O erro sobre a tipicidade ou sobre a antijuridicidade no direito brasileiro


1. INTRODUÇÃO
Inseridos no Código Penal pela lei 7.209/84, os institutos do erro de tipo e erro de proibição trouxeram ao direito penal não apenas uma nova linguagem jurídica, mas uma profunda modificação conceitual.
Desde então, a problemática passou a enfocar outra questão: o erro pode recair sobre a tipicidade ou sobre a antijuridicidade.
Diante da importância destes institutos o artigo tem por finalidade tratar de forma específica sobre sua teoria e aplicação na prática, sendo essencial para os autores que atuam na área, bem como os graduandos e pós-graduandos que desejam uma visão mais profunda sobre o assunto.
2. FASES DA EVOLUÇÃO DA TEORIA DO TIPO
No final do século XVIII o delito foi concebido com todos os elementos e pressupostos de punibilidade. No entanto, a compreensão do tipo penal como categoria sistemática autônoma, foi criada por Berling, em 1906.
A mudança no conceito de tipo proposto por Berling revolucionou o Direito Penal, deixando como marco a reelaboração do conceito analítico de crime.
Por evolução da teoria do tipo penal deve-se entender evolução da relação entre a tipicidade e a antijuridicidade.
Na visão de na visão de Cezar Bittencourt (1999), a evolução do conceito de tipo pode ser analisada nas seguintes fases:
1ª: fase da independência
Tipicidade passa a ter função meramente descritiva, completamente separada da antijuricidade e da culpabilidade. A função do tipo passou a ser como definição de delitos e por esse motivo possui uma característica objetiva e neutra.
2ª: Fase do ratio cognoscendi da antijuridicidade
Tem como marco a obra Tratado de Direito Penal, escrita por Mayer, que foi publicada em 1915. Para ele, a tipicidade não tem apenas função descritiva de caráter objetivo, mas constitui indicio da antijuridicidade. Mayer chegar a manter a independência entre tipicidade e antijuridicidade, mas sustenta que o fato de uma conduta ser típica já representa um indício de sua antijuridicidade.
Para facilitar o cumprimento dessa função indiciária, o autor admite a inclusão de elementos normativos no tipo, que não seriam meramente descritivos, mas juízos de valor que, de certa forma, prejulgam a antijuridicidade.
3ª: Fase da ratio essendi da antijuridicidade
Tem por marco a obra Trtado de Direito Penal, de Mezger, por meio do qual é difundida a estrutura bipartida do delito. Em sua definição de crime, o autor inclui a tipicidade na antijuridicidade, de forma que crime, para ele, é a ação tipicamente antijurídica e culpável.
4ª: Fase defensiva
Em 1930 Beling reformulou a sua teoria do tipo, porém mantendo seu papel independente de função descritiva. Tem como marco sua obra intitulada La Doctrina del delito tipo, em que faz a distinção entre tipo de delito e figura reitora.
5ª: Fase do finalismo: tipicidade complexa
O tipo passa a ser uma realidade complexa, formada por uma parte objetiva (tipo objetivo), constituída pela descrição legal e outra parte subjetiva, composta pela vontade reitora. A primeira forma o que se chama de componente causal e a segunda o que se denomina componente final.
3. TIPO E TIPICIDADE
3.1. Noção de tipo
Tipo consiste no conjunto dos elementos do fato punível descrito na lei penal (BITTENCOURT, 1999, p. 34). Ele exerce tanto uma função limitadora como uma função individualizadora das condutas humanas consideradas penalmente relevantes. Parte da atividade do legislador, portanto, e descreve legalmente as ações que ele considera, em tese, delitivas. É, assim, um modelo abstrato que compreende a descrição dos elementos que identificam a conduta proibida pela norma.
A tipicidade pertence à conduta. Fato típico é uma conduta humana que está prevista na norma penal. A tipicidade, por sua vez, diz respeito à qualidade que se dá a esse fato.
Quando falamos em conduta típica, devemos ter em mente que se trata da conduta que apresenta característica específica de tipicidade.
Tipicidade, assim, consiste na adequação da conduta a um tipo; tipo, a seu turno, diz respeito à fórmula legal que permite averiguar a tipicidade da conduta.
4. CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS DO ERRO
O erro que vicia à vontade, isto é, aquele que causa uma falsa percepção da realidade, tanto pode incidir sobre os elementos estruturais do delito erro do tipo quanto sobre a ilicitude da ação erro de proibição.
Para uma melhor compreensão do atual tratamento do erro jurídico-penal recomenda-se que se ignorem os velhos conceitos romanísticos de erro de direito e erro de fato. Não se trata, como pode parecer, simplesmente, de uma nova linguagem jurídica, mas, em verdade, de institutos diferentes que não guardam, necessariamente, exata correspondência aos antigos erro de direito e erro de fato. O erro de tipo e o erro de proibição não representam uma simples renovação de normas, mas uma profunda modificação conceitual. São novas concepções, com novas e maiores abrangências.
O erro de tipo abrange situações que, outrora, eram classificadas ora como erro de fato, ora como erro de direito. Por outro lado, o erro de proibição, além de incluir situações novas (como, por exemplo, a existência ou os limites da legítima defesa), antes não consideradas, abrange uma série de hipóteses antes classificadas como erro de direito.
Assim, o erro jurídico-penal, independentemente de recair sobre situações fáticas ou jurídicas, quando inevitável, será relevante. Não há, na verdade, coincidência entre os velhos e os novos conceitos. Mudou toda a sistemática. A ultrapassada classificação de erro de direito e erro de fato baseava-se na situação jurídica e na situação fática. A problemática, hoje, é diferente; enfoca-se outra questão: a tipicidade e antijuridicidade (ilicitude). Ou seja, o erro pode recair sobre a tipicidade ou sobre a antijuricidade.
5. ERRO DE TIPO
Erro de tipo é o que recai sobre circunstância que constitui elemento essencial do tipo. É a falsa percepção da realidade sobre um elemento do crime. É a ignorância ou a falsa representação de qualquer dos elementos constitutivos do tipo penal. É indiferente que o objeto do erro se localize no mundo dos fatos, dos conceitos ou das normas jurídicas. Importa, isso sim, que faça parte da estrutura do tipo penal. Por exemplo, no crime de calúnia, o agente imputa falsamente a alguém a autoria de um fato definido como crime que, sinceramente, acredita que tenha sido praticado. Falta-lhe o conhecimento da elementar típica falsamente, uma condição do tipo. Se o agente não sabia que a imputação era falsa, não há dolo, excluindo-se a tipicidade, caracterizando o erro de tipo. Igualmente, no crime de desacato, o agente desconhece que a pessoa contra a qual age desrespeitosamente é funcionário público, imaginando que se trata de um cidadão particular normal. Falta-lhe a consciência elementar do tipo funcionário público, desaparecendo o dolo do crime de desacato, podendo configurar, como forma subsidiária o crime de injúria.
O erro de crime pode ocorrer nos crimes omissivos impróprios. Por exemplo, o agente desconhece sua condição de garantidos, ou tem dela errada compreensão. O erro incide sobre a estrutura do tipo penal omissivo impróprio.
Por exemplo: o agente não presta socorro, podendo fazê-lo, ignorando que se trata de seu filho, que morre afogado. Diante disso, incorre em erro sobre elemento do tipo penal omissivo impróprio, qual seja, a sua posição de garantidor. Outras vezes, o erro pode recair exatamente sobre a relação causal da ação e o resultado, isto é, a aberratio causae. Pode ocorrer, muitas vezes, que o autor não perceba, não anteveja a possibilidade do acontecer causal da conduta realizada. Recordemos que nos crimes de resultado o tipo compreende a ação, o resultado e o nexo causal. Por exemplo, desejando matar a vítima por afogamento, joga-a de uma ponte, na queda esta vem a morrer de fratura no crânio provocada pelo impacto em uma pedra.
O desvio do curso imaginado pelo agente não exclui o dolo. Assim, haverá a atipicidade, por exclusão do dolo, somente quando o erro for inevitável, mesmo que haja previsão de modalidade culposa. (No exemplo citado acima, o agente responderá por homicídio doloso). A vencibilidade do erro de tipo, por sua vez, é determinante da punição por crime culposo, mas desde que esta modalidade seja tipificada (excepcionalidade do crime culposo).
