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Operação Lava-Jato: os reflexos do deslocamento da competência para a Justiça Eleitoral

01/04/2019 - 09:50

Contexto histórico


Em meio a deflagração da 51ª fase da
Operação Lava-Jato, o ilustre Ministro Marco Aurélio Mello, proferiu decisão em
que declinou a competência do Supremo Tribunal Federal para a primeira
instância da Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em que o atual Deputado
Federal Pedro Paulo Carvalho Teixeira estava sendo investigado pelos crimes de
corrupção ativa, corrupção passiva, ocultação de bens ou valores provenientes
de crime e evasão de divisas.


Segundo consta do voto do Ministro,
os fatos sob investigação foram supostamente praticados durante o ano de 2010,
período em que Pedro Paulo Carvalho ocupava o cargo de deputado estadual, bem
como que os valores auferidos ilegalmente eram destinados à campanha da
Prefeitura do Rio de Janeiro, razão pela qual a Suprema Corte não detinha
competência para investigação e julgamento.


Inconformada, a Defesa do deputado
agravou da decisão, buscando que a investigação fosse mantida no Supremo
Tribunal Federal, pois os fatos não correspondiam à campanha para prefeitura do
município do Rio de Janeiro, mas sim à reeleição de Pedro Paulo ao cargo de
deputado federal. Alternativamente, afirmaram que os delitos possuíam conotação
eleitoral, postulando a remessa do presente inquérito para a Justiça Eleitoral,
detentora da competência especializada e crimes conexos.


E foi assim, nesse contexto
jurídico-político, que o Supremo Tribunal Federal foi incitado a analisar se a
Justiça Eleitoral seria a justiça competente para julgamento dos crimes comuns
quando em conexão com delitos eleitorais. 


Definindo
a competência criminal


Na seara criminal, o Código de
Processo Penal em seu art. 69 estipula quais serão os critérios para a fixação
da competência, quais sejam: lugar da infração, domicílio ou residência do réu,
natureza da infração, distribuição, conexão ou continência, prevenção e
prerrogativa de função.


Doutrinariamente, de forma mais
abstrata, a divisão é feita em competência ratione
persona
(quanto à pessoa), ratione
materiae
(quanto à matéria) e ratione
loci
(quanto ao local da infração).


AVENA (p. 621, 2017) esclarece que
tais critérios são os principais, existindo ainda o alternativo ou facultativo
(domicílio ou residência do réu), e também critérios secundários, quais sejam: prevenção, normas de organização judiciária, distribuição e
conexão/continência.


Essa divisão transparece a ordem de
observância dos critérios, isto é, apenas serão observados os critérios
alternativo ou facultativo e os secundários quando os principais forem
insuficientes para a determinação da competência (AVENA, p. 623, 2017).


Contudo, importante notar que os
critérios de conexão e continência independem dessa análise,
já que são elementos modificadores de uma competência anteriormente
estabelecida. Nesse cenário é que se deu o conflito decidido pelo STF, análise
quanto ao critério de conexão. Como já dito, a conexão modifica a competência
anteriormente estipulada.


No entanto, a partir dessa
conclusão, surge uma nova celeuma: Mas e quando os crimes conexos se diferem
quanto à matéria?


Explica-se: os crimes eleitorais são
julgados pela Justiça Eleitoral, os crimes militares, pela Justiça Militar, e
os crimes comuns, pela Justiça Comum, obedecendo ao critério ratione materiae. Se o crime comum é
conexo ao crime eleitoral, então qual justiça deverá atrair a competência de
julgar ambos os crimes? O Código de Processo Penal, em seu art. 78, inciso IV,
traz a resposta: “no concurso entre a
jurisdição comum e a especial, prevalecerá esta
”.


Entre os pontos abordados pelo STF
está a natureza dos crimes discutidos no caso em questão (se são ou não
eleitorais e/ou conexos a este), e se deve haver cisão entre os processos, de
forma que aqueles que não possuam natureza especializada, sejam julgados pela
Justiça Comum Estadual ou Federal.


Segundo àqueles que eram a favor da
cisão do julgamento, a competência da Justiça Comum era estabelecida no âmbito
da Constituição Federal, enquanto que a da Justiça Eleitoral no Código
Eleitoral - lei infraconstitucional. Logo, as disposições deste não poderiam
modificar a Carta Magna.

Os que divergiram desta linha de
pensamento, afirmaram que a ressalva à competência da Justiça Eleitoral é feita
na própria Constituição, em seu artigo 109, inciso IV, que lastreia a
competência da Justiça Federal nos seguintes termos:


Art. 109. Aos juízes federais
compete processar e julgar:

[...]

IV – os crimes políticos e as
infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da
União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as
contravenções e ressalvada a competência
da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;
(grifamos)


Vale ainda lembrar que o art. 121,
também da Constituição, estipula ser matéria de Lei Complementar a disposição
da competência da Justiça Eleitoral. No julgamento da matéria pelo Supremo
Tribunal Federal, foi lembrado que tal entendimento não é novo e acompanha a
lógica constitucional desde 1934, razão pela qual cairia por terra o argumento
de que lei infraconstitucional não poderia “sobrepor” à Constituição Federal.


