. II, e 1.442 do Código Civil de
1916, arts. 166, 169 e 206, § 1º, inc. II, alínea "b", do Código
Civil de 2002, art. 15, § 3º, do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003), art. 15
da Lei 9.656/1998, arts. 2º, 8º, 32 e 35 do Decreto-Lei 73/66 e art. 1.022 do
Código de Processo Civil de 2015, sob os argumentos de: (a) prescrição ânua da
pretensão de restabelecimento da apólice extinta; (b) descabimento da exclusão
dos reajustes por faixa etária a partir do implemento da idade de 60 anos; (c)
distinção entre os contratos de seguro saúde e os de seguro de vida; (d)
validade dos reajustes por faixa etária; e, subsidiariamente, (e) negativa de
prestação jurisdicional; e (f) cômputo do prazo de 10 anos de vínculo
contratual somente a partir da entrada em vigor da Lei 9.656/1998. 


Contrarrazões não apresentadas. 


É o relatório.


RECURSO ESPECIAL Nº 1.816.750 - SP (2017/0315437-8)
RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO RECORRENTE : COMPANHIA DE SEGUROS
ALIANÇA DO BRASIL ADVOGADOS : PEDRO DA SILVA DINAMARCO E OUTRO(S) - SP126256
HELENA MECHLIN WAJSFELD CICARONI - SP194541 NATALIA FERNANDES SANCHEZ -
SP281891 FLÁVIA BEATRIZ NEVES PIMENTA - SP314331 RECORRIDO : JOSE APARECIDO DE
SOUZA ADVOGADO : ELAINE CRISTINA MONTEZINO NOGUEIRA - SP169347 RECORRIDO :
BANCO DO BRASIL SA ADVOGADOS : JORGE LUIZ REIS FERNANDES E OUTRO(S) - SP220917
LAIS TOVANI RODRIGUES - SP308402 RODRIGO GARCIA PETRENAS - SP345324 EMENTA
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CPC/2015. SEGURO DE VIDA EM
GRUPO. PRESCRIÇÃO ÂNUA DA PRETENSÃO DE RESTABELECIMENTO DE APÓLICE EXTINTA.
FALTA DE INTERESSE RECURSAL. REAJUSTE PARA A FAIXA ETÁRIA A PARTIR DE 59 ANOS
DE IDADE. ANALOGIA COM LEI DOS PLANOS DE SAÚDE. DESCABIMENTO. CARÁTER MERAMENTE
PATRIMONIAL DO SEGURO DE VIDA. DISTINÇÃO COM O CONTRATO DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE.
REAJUSTE DO PRÊMIO POR FAIXA ETÁRIA. 

CABIMENTO. REVISÃO DO ENTENDIMENTO DESTA
TURMA. 1. Controvérsia acerca da validade de cláusula de reajuste do prêmio por
faixa etária em contrato de seguro de vida em grupo. 2. Ausência de interesse
recursal no que tange à alegação de prescrição ânua da pretensão de
restabelecimento da apólice extinta, tendo sido essa pretensão rejeitada
expressamente pelo Tribunal de origem. 3. Sinistralidade acentuadamente elevada
de segurados idosos, em virtude dos efeitos naturais do envelhecimento da
população. Doutrina sobre o tema. 4. Existência de norma legal (art. 15 da Lei
9.656/1998) impondo às operadoras de plano/seguro saúde o dever de compensar
esse "desvio de risco" dos segurados idosos mediante a pulverização
dos custos entre os assistidos mais jovens de modo a manter o valor do
prêmio do seguro saúde dos segurados idosos em montante aquém do que seria
devido na proporção da respectiva sinistralidade. Doutrina sobre o tema. 5.
Necessidade de proteção da dignidade da pessoa idosa no âmbito da assistência
privada à saúde. 6. Justificativa eminentemente patrimonial do seguro de vida
em contraste com o fundamento humanitário (dignidade da pessoa humana)
subjacente aos contratos de plano/seguro de saúde. 7. Distinção impeditiva da
aplicação, por analogia, da regra do art. 15 da Lei 9.656/1998 aos contratos de
seguro de vida. 8. Ressalva dos contratos de seguro de vida que estabeleçam
alguma forma de compensação do "desvio de risco", como a formação de
reserva técnica para essa finalidade. 9. Julgado recente da QUARTA TURMA nesse
sentido. 10. Revisão da jurisprudência da TERCEIRA TURMA. 11. RECURSO ESPECIAL
PROVIDO.


