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Indenização por danos morais em razão de assédio é reduzida conforme peculiaridades do caso concreto

31/07/2018 - 15:32

EMENTA


APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. OFENSAS VERBAIS. CUNHO PRECONCEITUOSO E
PEJORATIVO. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. DEVER DE INDENIZAR
QUE SE RECONHECE. VALOR DO QUANTUN INDENIZATÓRIO REDUZIDO.
Trata-se de ação de indenização por danos morais decorrentes de ofensas verbais de cunho racista perpetradas contra o autor, julgada procedente na origem.
Julgada improcedente a reconvenção oferecida pelo réu contra a parte autora.
Preliminar Cerceamento de defesa Não merece acolhimento a preliminar suscita
pelo réu. A parte requerida foi devidamente intimada do retorno negativo do mandado de intimação de sua testemunha, em duas oportunidades (fl. 88 e 92),
ocasião em que deixou transcorrer in albis o decurso do prazo, sem manifestação
quanto ao interesse da oitiva da testemunha não localizada, motivo pelo qual a
magistrada determinou corretamente a perda da prova. Nulidade Sentença ultra
petita Não há que se falar em decisão ultra petita, pois o pedido inicial refere que condenação em danos morais não seja inferior a 20 salários mínimos, não
limitando o máximo condenatório. Não há que se falar em nulidade e decisão ultra petita. No mérito, a prova revela como fato incontroverso que a parte requerida
dirigiu a palavra a parte... autora proferido-lhe expressões injuriosas e de cunho
preconceituoso, que lhe causaram grande humilhação. Embora não se desconheça que para a configuração do crime de
racismo a prolação da palavra nego veado , assim como seus derivados, não
configure, por si só, o crime de racismo, nem ofensa racial, previsto no artigo 20
Lei nº 7.716/89, outrossim, no caso em tela, o demandado ao chamar o autor de
nego veado acrescentando que Não era racista...só que não gostava de negros...mas gostava de negrinhas , revelou de modo inescondível conteúdo preconceituoso,
pejorativo, de cunho inclusive sexual, do seu agir, ofendendo a honra e a moral d
demandante e de sua família, uma vez que reside no imóvel com sua mãe, senho
de 80 anos, causando-lhe inafastável ofensa moral, passível de reparação pecuniária. A adjetivação preto veado....nego veado....com referência de que gostava de negrinhas tisna a expressão de preconceituosa e pejorativa, al
de ofensiva. Na hipótese concreta dos autos, restando comprovadas as ofensas
proferidas pelo demandado contra a autora, com nítido caráter preconceituoso,
pejorativo, de cunho inclusive sexual ofensivo, provado está o dano moral deste
fato decorrente, tratando-se, pois, de dano in re ipsa. Valorando-se as
peculiaridades da hipótese... concreta e os parâmetros adotados normalmente p
jurisprudência para a fixação de indenização, em hipóteses símiles, minoro o val
da indenização por danos morais para R$ 10.000,00 (...), considerando as
particularidades do caso concreto e a jurisprudência desta Corte em casos
análogos. Precedentes. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA (Apelação Cível Nº 70077711349, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Niwto
Carpes da Silva, Julgado em 28/06/2018).
(TJ-RS - AC: 70077711349 RS, Relator: Niwton Carpes da Silva, Data de
Julgamento: 28/06/2018, Sexta Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da
Justiça do dia 09/07/2018)


INTEIRO TEOR


Nº 70077711349 (Nº CNJ: 0136346-21.2018.8.21.7000)


2018/Cível


APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. OFENSAS VERBAIS. CUNHO PRECONCEITUOSO E PEJORATIVO. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. DEVER DE INDENIZAR QUE SE RECONHECE. VALOR DO QUANTUN INDENIZATÓRIO REDUZIDO.


1) Trata-se de ação de indenização por danos morais decorrentes de ofensas verbais de cunho racista perpetradas contra o autor, julgada procedente na origem. Julgada improcedente a reconvenção oferecida pelo réu contra a parte autora.


2) Preliminar – Cerceamento de defesa – Não merece acolhimento a preliminar suscitada pelo réu. A parte requerida foi devidamente intimada do retorno negativo do mandado de intimação de sua testemunha, em duas oportunidades (fl. 88 e 92), ocasião em que deixou transcorrer “in albis” o decurso do prazo, sem manifestação quanto ao interesse da oitiva da testemunha não localizada, motivo pelo qual a magistrada determinou corretamente a perda da prova.