6. ERRO DE PROIBIÇÃO
Erro de proibição é o que incide sobre a ilicitude de um comportamento. O agente supõe, por erro, ser lícita a sua conduta. O objeto do erro não é, pois, nem a lei, nem o fato, mas a ilicitude, isto é, a contrariedade do fato em relação à lei. O agente supõe permitida uma conduta proibida. Faz um juízo equivocado daquilo que lhe é permitido fazer em sociedade.
Falando sobre a incidência do erro de proibição, é necessário fazer as seguintes colocações:
De acordo com BITENCOURTT, (1997, p. 145, apud COELHO), Há que se lembrar sempre estas três considerações fundamentais: a lei, o fato e a ilicitude. A lei, como proibição, é entidade moral e abstrata; o fato, como ação, é entidade material e concreta; enquanto a ilicitude é relação de contradição entre a norma e o fato. Pois bem, o discutido erro de proibição incide, justamente, sobre este último fator, ou seja, sobre a relação de contradição do fato com a norma.
Segundo BITENCOURTT, (1997, p.145, apud WELZEL), Quem subtrai coisa que erroneamente supõe ser sua encontra-se em erro de tipo: não sabe que subtrai coisa alheia; porém, quem acredita ter o direito de subtrair coisa alheia (v.g o credor frente ao devedor insolvente) encontra-se em erro sobre a antijuridicidade.
Ainda é citado por BITENCOURTT (1997, p. 146, apud MAURACH), O erro de tipo é o conhecimento de circunstâncias de fato pertencentes ao tipo legal, com independência de que os elementos sejam descritivos ou normativos, jurídicos ou fáticos. Erro de proibição é todo o erro sobre a antijuridicidade de uma ação conhecida como típica pelo autor.
No erro de proibição o sujeito sabe o que faz, mas supõe erroneamente que sua ação é permitida.
Damásio de Jesus, nessa mesma linha, mostra-nos bem a distinção entre os dois institutos nos seguintes exemplos: Se o sujeito tem cocaína em casa, supondo tratar-se de outra substância, inócua, trata-se de erro de tipo (art.20); se a tem supondo que o depósito não é proibido, o tema é de erro de proibição (CP, art. 21).
O erro de tipo essencial exclui sempre o dolo, permitindo, quando for o caso, a punição pelo crime culposo, pois a culpabilidade permanece intacta. O erro de tipo inevitável exclui, portanto, a tipicidade, não por falta do tipo objetivo, mas por carência do tipo subjetivo. Assim, haverá atipicidade por exclusão do dolo.
O erro de proibição, por sua vez, quando inevitável, exclui a culpabilidade, impedindo a punição a qualquer título, em razão de não haver crime sem culpabilidade. Se o erro de proibição for evitável, a punição se impõe, porém, sempre por crime doloso (ou melhor, sem alterar a natureza do crime, dolosa ou culposa).
7. CONCLUSÃO
Em suma: o erro de tipo divide-se em ERRO DE TIPO ESSENCIAL e ERRO DE TIPO ACIDENTAL. O primeiro pode ou não excluir o dolo e a culpa, depende se o fato era evitável ou não. O segundo não exclui o dolo, e divide-se em erro sobre o objeto, erro sobre a pessoa, erro na execução (aberratio ictus e aberratio criminis) e erro sobre o nexo causal (aberratio causae e dolo geral).
Por outro lado, o erro de proibição em nada possui semelhança com o erro de tipo, pois a proibição atinge a culpabilidade (em especial a Potencial Consciência da Ilicitude), ou seja, o caráter ilícito da conduta. O erro de proibição não se confunde com desconhecimento da lei, pois esta significa não ter conhecimento dos artigos, leis, entre outros, enquanto aquela significa uma noção comum sobre o permitido e o proibido.
A consequência jurídica está estampada no art. 21, CP: O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuir a pena de um sexto a um terço.
8. BIBLIOGRAFIA
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CAPEZ, Fernando & BONFIM, Edilson Mougenot. Direito Penal: parte geral, São Paulo, Saraiva, 2004.
RODRIGUES, Roberto. Direito Penal Fundamental: parte geral, Goiânia: Ed. PUC, 6ª edição, 2016.
Shamara Ferreira é graduanda em Direito pela PUC-GO. Associada ao Instituto de Estudos Avançados em Direito e membro dos núcleos Universitário, Direito Penal, Direito Processual Civil e Direito Constitucional. Seu e-mail para contato é: shamaraferreira2016@gmail.com.
Fonte: http://www.institutoead.org/