VOTO O EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO
(Relator):


Eminentes colegas, o recurso especial merece ser provido.
Relatam os autos que o autor da demanda, nascido em setembro de 1932, celebrou,
em abril de 1994, contrato de seguro de vida em grupo (Apólice VG nº 5.901),
com previsão de reajustes trimestrais pela TR (taxa referencial). Em abril de
1997, essa apólice foi substituída/modificada pela Apólice nº 9300000040,
prevendo reajuste anual pelo IGP-M. Em abril de 2002, houve outra substituição/modificação,
agora para as Apólices n. 411678434 e 093.00-13.018. No período de 2002 a 2014,
o autor da demanda relatou ter sofrido reajuste do prêmio de cerca de
500%, ao passo que o reajuste do capital segurado no mesmo período teria sido
de apenas 40%, fato que evidenciaria a prática de reajuste por faixa etária. Em
novembro de 2014, ajuizou a demanda que deu origem ao presente recurso,
pleiteando a nulidade da cláusula de reajuste por faixa etária e da cláusula de
resilição unilateral do contrato, e pretendendo a repetição dos valores pagos a
maior, além de indenização por danos morais. No curso do processo, o autor da
demanda exerceu seu direito à resilição do contrato (fl. 362), remanescendo a
pretensão de repetição de valores supostamente pagos a maior durante a vigência
do contrato. O juízo de origem julgou improcedentes os pedidos sob o
fundamento, em síntese, de que valor do prêmio deve ser proporcional à
sinistralidade do grupo de segurados, não havendo, portanto, abusividade na
cláusula de reajuste por faixa etária (fl. 362). O Tribunal de origem, em
apelação, reformou a sentença para declarar abusivos os reajustes por faixa
etária a partir da data em que o segurado implementou a idade de 60 anos de
idade, em 1992, bem como para condenar a seguradora a restituir os valores
pagos a maior a partir de março de 2014. Feita essa breve retrospectiva do
processo, passo à apreciação da controvérsia. Inicialmente, vislumbra-se
carência de interesse recursal no que tange à alegação de prescrição ânua da
pretensão de restabelecimento da apólice extinta, pois essa pretensão foi
rejeitada expressamente pelo Tribunal de origem, conforme se verifica no
seguinte trecho do acórdão recorrido, litteris:

Inicialmente, importa registrar que não
assiste razão ao apelante quando alega ter havido alteração unilateral do
contrato de seguro de vida, eis que, o que verdadeiramente ocorreu, foi a não
renovação da apólice do seguro Ouro Vida, à qual o segurado aderiu em abril de
1994 e a contratação de novo seguro, Ouro Vida Grupo Especial,
com vigência a partir de abril de 2002 (fls. 229/233). Ressalta-se que o
recorrente foi devidamente informado da não renovação da apólice contratada em
1994, ocasião em que lhe foi oferecido o novo produto, cuja contratação foi por
ele aceita livremente. (fl. 438)


De outra parte, no que tange à controvérsia acerca da
validade dos reajustes por faixa etária, observa-se que o fundamento acolhido
pelo Tribunal de origem para a reforma da sentença não foi o da abusividade de
todo e qualquer reajuste por faixa etária, mas tão somente do reajuste previsto
para a faixa etária a partir dos 59 anos de idade, para segurados com mais de
10 anos de vínculo contratual. Confira-se, a propósito, o seguinte trecho do
acórdão recorrido:


É certo que das condições gerais do seguro de
vida contratado em 2002 consta cláusula que prevê o aumento do valor do prêmio
conforme a faixa etária. A priori, não se entrevê
nenhuma ilegalidade ou abusividade na previsão contratual
 de
reenquadramento do prêmio do contrato de seguro de vida, conforme a idade do
segurado. De fato, o aumento do valor do prêmio segundo a faixa etária do
segurado tem por finalidade assegurar o equilíbrio contratual ante o inegável
aumento do risco. .......................................................
Assim, conquanto este Relator tenha decidido em precedente desta Câmara pela
legalidade do aumento do prêmio do seguro segundo o critério da faixa etária do
segurado, sem qualquer ressalva quanto aos contratos
firmados há mais de dez
 anos e em que os segurados já tenham atingido
idade de sessenta anos, modifiquei meu
entendimento para adequá-lo à mais recente orientação do Superior Tribunal de
Justiça, incumbido de velar pela uniformidade da aplicação da lei federal.
(fls. 437/9, sem grifos no original)