Não se trata de sobreposição de
leis, mas sim de previsão constitucional estabelecendo que a competência seria
definida por lei complementar, ou seja, como o próprio nome já diz, uma lei que
complementaria as disposições estabelecidas pela Constituição Federal.


A
consolidação do entendimento


No STJ o debate foi acirrado e
encerrou-se com 6 a 5 votos, firmando-se a tese de que os crimes comuns conexos
aos eleitorais deveriam ser julgados pela Justiça Eleitoral. Tal entendimento,
segundo os que aderiram à corrente prevalecente, não é novidade no ordenamento
jurídico brasileiro.


Foi trazido à baila que as
Constituições de 1934, 1946, 1967 e 1969 estipulavam ser da Justiça Eleitoral a
competência para julgar os crimes comuns conexos aos eleitorais.


Tal tradição fora quebrada pela
Constituição Federal de 1988 e ainda assim não deixou de ser observada, sendo
colocada em pauta na legislação infraconstitucional. Também foi demonstrado que
o entendimento do Supremo sempre caminhou neste sentido, sendo citados o
conflito de competência 7.033, relatado pelo ministro Sydney Sanches, o
conflito de jurisdição 6.070, cuja relatoria foi do ministro Moreira Alves, e
também pelos recentes julgados proferidos pela 2ª Turma: embargos declaratórios
no agravo regimental na petição 6.820, redator do acórdão ministro Ricardo
Lewandowski e agravo regimental no agravo regimental na petição 6.694, redator
do acórdão ministro Dias Toffoli.


O entendimento encontra suporte
também na Doutrina, como leciona Aury Lopes Jr (p. 261, 2018):


[...] Sempre que tivermos um crime
eleitoral conexo com um crime comum, previsto no Código Penal, a competência
para julgamento de ambos (reunião por força da conexão) será da Justiça
Eleitoral (art. 78, IV).


Vale também citar os ensinamentos de
Noberto Avena (p. 638, 2017):


A Constituição Federal é vaga acerca
da competência da Justiça Eleitoral, limitando-se, no seu art. 121, a dispor
que lei complementar disporá sobre a
organização e competência dos tribunais, dos juízes de direito e das juntas eleitorais.
Considerando essa disciplina e tendo em vista que ainda não foi editada a
referida lei complementar, tem-se
utilizado como balizador dessa competência o art. 35, II, do Código Eleitoral,
quando estabelece que compete aos Juízes Eleitorais processar e julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhe forem
conexos
. (grifos no original)


A tese prevalecente no julgamento do
STF, como demonstrado, não é inédita. O assunto tem sido tratado desta forma
por várias Constituições pretéritas e também entendimento jurisprudencial e
doutrinário.


O
que muda na Operação Lava-Jato?


Os Paladinos da Justiça não cansam
de esbravejar que a decisão do Supremo Tribunal Federal provocará o fim da
Operação Java Jato. Seria um déjà vu? Em meados de maio de 2014, quando o
Ministro Teori Zavascki determinou que a Justiça Federal do Paraná enviasse ao
STF todos os inquéritos e processos relativos ao caso, ouvimos idênticos apelos
e algazarras de que seria o fim da Lava Jato.


De lá para cá, os julgamentos da
Operação Lava Jato continuaram acontecendo, tanto na seara da justiça comum,
quanto no STF àqueles que detêm foro privilegiado.


Ademais, o reconhecimento da
competência da Justiça Eleitoral não incide sobre todos os casos em
investigação ou julgamento, mas tão somente naqueles que tratam de suposta
prática de crime comum conexo com o cometimento de crimes eleitorais.


O que a maioria da população
desconhece – talvez pela própria característica da justiça especializada – é
que os Magistrados da Justiça Eleitoral são juízes e desembargadores de
carreira, assim como na Justiça Comum. Se não há tal desconfiança da República,
ops, Justiça do Paraná, por que haveria de tê-la em relação a Justiça
Eleitoral?


Para nós, afigura-se mais como uma
tentativa de causar pânico na população, que, sem perceber a manobra
alienatória, passa a agredir e subjugar a nossa mais alta Corte, em flagrante
desrespeito à república e à democracia.


REFERÊNCIAS:


AVENA, Noberto. Processo Penal. 9ª ed. rev. e atual. Rio de
Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017.

LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 15ª ed. São
Paulo: Saraiva Educação, 2018.


Escrito por:

Ana Carolina Ferrari

Advogada, atuante em Direito Penal no escritório Lustosa
& Lima Sociedade de Advogados. Especialista em Ciências Criminais pela Rede
LFG e Extensão em Compliance pela FGV. MBA em Gestão e Planejamento de
Escritório de Advocacia. Associada ao Instituto de Estudos Avançados em
Direito, Coordenadora do Núcleo de Compliance. Seu e-mail para contato é: anacarolinabcf.adv@gmail.com


Isabella Nascimento Macedo

Graduanda em Direito pelo Centro Universitário de Goiás –
UNI-Anhanguera, Conselheira Executiva do Instituto de Estudos Avançados em
Direito - IEAD, integrante do núcleo de Direito Penal do IEAD.


Fonte: http://www.institutoead.org/