Da penhorabilidade de penhora do bem de família que pertence ao fiador que garantiu o contrato de locação.
É perceptível a mudança que veio e vem
ocorrendo na plêiade das Leis que normatizam as mais diferentes esferas de
convívio social no Brasil. A legislação pátria sofreu grande alteração com o
advento da Constituição Federal de 1988, dando ênfase ao aspecto social e
influenciando toda uma gama de novas legislações esparsas e até codificadas,
como é o caso do atual Código Civil de 2002.
Imbuída deste sentido social é que em
1990 surgiu a Lei 8.009 de 29 de março de 1990 com intuito de proteger os bens
de família, garantindo assim a sua impenhorabilidade.
Conforme os ditames do seu artigo 1º o
bem imóvel residencial do casal ou da entidade familiar é impenhorável, bem
como todos os bens móveis que guarnecem o lar, as suas benfeitorias e
plantações. Deste modo, estes bens não respondem por dívidas contraídas pelos
seus proprietários.
Por este viés, observa-se que a dada Lei
foi criada tendo um evidente cunho social no ordenamento legislativo em detrimento
do cunho capitalista, embora trouxesse em sua redação originária, mais
especificamente, em seu artigo 3º, seis incisos contendo exceções a
impenhorabilidade do bem de família, tais como, para execução de pensão
alimentícia, cobranças de impostos prediais ou territoriais e outros elencados
em seus incisos.
Com o surgimento em 1991 da Lei que
dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos, a Lei 8.245 de 18 de outubro de
1991, foi incluído mais um inciso ao art. 3º da Lei 8.009/1990, o inciso VII, ditando
que, em caso de execução de obrigação oriunda de fiança concedida em contrato
de locação não pode ser alegada a impenhorabilidade do bem de família. Ou seja,
o bem de família do fiador, de um contrato de locação, passou a ter a
possibilidade de vir a ser penhorado em caso de interposição de ação de execução
por seu inadimplemento.
Observa-se que tal tratamento não é
isonômico com o devedor principal, que persiste podendo alegar a
impenhorabilidade do bem de família em uma ação de execução de contrato de
aluguel.
Com a inclusão do inciso VII, se
vislumbrou uma situação sui generis, onde
o fiador, que não tem qualquer benefício em um contrato de locação, ficou
despido de qualquer proteção sobre os seus bens de família, enquanto o devedor
principal, o locatário, aquele que usufrui do bem locado, pode utilizar tal
prerrogativa.
Instalou-se aí uma desigualdade gritante
que a princípio gerou grandes polêmicas jurisprudenciais e doutrinárias, acerca
inclusive de suposta inconstitucionalidade da alteração legislativa.
Tais polêmicas, posteriormente, foram
superadas por conta das vastas e uníssonas jurisprudências do STJ e STF sobre o
tema, que considera incólume e inatacável tal preceito legislativo.
“FIADOR. Locação. Ação de
despejo. Sentença de procedência. Execução. Responsabilidade solidária pelos
débitos do afiançado. Penhora de seu imóvel residencial. Bem de família.
Admissibilidade. Inexistência de afronta ao direito de moradia, previsto no
art. 6º da CF. Constitucionalidade do art.3º, inc. VII, da Lei nº 8.009/90, com
a redação da Lei nº 8.245/91. Recurso extraordinário desprovido. Votos
vencidos. A penhorabilidade do bem de família do fiador do contrato de locação,
objeto do art. 3º, inc. VII, da Lei nº 8.009, de 23 de março de 1990, com a
redação da Lei nº 8.245, de 15 de outubro de 1991, não ofende o art. 6º da
Constituição da República” (STF. Rec. Extraordinário processo nº. 407688 / SP,
Órgão Julgador: Tribunal Pleno, Rel. Min. CEZAR PELUSO, pub. 06/10/2006.
“AGRAVO REGIMENTAL NOS
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. PENHORABILIDADE. BEM DE FAMÍLIA. LEI 8.009/90. IMÓVEL
LOCADO A TERCEIRO. INEXISTÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE UTILIZAÇÃO DA RENDA NA
SUBSISTÊNCIA DA FAMÍLIA. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA. RECURSO IMPROVIDO. 1. É
pacífico nesta Corte o entendimento de que, nos embargos de divergência, a
decisão embargada e os arestos trazidos a confronto devem guardar semelhança
fática entre si, requisito inocorrente no caso sub examine. 2. O aresto
embargado afastou a impenhorabilidade prevista na Lei 8.009/90, por entender
que a renda auferida com a locação do imóvel de propriedade do devedor não é
utilizada para garantir a subsistência da família, servindo como fonte de
enriquecimento e de complementação de renda; já nos acórdãos tidos por
paradigmas, o devedor, mesmo não residindo no único imóvel que lhe pertence,
utiliza o valor obtido com a locação desse bem, como fonte de renda para o
sustento da família. 3. Agravo improvido” (STJ, AgRg nos EREsp processo nº. 401518 / PR, 2ª segunda seção, Relator(a):
Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, publicado em 12/04/2007).
Portanto, é muito importante que antes
de qualquer pessoa dar o aceite a fiança em um contrato de locação seja
observada e considerada a possibilidade de um possível inadimplemento dos
alugueres por parte do locatário, para assim, o fiador não vir a ter prejuízos
para si e para sua família.
Rafaela Reis - Sócia da RR Advocacia e Consultoria