Esse entendimento pela abusividade do reajuste para faixa
etária a partir dos 59 anos de idade para os segurados com mais de 10 anos de
vínculo foi firmado na jurisprudência desta TURMA por meio da aplicação, por
analogia, a Lei dos Planos de Saúde (Lei 9.656/1998), que assim dispõe em
seu art. 15, parágrafo único, abaixo transcrito (com a redação dada pela MP
2.177-44/2001):


Art.
15.
 A variação das contraprestações
pecuniárias estabelecidas nos contratos de produtos de que tratam o inciso I e
o § 1º do art. 1º desta Lei, em razão da idade do consumidor, somente poderá
ocorrer caso estejam previstas no contrato inicial as faixas etárias e os
percentuais de reajustes incidentes em cada uma delas, conforme normas
expedidas pela ANS, ressalvado o disposto no art. 35-E.


Parágrafo
único. 
É vedada a variação a que alude o caput para
consumidores com mais de sessenta anos de idade, que participarem dos produtos
de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º, ou sucessores, há mais de dez
anos.


Nesse sentido da aplicação desse enunciado normativo aos
contratos de seguro de vida, confiram-se os seguintes julgados desta TURMA:


RECURSO ESPECIAL. REVISIONAL DE CONTRATO DE SEGURO DE
VIDA. REAJUSTE DO VALOR DO PRÊMIO. MUDANÇA DE FAIXA ETÁRIA. AUSÊNCIA DOS VÍCIOS
ELENCADOS NO ART. 535 DO CPC. ABUSIVIDADE RECONHECIDA LIMITADA ÀS FAIXAS
ETÁRIAS SUPERIORES A 60 ANOS E DESDE QUE CONTE O SEGURADO COM MAIS DE 10 ANOS
DE VÍNCULO. ANALOGIA COM CONTRATO DE PLANO DE SAÚDE. SUCUMBÊNCIA MANTIDA.
PARCIAL PROCEDÊNCIA. 1. Não há violação do disposto no art. 535 do CPC quando o
aresto recorrido adota fundamentação suficiente para dirimir a controvérsia,
sendo desnecessária a manifestação expressa sobre todos os argumentos
apresentados. 2. A cláusula que estabelece o aumento do prêmio do seguro de
acordo com a faixa etária, se mostra abusiva somente após o segurado
complementar 60 anos de idade e ter mais de 10 anos de vínculo contratual.
Precedente. 3. Recurso especial parcialmente provido. (REsp 1376550/RS, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA,
julgado em 28/04/2015, DJe 12/05/2015) 


EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL.
OMISSÃO. OCORRÊNCIA. SEGURO DE VIDA. REAJUSTE POR FAIXA ETÁRIA.
ABUSIVIDADE. LIMITAÇÃO ÀS FAIXAS ETÁRIAS SUPERIORES A 60 ANOS. 1. Abusividade
da cláusula que estabelece fatores de aumento aumento do prêmio do seguro de
acordo com a faixa etária, após o segurado implementar 60 anos de idade e mais
de 10 anos de vínculo contratual. 2. Analogia com os contratos de plano de
saúde (art. 15 da Lei 9.656/98). 3. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PARCIALMENTE
ACOLHIDOS, COM EFEITOS INFRINGENTES. (EDcl no AgRg no REsp 1453941/RS, Rel. Ministro PAULO DE TARSO
SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/11/2014, DJe 04/12/2014)


No âmbito da QUARTA TURMA, porém, a jurisprudência não se
orientou nesse mesmo sentido. Pelo contrário, em julgado recente, posicionou-se
em sentido diverso, orientando-se pela validade da cláusula de reajuste por
faixa etária nos contratos de seguro de vida contratados pelo regime financeiro
da repartição simples. Refiro-me ao seguinte julgado:


AGRAVO INTERNO. CONTRATO DE SEGURO DE VIDA. EM GRUPO.
CARÁTER TEMPORÁRIO. AUSÊNCIA DE FORMAÇÃO DE RESERVA MATEMÁTICA. SISTEMA
FINANCEIRO DE REPARTIÇÃO SIMPLES. CLÁUSULA DE NÃO RENOVAÇÃO. AUSÊNCIA DE
ABUSIVIDADE. REAJUSTE POR IMPLEMENTO DE IDADE. LEGALIDADE. POSSIBILIDADE
DECORRENTE DA PRÓPRIA NATUREZA MUTUALISTA. 1. A Segunda Seção do Superior
Tribunal de Justiça, no recente julgamento do RESP 1.569.927/RS (DJ 2.4.2018),
ratificou a orientação de não ser abusiva a cláusula contratual que prevê a
possibilidade de não renovação automática do seguro de vida em grupo por
qualquer dos contratantes, desde que haja prévia notificação da outra parte. 2.
Nesse mesmo precedente, prevaleceu o entendimento de que, à exceção dos
contratos de seguro de vida individuais, contratados em caráter vitalício ou
plurianual, nos quais há a formação de reserva matemática de benefícios a
conceder, as demais modalidades são geridas sob o regime financeiro de repartição
simples, de modo que os prêmios arrecadados do grupo de segurados ao longo do
período de vigência do contrato destinam-se ao pagamento dos sinistros
ocorridos naquele período. Dessa forma, não há que se falar em reserva
matemática vinculada a cada participante e, portanto, em direito à renovação da
apólice sem a concordância da seguradora, tampouco à restituição dos
prêmios pagos em contraprestação à cobertura do risco no período delimitado no
contrato. 3. A previsão de reajuste por implemento de idade, mediante prévia
comunicação, quando da formalização da estipulação da nova apólice, não
configura procedimento abusivo, sendo decorrente da própria natureza do
contrato. 4. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp 632.992/RS, Rel. Ministra MARIA ISABEL
GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 19/03/2019, DJe 22/03/2019)


Esse recente julgado lança novas luzes sobre o problema
do reajuste por faixa etária em contratos de seguro de vida, impondo-se
revisitar o entendimento desta TERCEIRA TURMA. Nesse passo, observa-se que o
fator etário integra diretamente o risco tanto do contrato de seguro saúde
quanto do contrato de seguro de vida, pois é intuitivo que o avanço da idade
eleva o risco de sinistro em ambos os contratos. Sobre esse aumento do risco em
função da idade, o economista JOSÉ CECHIN sintetiza o fenômeno nos seguintes
termos:


O segundo fato inconteste da vida é a
progressiva deterioração do corpo e da mente com o passar dos anos. Este fato
não poupa ninguém embora afete diferentemente em velocidade e intensidade os
diferentes indivíduos. (Fatos da vida e o contorno
dos planos de saúde.
 In: Planos de saúde: aspectos jurídicos e
econômicos. Luiz A. F. Carneiro, coord. Rio de Janeiro: Forense, 2012, cap. 9,
p. 203)


Especificamente quanto ao risco de sinistros relacionados
à assistência à saúde, esse economista afirma, com base em dados estatísticos,
que o gasto per capta com procedimentos médicos por pessoas da última faixa
etária (acima de 59 anos) é 6,8 vezes mais alto do que o gasto da primeira (até
18 anos), e supera o dobro do gasto da faixa etária anterior, de 54 a 58 anos (op.
cit., p. 208). 

Para suportar esse "desvio" do padrão de risco
(como o acima apresentado), as seguradoras se utilizam de diversas
técnicas de gestão de risco, assim sintetizadas em obra específica sobre o tema
do risco no contrato de seguro, de autoria de LUIZA MOREIRA PETERSEN: 


Observa-se que a técnica atuarial permite uma
mensuração aproximada do risco, embora possa sofrer alguns desvios. Nesse
sentido, diversas são as medidas adotadas pelo segurador para a correção e
prevenção desses desvios. Entre elas se destacam: (i) a dispersão dos riscos: a
seguradora deve buscar garantir riscos isolados, de modo que um evento não
afete todos os segurados ao mesmo tempo; (ii) pulverização do risco: técnica
através da qual a seguradora limita sua cobertura em um valor, e tudo que
exceder sua capacidade é transferido a outro segurador pelo resseguro ou
cosseguro; (iii) seleção dos riscos (art. 757 CC), a qual permite que o
segurador elimine o fator de risco, seja excluindo a cobertura de riscos
elevados (e.g. de doença preexistente à contratação), seja recusando a proposta
de seguro; e (iv) a formação de reservas técnicas. (O risco no contrato de
seguro. São Paulo: Roncarati, 2018, p. 114) 


No caso dos seguros/planos de saúde, a legislação impõe
às seguradoras uma técnica que mais se aproxima da pulverização do risco, pois
o "desvio de risco" verificado na faixa etária dos assistidos idosos
deve ser suportado, em parte, pelos assistidos mais jovens, numa espécie de
solidariedade intergeracional. 


