Skip directly to content

O erro sobre a tipicidade ou sobre a antijuridicidade no direito brasileiro

21/12/2018 - 10:59

1.
INTRODUÇÃO


Inseridos no Código Penal pela lei 7.209/84, os
institutos do erro de tipo e erro de proibição trouxeram ao direito penal não
apenas uma nova linguagem jurídica, mas uma profunda modificação conceitual.


Desde então, a problemática
passou a enfocar outra questão: o erro pode recair sobre a tipicidade ou sobre a antijuridicidade.


Diante da importância destes
institutos o artigo tem por finalidade tratar de forma específica sobre sua
teoria e aplicação na prática, sendo essencial para os autores que atuam na
área, bem como os graduandos e pós-graduandos que desejam uma visão mais
profunda sobre o assunto.


2.
FASES DA EVOLUÇÃO DA TEORIA DO TIPO


No final do século XVIII o
delito foi concebido com todos os elementos e pressupostos de punibilidade. No
entanto, a compreensão do tipo penal como categoria sistemática autônoma, foi
criada por Berling, em 1906.


A mudança no conceito de tipo
proposto por Berling revolucionou o Direito Penal, deixando como marco a
reelaboração do conceito analítico de crime.


Por evolução da teoria do tipo
penal deve-se entender evolução da relação entre a tipicidade e a
antijuridicidade.


Na visão de na visão de Cezar
Bittencourt (1999), a evolução do conceito de tipo pode ser analisada nas
seguintes fases:


1ª:
fase da independência


Tipicidade passa a ter função
meramente descritiva, completamente separada da antijuricidade e da
culpabilidade. A função do tipo passou a ser como definição de delitos e por
esse motivo possui uma característica objetiva e neutra.


2ª:
Fase do ratio cognoscendi da antijuridicidade


Tem
como marco a obra Tratado de Direito Penal, escrita por Mayer, que foi
publicada em 1915. Para ele, a tipicidade não tem apenas função descritiva de
caráter objetivo, mas constitui indicio da antijuridicidade. Mayer chegar a
manter a independência entre tipicidade e antijuridicidade, mas sustenta que o
fato de uma conduta ser típica já representa um indício de sua
antijuridicidade.

Para
facilitar o cumprimento dessa função indiciária, o autor admite a inclusão de
elementos normativos no tipo, que não seriam meramente descritivos, mas juízos
de valor que, de certa forma, prejulgam a antijuridicidade.


3ª:
Fase da ratio essendi da antijuridicidade


Tem por marco a obra Trtado de
Direito Penal, de Mezger, por meio do qual é difundida a estrutura bipartida do
delito. Em sua definição de crime, o autor inclui a tipicidade na
antijuridicidade, de forma que crime, para ele, é a ação tipicamente
antijurídica e culpável.


4ª:
Fase defensiva


Em 1930 Beling reformulou a
sua teoria do tipo, porém mantendo seu papel independente de função descritiva.
Tem como marco sua obra intitulada La Doctrina
del delito tipo
, em que faz a distinção entre tipo de delito e figura
reitora.


5ª:
Fase do finalismo: tipicidade complexa


O tipo passa a ser uma
realidade complexa, formada por uma parte objetiva (tipo objetivo), constituída
pela descrição legal e outra parte subjetiva, composta pela vontade reitora. A
primeira forma o que se chama de componente causal e a segunda o que se
denomina componente final.


3.
TIPO E TIPICIDADE


3.1.
Noção de tipo


Tipo consiste no conjunto dos
elementos do fato punível descrito na lei penal (BITTENCOURT, 1999, p. 34). Ele
exerce tanto uma função limitadora como uma função individualizadora das
condutas humanas consideradas penalmente relevantes. Parte da atividade do
legislador, portanto, e descreve legalmente as ações que ele considera, em
tese, delitivas. É, assim, um modelo abstrato que compreende a descrição dos
elementos que identificam a conduta proibida pela norma.


A tipicidade pertence à conduta. Fato típico é uma conduta
humana que está prevista na norma penal. A tipicidade, por sua vez, diz
respeito à qualidade que se dá a esse fato.

Quando falamos em conduta
típica, devemos ter em mente que se trata da conduta que apresenta característica
específica de tipicidade.


Tipicidade, assim, consiste na
adequação da conduta a um tipo; tipo, a seu turno, diz respeito à fórmula legal
que permite averiguar a tipicidade da conduta.


4.
CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS DO ERRO


O erro que vicia à vontade,
isto é, aquele que causa uma falsa percepção da realidade, tanto pode incidir
sobre os elementos estruturais do delito – erro do tipo – quanto sobre a
ilicitude da ação – erro de proibição.