3) Nulidade – Sentença “ultra petita” – Não há que se falar em decisão ultra petita, pois o pedido inicial refere que a condenação em danos morais não seja inferior a 20 salários mínimos, não limitando o máximo condenatório. Não há que se falar em nulidade e decisão ultra petita.

4) No mérito, a prova revela como fato incontroverso que a parte requerida dirigiu a palavra a parte autora proferido-lhe expressões injuriosas e de cunho preconceituoso, que lhe causaram grande humilhação.


5) Embora não se desconheça que para a configuração do crime de racismo a prolação da palavra “ nego veado ”, assim como seus derivados, não configure, por si só, o crime de racismo, nem ofensa racial, previsto no artigo 20 da Lei nº 7.716/89, outrossim, no caso em tela, o demandado ao chamar o autor de “ nego veado ” acrescentando que “ Não era racisca...só que não gostava de negros...mas gostava de negrinhas ”, revelou de modo inescondível conteúdo preconceituoso, pejorativo, de cunho inclusive sexual, do seu agir, ofendendo a honra e a moral do demandante e de sua família, uma vez que reside no imóvel com sua mãe, senhora de 80 anos, causando-lhe inafastável ofensa moral, passível de reparação pecuniária. A adjetivação “ preto veado....nego veado....com referência de que gostava de negrinhas” tisna a expressão de preconceituosa e pejorativa, além de ofensiva.


6) Na hipótese concreta dos autos, restando comprovadas as ofensas proferidas pelo demandado contra a autora, com nítido caráter preconceituoso, pejorativo, de cunho inclusive sexual ofensivo, provado está o dano moral deste fato decorrente, tratando-se, pois, de dano in re ipsa .


7) Valorando-se as peculiaridades da hipótese concreta e os parâmetros adotados normalmente pela jurisprudência para a fixação de indenização, em hipóteses símiles, minoro o valor da indenização por danos morais para R$ 10.000,00 (...), considerando as particularidades do caso concreto e a jurisprudência desta Corte em casos análogos. Precedentes.


APELAÇAO PARCIALMENTE PROVIDA


Apelação Cível


Sexta Câmara Cível


Nº 70077711349 (Nº CNJ: 0136346-21.2018.8.21.7000)


Comarca de Porto Alegre


MILTON SEVERO DE MENEZES


APELANTE


ROBERTO RODRIGUES SOARES JUNIOR


APELADO


ACÓRDÃO


Vistos, relatados e discutidos os autos.


Acordam os Desembargadores integrantes da Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar parcial PROVIMENTO AO RECURSO DE APELAÇÃO.

Custas na forma da lei.


Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. Luís Augusto Coelho Braga (Presidente) e Des. Ney Wiedemann Neto.


Porto Alegre, 28 de junho de 2018.


DES. NIWTON CARPES DA SILVA,

Relator.


RELATÓRIO


Des. Niwton Carpes da Silva (RELATOR)


ROBERTO RODRIGUES SOARES JUNIOR ingressou com ação indenizatória por danos morais contra MILTON SEVERO DE MENEZES. Narrou que é vizinho do requerido residindo no mesmo condomínio e que as ofensas começaram antes mesmo do demandante e sua mãe mudarem para o mesmo prédio residencial. Aduziu que em uma das visitas ao prédio, acompanhado de sua irmã, deparou-se com o réu pelos corredores, onde foram proferidas palavras de cunho racista para si e de cunho sexuais direcionadas para a sua irmã. Salientou que o condomínio residencial que habitam é de classe média a alta, sendo que o réu refere-se ao autor como pessoa sem condições de morar no referido local, por ser negra. Alegou, ainda, que o réu lhe chama de “negrão veado”, bem como constrange o autor perante a vizinhança “lá vai o preto veado! Aquele negrão lá é veado!


Esse aí além de preto é veado”. Relatou que tais ofensas passaram a ser perpetradas diariamente e, em certas ocasiões, o demandado abordou trabalhadores que iam ao condomínio prestar serviços, dizendo a eles que no condomínio “mora um negrão veado”. Contudo, após situações vexatórias, o autor registrou boletim de ocorrência, ainda assim, as ofensas continuaram. Discorreu acerca dos fundamentos da responsabilidade civil, sustentando que as ofensas cometidas pelo réu lhe causou abalo moral indenizável.