Sobre essa solidariedade entre gerações, merece
referência, novamente, o estudo do economista JOSÉ CECHIN, no trecho
transcrito, litteris: 


Pelo esquema do pacto entre gerações, os
membros de cada faixa etária são plenamente solidários entre si, e além dessa
solidariedade no grupo etário, há uma solidariedade entre grupos ou gerações -
dos menores de 59 anos de idade para os maiores de 59. Não há como negar a
beleza desse esquema solidário entre gerações. Todos o aceitam porque o fardo
distribuído entre muitos menores de 59 anos de idade é relativamente pequeno
para cada um, mas muito importante para cada dos idosos que ainda são pouco
numerosos. E o aceita também porque todos sabem que seu destino será ser idoso.
(op. cit., p. 220).


Por sua vez, no âmbito dos contratos de seguro de vida,
não há norma impondo às seguradoras a adoção de um ou outra técnica de
compensação do "desvio de risco" dos segurados idosos
("desvio" aqui num sentido mais amplo do que aquele tecnicamente
empregado por LUIZA M. PETERSEN). 


Ante essa ausência de norma específica para a proteção
dos segurados idosos nos contratos de seguro de vida, a jurisprudência desta
TERCEIRA TURMA vinha aplicando, por analogia, a norma do art. 15 da Lei dos
Planos de Saúde. Refletindo melhor sobre essa questão, especialmente
depois do recente julgado da Min.ª MARIA ISABEL GALLOTTI, proponho uma revisão
do entendimento desta TERCEIRA TURMA. 


Deveras, a analogia com a Lei dos Planos de Saúde não
parece adequada para a hipótese dos seguros de vida, porque o direito
assistência à saúde encontra fundamento no princípio da dignidade da pessoa
humana, ao passo que o direito à indenização do seguro de vida não extrapola,
em regra, a esfera patrimonial dos beneficiários desse contrato. 


Cabe deixar claro aqui a distinção entre a perda da vida
pelo segurado (sinistro), e o pagamento do capital segurado aos beneficiários
(indenização), para se afastar, de plano, a tentativa de se estabelecer uma
analogia com base na proximidade entre o direito à vida e o direito à assistência
à saúde. 


Com efeito, o seguro de vida, ao contrário do que a sua
denominação possa sugerir, não protege a vida, mas o patrimônio mediante o
pagamento de uma indenização à família. 


Ainda que se considere, em seguro de vida, a cobertura do
evento invalidez permanente, hipótese em que o capital segurado é destinado ao
próprio segurado, não se identifica, à primeira vista, o fundamento dignidade
da pessoa humana, como no caso da assistência à saúde.


A dignidade da pessoa inválida é assegurada, em primeiro
plano, pela assistência social e pela previdência social, em segundo plano,
pela previdência privada, de modo que o seguro de vida seria apenas um plus em
relação a estes outros instrumentos de proteção da sua dignidade. 


Feitas essas distinções, que, a meu ver, impedem a
analogia entre o seguro saúde e o seguro de vida, não se encontra no
ordenamento jurídico norma que justifique uma declaração de abusividade da
cláusula contratual que estatua prêmios mais elevados para segurados idosos,
como forma de compensar o desvio de risco observado nesse subgrupo de
segurados. 


Como já aludido, as seguradoras se utilizam de variados
instrumentos de gestão de risco de modo que a escolha de uma ou outra técnica
se insere no âmbito da liberdade contratual, a menos que exista norma em
sentido contrário, como o art. 15 da Lei 9.656/1998, para os planos/seguros de
Saúde. Não havendo norma semelhante no âmbito dos seguros de vida, nada obsta a
que as seguradoras estabeleçam em seus contratos uma cláusula de reajuste por
faixa etária, cobrando um prêmio maior dos segurados idosos, para compensar o
desvio de risco verificado nessa classe de segurados. 


