É legal o reajuste de seguro de vida por faixa etária após completos 60 anos de idade

EMENTA
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CPC/2015. SEGURO DE VIDA EM GRUPO. PRESCRIÇÃO ÂNUA DA PRETENSÃO DE RESTABELECIMENTO DE APÓLICE EXTINTA. FALTA DE INTERESSE RECURSAL. REAJUSTE PARA A FAIXA ETÁRIA A PARTIR DE 59 ANOS DE IDADE. ANALOGIA COM LEI DOS PLANOS DE SAÚDE. DESCABIMENTO. CARÁTER MERAMENTE PATRIMONIAL DO SEGURO DE VIDA. DISTINÇÃO COM O CONTRATO DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE.
REAJUSTE DO PRÊMIO POR FAIXA ETÁRIA. CABIMENTO. REVISÃO DO ENTENDIMENTO DESTA TURMA.
1. Controvérsia acerca da validade de cláusula de reajuste do prêmio por faixa etária em contrato de seguro de vida em grupo.
2. Ausência de interesse recursal no que tange à alegação de prescrição ânua da pretensão de restabelecimento da apólice extinta, tendo sido essa pretensão rejeitada expressamente pelo Tribunal de origem.
3. Sinistralidade acentuadamente elevada de segurados idosos, em virtude dos efeitos naturais do envelhecimento da população.
Doutrina sobre o tema.
4. Existência de norma legal (art. 15 da Lei 9.656/1998) impondo às operadoras de plano/seguro saúde o dever de compensar esse "desvio de risco" dos segurados idosos mediante a pulverização dos custos entre os assistidos mais jovens de modo a manter o valor do prêmio do seguro saúde dos segurados idosos em montante aquém do que seria devido na proporção da respectiva sinistralidade. Doutrina sobre o tema.
5. Necessidade de proteção da dignidade da pessoa idosa no âmbito da assistência privada à saúde.
6. Justificativa eminentemente patrimonial do seguro de vida em contraste com o fundamento humanitário (dignidade da pessoa humana) subjacente aos contratos de plano/seguro de saúde.
7. Distinção impeditiva da aplicação, por analogia, da regra do art.
15 da Lei 9.656/1998 aos contratos de seguro de vida.
8. Ressalva dos contratos de seguro de vida que estabeleçam alguma forma de compensação do "desvio de risco", como a formação de reserva técnica para essa finalidade.
9. Julgado recente da QUARTA TURMA nesse sentido.
10. Revisão da jurisprudência da TERCEIRA TURMA.
11. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
(REsp 1816750/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/11/2019, DJe 03/12/2019)
INTEIRO TEOR
RECURSO ESPECIAL Nº 1.816.750 - SP (2017/0315437-8) RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO RECORRENTE : COMPANHIA DE SEGUROS ALIANÇA DO BRASIL ADVOGADOS : PEDRO DA SILVA DINAMARCO E OUTRO(S) - SP126256 HELENA MECHLIN WAJSFELD CICARONI - SP194541 NATALIA FERNANDES SANCHEZ - SP281891 FLÁVIA BEATRIZ NEVES PIMENTA - SP314331 RECORRIDO : JOSE APARECIDO DE SOUZA ADVOGADO : ELAINE CRISTINA MONTEZINO NOGUEIRA - SP169347 RECORRIDO : BANCO DO BRASIL SA ADVOGADOS : JORGE LUIZ REIS FERNANDES E OUTRO(S) - SP220917 LAIS TOVANI RODRIGUES - SP308402 RODRIGO GARCIA PETRENAS - SP345324 RELATÓRIO O EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO (Relator): Trata-se de recurso especial interposto por COMPANHIA DE SEGUROS ALIANÇA DO BRASIL em face de acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, assim ementado: Seguro de vida. Ação de revisão contratual cumulada com pedido de repetição de indébito. Prêmio. Majoração pelo critério da faixa etária, aplicada cumulativamente com o reajuste anual pelo IGP-M. Legalidade, salvo nas hipóteses em que o segurado já tenha completado sessenta anos de idade e possua mais de dez anos de vínculo contratual. Requisitos da hipótese excepcional presentes na espécie. Majoração abusiva no caso concreto, porém, somente a partir de 03.06.2010, data em que o segurado completou sessenta anos de idade. Repetição de indébito. Pretensão que deve ser acolhida apenas parcialmente, porquanto prescrita a pretensão no que toca ao excedente dos prêmios pagos pelo segurado anteriormente ao prazo prescricional ânuo que precede o ajuizamento da ação. Recurso parcialmente provido. (fl. 436) Opostos embargos de declaração por ambas as partes, foram acolhidos apenas os opostos pelo demandante, para suprir omissão acerca da improcedência do pedido de indenização por danos morais (fls. 455/7). Nas razões do recurso especial, a seguradora recorrente alegou violação dos arts. 178, § 6º, inc. II, e 1.442 do Código Civil de 1916, arts. 166, 169 e 206, § 1º, inc. II, alínea "b", do Código Civil de 2002, art. 15, § 3º, do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003), art. 15 da Lei 9.656/1998, arts. 2º, 8º, 32 e 35 do Decreto-Lei 73/66 e art. 1.022 do Código de Processo Civil de 2015, sob os argumentos de: (a) prescrição ânua da pretensão de restabelecimento da apólice extinta; (b) descabimento da exclusão dos reajustes por faixa etária a partir do implemento da idade de 60 anos; (c) distinção entre os contratos de seguro saúde e os de seguro de vida; (d) validade dos reajustes por faixa etária; e, subsidiariamente, (e) negativa de prestação jurisdicional; e (f) cômputo do prazo de 10 anos de vínculo contratual somente a partir da entrada em vigor da Lei 9.656/1998.