O réu apresentou reconvenção postulando a condenação do autor ao pagamento de indenização por danos morais, por ter lhe imputado prática de crime de racismo. (fls. 25/29).


A sentença julgou procedente a ação e improcedente a reconvenção, condenando o réu ao pagamento de indenização no valor de R$50.000,00 (...), corrigido pelo IPC-A e juros de mora de 1% ao mês, a contar da citação.Sucumbente, arcará o réu/reconvinte com as custas de ambos os feitos e honorários de sucumbência ao procurador do autor/reconvindo, fixados para os dois processos, em 15% do valor da causa. Suspensa a exigibilidade em razão da AJG.(fl. 55).


A parte ré, irresignada, interpõe recurso de apelação. Em suas razões recursais, suscitou, preliminarmente, nulidade da sentença por cerceamento de defesa e por decisão “ultra petita”. No mérito, discorreu sobre a inexistência de ofensa ao autor, tampouco a comprovação dos fatos alegados. Em caso de manutenção da condenação, postulou pela redução do quantun. Requereu, ainda, o provimento da reconvenção, alegando que a parte autora lhe imputou prática de crime de racisco, assedio sexual, homofobia e assedio moral, alegando que restou com sua honra abalada em face do fato ocorrido.


Não foi apresentada contrarrazões.


Os autos vieram-me conclusos em 15/05/2017.


É o relatório.


VOTOS


Des. Niwton Carpes da Silva (RELATOR)


Eminentes colegas. Trata-se, como visto no sumario relatório, de ação de indenização por danos morais decorrentes de ofensas verbais de cunho racista perpetradas contra o autor, julgada procedente na origem e improcedente a reconvenção.


1) Preliminar – Cerceamento de Defesa


Não merece acolhimento a preliminar suscitada pelo réu. A parte requerida foi devidamente intimada do retorno negativo do mandado de intimação de sua testemunha, em duas oportunidades (fl. 88 e 92), ocasião em que deixou transcorrer “ in albis ” o decurso do prazo, sem manifestação quanto ao interesse da oitiva da testemunha arrolada e não localizada, motivo pelo qual a magistrada determinou corretamente a perda da prova.


Neste sentido são os julgados desta Corte, sic:


Apelação Cível. Seguros. DPVAT. Ação de complementação de indenização. Preliminares de nulidade e cerceamento de defesa rejeitadas.Considerando que o exame pericial é imprescindível para o deslinde do feito e que a parte autora foi devidamente intimada, em que pese o AR devidamente assinado nos autos, seu não comparecimento justificável decreta perda da prova, hipótese em que não ocorreu o cerceamento de sua defesa . Mérito. Correção do valor referente à indenização recebida anteriormente. Inexistência de previsão. Improcedência da demanda. À unanimidade, negaram provimento ao apelo. (Apelação Cível Nº 70075177923, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luís Augusto Coelho Braga, Julgado em 26/10/2017)

APELAÇÃO CÍVEL. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. CONTRATO DE FRANQUIA. AÇÕES DE RESCISÃO CONTRATUAL. JULGAMENTO CONJUNTO. CIRCULAR DE OFERTA DE FRANQUIA. AUSÊNCIA DE OFERECIMENTO PELO FRANQUEADOR. PREJUÍZO CONSTATADO. DESCUMPRIMENTO RECÍPROCO DE OBRIGAÇÕES. CASO CONCRETO. 1. Preliminar de cerceamento de defesa rejeitada. Inércia da parte recorrente quando da intimação para justificar a necessidade realização da prova oral postulada. Questão preclusa . 2. A ausência de oferecimento da COF Circular de Oferta de Franquia, por si só, não inquina o negócio de nulidade. 3. Contudo, na hipótese dos autos, a ausência de oferecimento da COF teve relação direta com o insucesso do contrato de franquia. A franqueadora sequer era titular da marca cuja exclusividade era prometida, ainda com pendência de restrição judicial e precária situação financeira justificadora do ajuizamento do pedido de recuperação judicial, o qual pouco tempo depois, foi convolado em falência. 4. Reconhecimento de infração contratual por parte do franqueador que permite a imposição da multa prevista no contrato. Ação proposta pelo franqueado julgada procedente, no ponto. 5. Pedido de indenização por perdas e danos rejeitado, por ausência de demonstração. 6. Infração contratual do franqueado. Evidenciada conduta no sentido da reprodução da marca por semelhança - e do conjunto visual da franqueadora para identificar estabelecimentos no mesmo segmento mercadológico (comércio de calçados e bolsas). 7. Cuidando-se de empresas que atuam no mesmo segmento comercial, é evidente a possibilidade de confusão perante o público consumidor. Manutenção da multa contratual imposta na sentença. 8. Reconhecimento de descumprimento contratual recíproco. PRELIMINAR REJEITADA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (Apelação Cível Nº 70076824036, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Isabel Dias Almeida, Julgado em 25/04/2018)


Desta feita, rejeito a preliminar suscitada.