Para uma melhor compreensão do
atual tratamento do erro jurídico-penal recomenda-se que se ignorem os velhos
conceitos romanísticos de erro de direito e erro de fato. Não se trata, como
pode parecer, simplesmente, de uma nova linguagem jurídica, mas, em verdade, de
institutos diferentes que não guardam, necessariamente, exata correspondência
aos antigos “erro de direito” e “erro de fato”. O “erro de tipo” e o “erro de
proibição” não representam uma simples renovação de normas, mas uma profunda
modificação conceitual. São novas concepções, com novas e maiores abrangências.


O erro de tipo abrange
situações que, outrora, eram classificadas ora como erro de fato, ora como erro
de direito. Por outro lado, o erro de proibição, além de incluir situações
novas (como, por exemplo, a existência ou os limites da legítima defesa), antes
não consideradas, abrange uma série de hipóteses antes classificadas como erro
de direito.


Assim, o erro jurídico-penal,
independentemente de recair sobre situações fáticas ou jurídicas, quando
inevitável, será relevante. Não há, na verdade, coincidência entre os velhos e
os novos conceitos. Mudou toda a sistemática. A ultrapassada classificação de
erro de direito e erro de fato baseava-se na situação jurídica e na situação
fática. A problemática, hoje, é diferente; enfoca-se outra questão: a
tipicidade e antijuridicidade (ilicitude). Ou seja, o erro pode recair sobre a
tipicidade ou sobre a antijuricidade. 


5.
ERRO DE TIPO


Erro
de tipo
é o que recai sobre circunstância que constitui elemento essencial do tipo. É a falsa percepção da realidade sobre um
elemento do crime. É a ignorância ou
a falsa representação de qualquer dos elementos constitutivos do tipo penal. É
indiferente que o objeto do erro se localize no mundo dos fatos, dos conceitos
ou das normas jurídicas. Importa, isso sim, que faça parte da estrutura do tipo
penal. Por exemplo, no crime de calúnia, o agente imputa falsamente a alguém a
autoria de um fato definido como crime que, sinceramente, acredita que tenha
sido praticado. Falta-lhe o conhecimento da elementar típica “falsamente”, uma
condição do tipo. Se o agente não sabia que a imputação era falsa, não há dolo,
excluindo-se a tipicidade, caracterizando o erro de tipo. Igualmente, no crime
de desacato, o agente desconhece que a pessoa contra a qual age
desrespeitosamente é funcionário público, imaginando que se trata de um cidadão
particular normal. Falta-lhe a consciência elementar do tipo “funcionário
público”, desaparecendo o dolo do crime de desacato, podendo configurar, como
forma subsidiária o crime de injúria.


O erro de crime pode ocorrer
nos crimes omissivos impróprios. Por exemplo, o agente desconhece sua condição
de garantidos, ou tem dela errada compreensão. O erro incide sobre a estrutura
do tipo penal omissivo impróprio.


Por exemplo: o agente não
presta socorro, podendo fazê-lo, ignorando que se trata de seu filho, que morre
afogado. Diante disso, incorre em erro sobre elemento do tipo penal omissivo
impróprio, qual seja, a sua posição de garantidor. Outras vezes, o erro pode
recair exatamente sobre a relação causal da ação e o resultado, isto é, a
aberratio causae. Pode ocorrer, muitas vezes, que o autor não perceba, não
anteveja a possibilidade do acontecer causal da conduta realizada. Recordemos
que nos crimes de resultado o tipo compreende a ação, o resultado e o nexo
causal. Por exemplo, desejando matar a vítima por afogamento, joga-a de uma
ponte, na queda esta vem a morrer de fratura no crânio provocada pelo impacto
em uma pedra.


O desvio do curso imaginado
pelo agente não exclui o dolo.
Assim, haverá a atipicidade, por
exclusão do dolo, somente quando o erro for inevitável, mesmo que haja previsão
de modalidade culposa. (No exemplo citado acima, o agente responderá por
homicídio doloso). A vencibilidade do erro de tipo, por sua vez, é determinante
da punição por crime culposo, mas desde que esta modalidade seja tipificada (excepcionalidade do crime
culposo).


6.
ERRO DE PROIBIÇÃO


Erro
de proibição
é o que incide sobre a ilicitude de um comportamento. O agente supõe, por
erro, ser lícita a sua conduta. O objeto do erro não é, pois, nem a lei, nem o
fato, mas a ilicitude, isto é, a contrariedade do fato em relação à lei. O
agente supõe permitida uma conduta proibida. Faz um juízo equivocado
daquilo que lhe é permitido fazer em sociedade.