Uma vez eleita essa forma de gestão de risco, eventual
revisão da cláusula para simplesmente eliminar o reajuste da faixa etária dos
idosos abalaria significativamente o equilíbrio financeiro do contrato de
seguro de vida, pois todo o desvio de risco dos idosos passaria a ser suportado
pelo fundo mútuo, sem nenhuma compensação no valor do prêmio. Sobre a equação
financeira do contrato de seguro, valho-me, uma vez mais, das bem lançadas
palavras de LUIZA MOREIRA PETERSEN, litteris:


É essencialmente a partir da combinação da
mutualidade com a técnica atuarial que se estabelece a equação financeira do
contrato de seguro, que o segurador estabelece a equação financeira do contrato
de seguro, que o segurador estabelece o valor do prêmio puro, o qual
corresponde à parcela necessária à cobertura dos sinistros futuros, sendo
composto pelo prêmio estatístico e pelo carregamento da seguradora. Nesse
sistema, em apertada síntese, uma vez constituído o grupo homogêneo de
segurados e provisionado o valor esperado de sinistro, o que ocorre pela
multiplicação da frequência de sinistros pelo valor médio dos sinistros, o
segurador chega ao prêmio estatístico pela divisão do valor esperado de
sinistro entre os segurados que compõe o grupo mutual. Na sequência,
acrescentando ao prêmio estatístico o carregamento de segurança, destinado a
cobrir eventuais desvios e flutuações acima da média, o segurador chega ao
risco puro, à quota parte do segurado na divisão dos custos dos sinistros
futuros entre os membros do grupo. (op. cit., p. 115)


Como se vê nessa passagem, a equação financeira do
contrato de seguro busca um equilíbrio atuarial entre o valor do prêmio e o
custo dos sinistros futuros, de modo que a revisão do valor do prêmio sem a
correspondente revisão do risco contratado, do capital segurado ou da técnica
de gestão de risco desequilibraria o contrato, em prejuízo do fundo mútuo que
assegura o pagamento das indenizações. 


No mesmo sentido, mas abordando especificamente a questão
do reajuste por faixa etária, merece referência a dissertação de mestrado de
MARCELO DE OLIVERIA BELLUCI, apresentada perante a UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO,
sob orientação da Profª Dr.ª VERA HELENA DE MELLO FRANCO, no trecho abaixo
transcrito: 


Em outras palavras, a priorização excessiva do
consumidor, à medida que analisada em larga escala a influência do Código nas
relações securitárias, enseja, em determinados casos, a desnaturação dos
princípios basilares do contrato de seguro, responsáveis pela manutenção da
estrutura saudável e rentável do sistema, ou seja, não pode a legislação de
consumo disciplinar normas operacionais do contrato de seguro, tais como a
previsão de prazo de vigência da apólice, o enquadramento por faixa etária para
reajuste de prêmio em determinados tipos, a delimitação dos riscos segurados, a
escolha dos riscos segurados, bem como as cláusulas limitativas de responsabilidade,
dentre outras. (Da aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de
seguro e a quebra do equilíbrio econômico-financeiro. Dissertação de mestrado.
São Paulo, Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, p. 137, 2010, disponível
no
link http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2132/tde-08092011- 082514/ Publico/Marcelo_de_Oliveira_Belluci_Dissertacao_de_Mestrado.pdf,
acesso em 12/09/2019)


Com esses fundamentos, peço vênia aos eminentes colegas
para aderir ao entendimento da egrégia QUARTA TURMA, no julgado acima referido,
no sentido da legalidade, em tese, da cláusula de reajuste por faixa etária em
contrato de seguro de vida, ressalvadas as hipótese em que contrato já tenha
previsto alguma outra técnica de compensação do "desvio de risco" dos
segurados idosos, como nos casos de constituição de reserva técnica para esse
fim, a exemplo dos seguros de vida sob regime da capitalização (em vez da
repartição simples), o que não é o caso dos autos. 


Destarte, o recurso especial merece ser provido para se
restabelecer os comandos da sentença de improcedência do pedido
revisional. 


Ante o exposto, voto no sentido de DAR
PROVIMENTO ao recurso especial para julgar improcedentes os pedidos,
restabelecendo-se os comandos da sentença de fls. 360/2.


É o voto