2) Preliminar – Sentença “Ultra Petita”


Não há que se falar em decisão ultra petita, pois o pedido inicial trazido pela parte autora em sua inicial refere que a condenação da parte requerida ao pagamento de indenização por danos morais não seja inferior a 20 salários mínimos, não limitando o máximo condenatório.


A fim de configurar uma decisao “ ultra petita” é necessário que o julgador tenha alcançado a parte postulante além do que ela pediu, o que não se verifica no caso em comento, uma vez que inexistente nos pedidos iniciais, limitação de valor de indenização, motivo pelo qual o pedido não merece acolhimento.


Nesse sentido são os julgados desta Corte, sic:


APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO. CADASTRAMENTO DO NOME DA PARTE AUTORA EM ÓRGÃO DE RESTRIÇÃO AO CRÉDITO. DANO MORAL. Não CONFIGURADO. SENTENÇA ULTRA PETITA. INOCORRÊNCIA. Caso em que a parte ré não logrou êxito em demonstrar a exigibilidade do débito controvertido pela parte autora. Procedência do pedido. APELO DA PARTE AUTORA DESPROVIDO E APELO DA PARTE RÉ PARCIALMENTE PROVIDO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70077592640, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Sérgio Scarparo, Julgado em 24/05/2018)


Preliminar rejeitada.


3) Do mérito


Quanto ao mérito, consabido que a obrigação de indenizar ocorre quando alguém pratica ato ilícito.

O artigo 927 do Código Civil refere expressamente que “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. No mesmo sentido, o artigo 186 do precitado Diploma Legal menciona que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,violar direito e causar dano a outremainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.


Ao exame dos autos, resta evidente a confirmação das agressões verbais proferidas pelo demandado em desfavor do autor, as quais, concessa venia , são suficientes para causar humilhação e constrangimento.


O fato inclusive é incontroverso, conforme se verifica da leitura da defesa do requerido na fl. 27, salientando que: “as palavras ditas ao autor tinham caráter de “humor”, a fim de quebrar barreira decorrente da chageda do autor e de sua família em um local novo”.


Confortando a tese autoral e a própria defesa do réu, a testemunha Aline Baseggio Rech (ouvida às fls. 75-v/76), afirmou ter presenciado que em meados de dezembro de 2015, quando estava próxima do réu, na rua, ouviu ele falar a seguinte frase para outra pessoa referindo-se ao autor: “Esse aí, lá vai passando o negrão, além de negrão é veado”. Em outro momento, já em janeiro ou fevereiro de 2016, afirmou ter presenciado as mesmas ofensas vindas do réu: “Esse é negrão. Lá vai o negrão”. Referiu que já sabia que o réu atacava o autor.


A testemunha Carlos Eduardo Soares também corroborou com seu depoimento, evidenciando as ofensas prolatadas pelo réu ao autor e sua família.


“....Eu vi na época que eles estavam se mudando para lá a situação de racismo , questão que ele falava, piadas maliciosas. Logo que eles se mudaram para lá, ele falou: " Agora qualquer um pode morar no prédio, até negro vem morar no prédio". Outra vez, em seguida que eles já estavam morando lá, Roberto e a mãe dele, ele tem cadela, saiu para passear com a cadela e as vezes cachorros de outros moradores faziam urina e fezes no pátio e ele dizia: "Isso é coisa de preto. Quando não caga na entrada, caga na saída" e outras situações também que falava coisas absurdas. Eu até dizia para ele não falar ele dizia: "Não tenho nada contra negão, só tenho raiva de quem cortou o rabo deles e ensinou ele a andar", coisas desse tipo que ele falava constantemente e outras coisas constrangedoras. Outra situação que ele colocou na equipe de serviço do prédio, muitas vezes praticamente todos que iam no prédio prestar serviço, como aconteceu com o hidráulico, que veio me perguntar: "É verdade que o negão do 302 é tarado. Porque eu estava fazendo serviço agora e ele disse para cuidar com o negrão grandão que é veado, te cuida com ele". Pessoal que fazia reforma no apartamento de cima, do Maicon eu vi, eu estava lá, dizia:" Cuidado com o negão aí debaixo, que tem um negão ali que é tarado".