Falando sobre a incidência do
erro de proibição, é necessário fazer as seguintes colocações:

De acordo com BITENCOURTT, (1997,
p. 145, apud COELHO), “Há que se lembrar sempre estas três considerações
fundamentais: a lei, o fato e a ilicitude. A lei, como proibição, é entidade
moral e abstrata; o fato, como ação, é entidade material e concreta; enquanto a
ilicitude é relação de contradição entre a norma e o fato. Pois bem, o
discutido erro de proibição incide, justamente, sobre este último fator, ou
seja, sobre a relação de contradição do fato com a norma”.


Segundo BITENCOURTT, (1997,
p.145, apud WELZEL), “Quem subtrai coisa que erroneamente supõe ser sua
encontra-se em erro de tipo: não sabe que subtrai coisa alheia; porém, quem
acredita ter o direito de subtrair coisa alheia (v.g o credor frente ao devedor
insolvente) encontra-se em erro sobre a antijuridicidade”.


Ainda é citado por BITENCOURTT
(1997, p. 146, apud MAURACH), “O erro de tipo é o conhecimento de
circunstâncias de fato pertencentes ao tipo legal, com independência de que os
elementos sejam descritivos ou normativos, jurídicos ou fáticos. Erro de
proibição é todo o erro sobre a antijuridicidade de uma ação conhecida como
típica pelo autor”.   


No erro de proibição o sujeito
sabe o que faz, mas supõe erroneamente que sua ação é permitida.

Damásio de Jesus, nessa mesma
linha, mostra-nos bem a distinção entre os dois institutos nos seguintes
exemplos: “Se o sujeito tem cocaína em casa, supondo tratar-se de outra
substância, inócua, trata-se de erro de tipo (art.20); se a tem supondo que o
depósito não é proibido, o tema é de erro de proibição (CP, art. 21)”.


O erro de tipo essencial exclui
sempre o dolo, permitindo, quando for o caso, a punição pelo crime culposo,
pois a culpabilidade permanece intacta. O erro de tipo inevitável exclui,
portanto, a tipicidade, não por falta do tipo objetivo, mas por carência do
tipo subjetivo. Assim, haverá atipicidade por exclusão do dolo.


O erro de proibição, por sua
vez, quando inevitável, exclui a culpabilidade, impedindo a punição a qualquer
título, em razão de não haver crime sem culpabilidade. Se o erro de proibição
for evitável, a punição se impõe, porém, sempre por crime doloso (ou melhor,
sem alterar a natureza do crime, dolosa ou culposa). 


7.
CONCLUSÃO


Em suma: o erro de tipo
divide-se em ERRO DE TIPO ESSENCIAL
e ERRO DE TIPO ACIDENTAL. O primeiro
pode ou não excluir o dolo e a culpa, depende se o fato era evitável ou não. O
segundo não exclui o dolo, e divide-se em erro sobre o objeto, erro sobre a
pessoa, erro na execução (aberratio
ictus e aberratio criminis)
e erro sobre o nexo causal (aberratio causae e dolo geral).


Por outro lado, o erro de
proibição em nada possui semelhança com o erro de tipo, pois a proibição atinge
a culpabilidade (em especial a Potencial
Consciência da Ilicitude
), ou seja, o caráter ilícito da conduta. O erro de
proibição não se confunde com desconhecimento da lei, pois esta significa não
ter conhecimento dos artigos, leis, entre outros, enquanto aquela significa uma
noção comum sobre o permitido e o proibido.


A consequência jurídica está
estampada no art. 21, CP: “O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre
a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá
diminuir a pena de um sexto a um terço”.


8.
BIBLIOGRAFIA


ASSIS TOLEDO, Francisco de. Princípios básicos de Direito
Penal. 4ª ed. São Paulo, Saraiva, 1991, 5ª ed. 2002.

ASSIS TOLEDO, culpabilidade e a problemática do erro
jurídico-penal. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1978.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal. 5ª ed.
São Paulo, Revista dos Tribunais, 1999.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Teoria geral do delito. São
Paulo, Revista dos Tribunais, 1997.

CAPEZ, Fernando & BONFIM, Edilson Mougenot. Direito
Penal: parte geral, São Paulo, Saraiva, 2004.

RODRIGUES, Roberto. Direito Penal Fundamental: parte geral,
Goiânia: Ed. PUC, 6ª edição, 2016.


Shamara Ferreira é
graduanda em Direito pela PUC-GO. Associada ao Instituto de Estudos Avançados
em Direito e membro dos núcleos Universitário, Direito Penal, Direito
Processual Civil e Direito Constitucional. Seu e-mail para contato é:
shamaraferreira2016@gmail.com


Fonte: http://www.institutoead.org/