A prova testemunhal é farta a comprovar as ofensas proferidas ao autor, com cunho racista, homofóbico e até mesmo sexual, uma vez que se dirigia ao autor o chamando-o de “negro veado” e a sua irmâ de “negrinha”, e que de “negrinhas ele gostava” evidenciando o ilícito e consequentemente o dever de indenizar.


É importante frisar que, embora a simples prolação da palavra “negro veado”, assim como seus derivados, não configure, por si só, o crime de racismo, previsto no artigo 20 da Lei nº 7.716/89 , in casu , o demandado ao chamar o autor, de “negro veado”, fazendo menção de “que não gostava de negros só de negrinhas”, referindo-se a irmã do autor, deixou transpareceu o conteúdo preconceituoso e pejorativo do seu agir, ofendendo a honra e a moral do demandante, causando-lhe inafastável abalo moral passível de reparação pecuniária.


Nesse contexto, entendo que, na hipótese concreta dos autos, restaram comprovadas as ofensas proferidas pelo demandado contra o autor, com nítido caráter preconceituoso, pejorativo e ofensivo, provado está o dano moral deste fato decorrente, tratando-se, pois, de dano in re ipsa .

A propósito, colaciono precedentes jurisprudenciais deste egrégio Tribunal de Justiça, in verbis :


APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. OFENSAS RACISTAS. PRECONCEITO E INTOLERÂNCIA. DANO MORAL CARACTERIZADO.


Da norma processual aplicável ao feito


1. No caso em exame a decisão recorrida foi publicada em período compreendido até 17/03/2016. Assim, segundo os enunciados do Superior Tribunal de Justiça sobre a aplicação do novel Código de Processo Civil, há a incidência da legislação anterior, de acordo com o posicionamento jurídico uniforme daquela Corte, que tem a competência para regular a forma de aplicação da lei federal.


2. A interpretação precitada coaduna com os princípios conformadores da atual legislação processual civil, que dizem respeito a não ocasionar prejuízo à parte ou gerar surpresa a esta com a modificação do procedimento em relação aos atos já efetivados, consoante estabelece o art. 9º, caput, e art. 10, ambos do novel Código Processo Civil.


Mérito do recurso em exame


3. A parte autora logrou comprovar os fatos articulados na exordial, no sentido de que foi ofendida pelos réus, sem que desse causa para aquela conduta desmedida e agressiva.


4. Salienta-se que a palavra “negro”, proferida de forma isolada, não configura o crime de racismo, previsto no artigo 20 da Lei nº 7.716/89 . Contudo, no presente caso, as expressões utilizadas pelos demandados: “tira essa mão preta da moto”, “negrão” e “que se deixasse a moto cair não teria dinheiro para pagar”, demonstram o intuito preconceituoso e depreciativo contra o autor, capaz de causar verdadeiro abalo à honra e dignidade desta, como se o ser humano pudesse ser avaliado e etiquetado pela cor de sua pele ou pela condição econômica e não pela conduta que adota no convívio social.


5. Note-se que as ofensas assacadas calam fundo na alma, pois se traduz no mais vil dos preconceitos, aquele atinente a cor de um ser humano, como se isso pudesse definir o comportamento ético-social de uma pessoa apenas em razão de sua pele, não por sua conduta e ações que pratica, logo, se pudesse ser atribuído o valor de cada um, certamente não é a medida da intolerância que seria o prumo para estabelecer a retidão moral de cada homem ou mulher.


6. É passível de ressarcimento o dano moral causado no caso em exame, decorrente de a autora ter sido ofendida, sem que houvesse injustamente provocado, tal medida abusiva resulta na violação ao dever de respeitar a gama de direitos inerentes a personalidade de cada ser humano, tais como a imagem, o bom nome e a reputação do ofendido.


7. No que tange à prova do dano moral, por se tratar de lesão imaterial, desnecessária a demonstração do prejuízo, na medida em que possui natureza compensatória, minimizando de forma indireta as consequências da conduta da ré, decorrendo aquele do próprio fato. Conduta ilícita do demandado que faz presumir os prejuízos alegados pela parte autora, é o denominado dano moral puro.


8. O valor a ser arbitrado a título de indenização por dano imaterial deve levar em conta o princípio da proporcionalidade, bem como as condições da ofendida, a capacidade econômica do ofensor, além da reprovabilidade da conduta ilícita praticada. Por fim, há que se ter presente que o ressarcimento do dano não se transforme em ganho desmesurado, importando em enriquecimento ilícito. Quantum mantido.


Dos honorários recursais


9. Nos termos do disposto no artigo 85, § 11, do novel Código de Processo Civil, o Colegiado da Corte de Justiça arbitrará honorários advocatícios pelo trabalho adicional prestado pelo causídico neste grau de jurisdição, sendo vedado ultrapassar os respectivos limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º para a fase de conhecimento.


10. Portanto, deveria a parte vencida arcar com honorários recursais da parte vencedora, em atenção à norma processual supracitada, que seriam acrescidos à sucumbência fixada na sentença em primeiro grau a título de verba sucumbencial.


11. No entanto, em razão da aplicação dos enunciados do Superior Tribunal de Justiça sobre a incidência do novel Código de Processo Civil ao caso em análise, descabe a utilização das normas precitadas que tratam do ônus da sucumbência neste diploma legal.


Negado provimento ao recurso. (Apelação Cível Nº 70068704907, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Luiz Lopes do Canto, Julgado em 31/08/2016)


APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS. OFENSA VERBAL. RACISMO. DEVER DE INDENIZAR CONFIGURADO. QUANTUM REDUZIDO. PRECEDENTES. 


1. Pedido de indenização por danos morais em face de ofensa racista proferida pelo réu contra o autor. Comprovado o fato de o réu ter chamado o autor de negro sujo . 2. Dano moral configurado. A mera pronúncia da expressão negro ou derivados, em regra, não pode ser considerada racismo. Entretanto, no contexto em que ocorridos os fatos, percebe-se que o réu se referiu pejorativamente ao autor, em nítido ato discriminatório, gerando, portanto, o dever de indenizar . 3. (...) APELO PARCIALMENTE PROVIDO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70051660983, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Iris Helena Medeiros Nogueira, Julgado em 14/11/2012)


Logo, provado o fato básico, isto é, o ponto de apoio, provado está o dano, suporte fático do dever de reparar o dano. Isso se infere da convivência societária natural, a qual prima pelo respeito à dignidade de cada ser humano. Cabe ao autor provar o fato básico e alegar a conseqüência natural, o fato-conseqüência.


Presentes, pois, os pressupostos na responsabilidade civil (o dano, o nexo de causalidade e a conduta ilícita do réu), impõe-se reconhecer o dever de indenizar.


No que diz respeito à fixação do quantum debeatur da indenização, deve o juiz ter em mente o princípio de que o dano moral não pode ser fonte de lucro, posto que extrapatrimonial, fundado na dor, no sentimento de perda e na diminuição da auto-estima pessoal e familiar, no caso em comento. A indenização, não há dúvida, deve ser suficiente para reparar o dano, o mais completamente possível, e nada mais. Qualquer quantia a maior importará enriquecimento sem causa, ensejador de novo dano. O valor a ser arbitrado deve ser compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e duração do sofrimento experimentado pela vítima, a capacidade econômica do causador do dano, as condições sociais do ofendido, e outras circunstâncias mais que se fizerem presentes.


Nesse sentido, valho-me da lição de Sérgio Cavalieri Filho , ipsis litteris :


Não há realmente, outro meio mais eficiente para fixar o dano moral a não ser o arbitramento judicial. Cabe ao Juiz, de acordo com o seu prudente arbítrio, atentando para a repercussão do dano e a possibilidade econômica do ofensor, estimar uma quantia a título de reparação pelo dano moral.


(...)


Creio que na fixação do quantum debeatur da indenização, mormente tratando-se de lucro cessante e dano moral, deve o Juiz ter em mente o princípio de que o dano não pode ser fonte de lucro. A indenização, não há dúvida, deve ser suficiente para reparar o dano, o mais completamente possível, e nada mais. Qualquer quantia a maior importará em enriquecimento sem causa, ensejador de novo dano.


Creio, também, que este é outro ponto onde o princípio da lógica do razoável deve ser a bússola norteadora do julgador. Razoável é aquilo que é sensato, comedido, moderado; que guarda uma certa proporcionalidade. A razoabilidade é o critério que permite cotejar meios e fins, causas e conseqüências, de modo a aferir a lógica da decisão. Para que a decisão seja razoável é necessário que a conclusão nela estabelecida seja adequada aos motivos que a determinaram; que os meios escolhidos sejam compatíveis com os fins visados; que a sanção seja proporcional ao dano. Importa dizer que o juiz, ao valorar o dano moral, deve arbitrar uma quantia que, de acordo com o seu prudente arbítrio, seja compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e duração do sofrimento experimentado pela vítima, a capacidade econômica do causador do dano, as condições sociais do ofendido, e outras circunstâncias mais que se fizerem presentes.


Portanto, valorando-se as peculiaridades da hipótese concreta, bem como os parâmetros adotados normalmente pela jurisprudência para a fixação de indenização, em hipóteses símiles, tenho por reduzir o valor do quantum a título de indenização por danos morais para R$ 10.000,00 (...), uma vez que a indenização por dano moral não deve ser irrisória, de modo a fomentar a recidiva, porém, deve ser apto a ser sentido como uma sanção pelo ato ilícito, sem que, contudo, represente enriquecimento ilícito à vítima.


Nesse sentido, os precedentes jurisprudenciais, ipsis litteris :


AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO - EXAME DO MÉRITO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO - POSSIBILIDADE - INDENIZAÇÃO - OFENSAS VERBAIS - DANO MORAL - QUANTUM - RAZOABILIDADE - VERBA HONORÁRIA - SÚMULA 7/STJ - RECURSO IMPROVIDO. (AgRg no Ag 1398788/RJ, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 07/02/2012, DJe 14/02/2012).


Obs.“ Na hipótese, o valor fixado pelo Tribunal de origem em R$ 6.000,00 (seis mil reais ), a título de dano moral, em razão do ofensa dirigida ao recorrente em programa de rádio, não é irrisório . Assim, é de rigor a manutenção do valor da condenação.”


RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. OFENSA DE CUNHO RACIAL. DANOS MORAIS: OCORRÊNCIA. QUANTUM.


1. Caso em que demonstrado que o autor foi vítima de ofensas verbais de cunho racial proferidas pelo réu.


2. Provas testemunhais que, embora conflitantes, demonstram ser a versão do autor mais coerente com a realidade.


3. Danos morais in re ipsa. Ausente sistema de tarifamento, a fixação do montante indenizatório ao dano extrapatrimonial está adstrita ao prudente arbítrio do juiz. Valor reduzido para R$ 7.000,00 (sete mil reais).


APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70063724264, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Alberto Schreiner Pestana, Julgado em 02/04/2015)


Acrescente-se, por outro lado, que o valor arbitrado a título de indenização por danos morais deve ser corrigido monetariamente pelo IGP-M, desde a data do arbitramento, consoante Súmula nº 362 do STJ, e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês a contar da citação, consoante dispõe o artigo 405 do Código Civil c/c artigo 240 Código de Processo Civil.


Dessa feita, dou parcial provimento ao recurso da parte ré, apenas para minorar o quantun indenizatório, negando provimento ao pedido de procedência da reconvenção, por todas as razões suso lançadas neste acórdão.


Por conseguinte, considerando os comemorativos do caso concreto, voto para negar provimento ao pedido de procedência da reconvenção e dar parcial provimento ao apelo do réu somente para minorar o valor do dano para R$10.000,00 (...), corrigido monetariamente e acrescido de juros legais, nos termos da fundamentação. Mantenho os ônus sucumbenciais arbitrados na sentença para as duas demandas. Majoro o valor dos honorários a ser suportado pelo requeridos, nas duas demandas para 20% sobre o valor da causa, nos termos do art. 85, § 11 do CPC. Suspensa a exigibilidade em face do réu litigar sob o manto da AJG.


POSTO ISSO, dou parcial provimento à apelação.


É como voto.


Des. Luís Augusto Coelho Braga (PRESIDENTE) - De acordo com o (a) Relator (a).


Des. Ney Wiedemann Neto - De acordo com o (a) Relator (a).


DES. LUÍS AUGUSTO COELHO BRAGA - Presidente - Apelação Cível nº 70077711349, Comarca de Porto Alegre: "APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. UNÂNIME"


Julgador (a) de 1º Grau: ROSANE WANNER DA SILVA BORDASCH