Contrarrazões não apresentadas.
É o relatório.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.816.750 - SP (2017/0315437-8) RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO RECORRENTE : COMPANHIA DE SEGUROS ALIANÇA DO BRASIL ADVOGADOS : PEDRO DA SILVA DINAMARCO E OUTRO(S) - SP126256 HELENA MECHLIN WAJSFELD CICARONI - SP194541 NATALIA FERNANDES SANCHEZ - SP281891 FLÁVIA BEATRIZ NEVES PIMENTA - SP314331 RECORRIDO : JOSE APARECIDO DE SOUZA ADVOGADO : ELAINE CRISTINA MONTEZINO NOGUEIRA - SP169347 RECORRIDO : BANCO DO BRASIL SA ADVOGADOS : JORGE LUIZ REIS FERNANDES E OUTRO(S) - SP220917 LAIS TOVANI RODRIGUES - SP308402 RODRIGO GARCIA PETRENAS - SP345324 EMENTA RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CPC/2015. SEGURO DE VIDA EM GRUPO. PRESCRIÇÃO ÂNUA DA PRETENSÃO DE RESTABELECIMENTO DE APÓLICE EXTINTA. FALTA DE INTERESSE RECURSAL. REAJUSTE PARA A FAIXA ETÁRIA A PARTIR DE 59 ANOS DE IDADE. ANALOGIA COM LEI DOS PLANOS DE SAÚDE. DESCABIMENTO. CARÁTER MERAMENTE PATRIMONIAL DO SEGURO DE VIDA. DISTINÇÃO COM O CONTRATO DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE. REAJUSTE DO PRÊMIO POR FAIXA ETÁRIA.
CABIMENTO. REVISÃO DO ENTENDIMENTO DESTA TURMA. 1. Controvérsia acerca da validade de cláusula de reajuste do prêmio por faixa etária em contrato de seguro de vida em grupo. 2. Ausência de interesse recursal no que tange à alegação de prescrição ânua da pretensão de restabelecimento da apólice extinta, tendo sido essa pretensão rejeitada expressamente pelo Tribunal de origem. 3. Sinistralidade acentuadamente elevada de segurados idosos, em virtude dos efeitos naturais do envelhecimento da população. Doutrina sobre o tema. 4. Existência de norma legal (art. 15 da Lei 9.656/1998) impondo às operadoras de plano/seguro saúde o dever de compensar esse "desvio de risco" dos segurados idosos mediante a pulverização dos custos entre os assistidos mais jovens de modo a manter o valor do prêmio do seguro saúde dos segurados idosos em montante aquém do que seria devido na proporção da respectiva sinistralidade. Doutrina sobre o tema. 5. Necessidade de proteção da dignidade da pessoa idosa no âmbito da assistência privada à saúde. 6. Justificativa eminentemente patrimonial do seguro de vida em contraste com o fundamento humanitário (dignidade da pessoa humana) subjacente aos contratos de plano/seguro de saúde. 7. Distinção impeditiva da aplicação, por analogia, da regra do art. 15 da Lei 9.656/1998 aos contratos de seguro de vida. 8. Ressalva dos contratos de seguro de vida que estabeleçam alguma forma de compensação do "desvio de risco", como a formação de reserva técnica para essa finalidade. 9. Julgado recente da QUARTA TURMA nesse sentido. 10. Revisão da jurisprudência da TERCEIRA TURMA. 11. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
VOTO O EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO (Relator):
Eminentes colegas, o recurso especial merece ser provido. Relatam os autos que o autor da demanda, nascido em setembro de 1932, celebrou, em abril de 1994, contrato de seguro de vida em grupo (Apólice VG nº 5.901), com previsão de reajustes trimestrais pela TR (taxa referencial). Em abril de 1997, essa apólice foi substituída/modificada pela Apólice nº 9300000040, prevendo reajuste anual pelo IGP-M. Em abril de 2002, houve outra substituição/modificação, agora para as Apólices n. 411678434 e 093.00-13.018. No período de 2002 a 2014, o autor da demanda relatou ter sofrido reajuste do prêmio de cerca de 500%, ao passo que o reajuste do capital segurado no mesmo período teria sido de apenas 40%, fato que evidenciaria a prática de reajuste por faixa etária. Em novembro de 2014, ajuizou a demanda que deu origem ao presente recurso, pleiteando a nulidade da cláusula de reajuste por faixa etária e da cláusula de resilição unilateral do contrato, e pretendendo a repetição dos valores pagos a maior, além de indenização por danos morais. No curso do processo, o autor da demanda exerceu seu direito à resilição do contrato (fl. 362), remanescendo a pretensão de repetição de valores supostamente pagos a maior durante a vigência do contrato. O juízo de origem julgou improcedentes os pedidos sob o fundamento, em síntese, de que valor do prêmio deve ser proporcional à sinistralidade do grupo de segurados, não havendo, portanto, abusividade na cláusula de reajuste por faixa etária (fl. 362). O Tribunal de origem, em apelação, reformou a sentença para declarar abusivos os reajustes por faixa etária a partir da data em que o segurado implementou a idade de 60 anos de idade, em 1992, bem como para condenar a seguradora a restituir os valores pagos a maior a partir de março de 2014. Feita essa breve retrospectiva do processo, passo à apreciação da controvérsia. Inicialmente, vislumbra-se carência de interesse recursal no que tange à alegação de prescrição ânua da pretensão de restabelecimento da apólice extinta, pois essa pretensão foi rejeitada expressamente pelo Tribunal de origem, conforme se verifica no seguinte trecho do acórdão recorrido, litteris:
Inicialmente, importa registrar que não assiste razão ao apelante quando alega ter havido alteração unilateral do contrato de seguro de vida, eis que, o que verdadeiramente ocorreu, foi a não renovação da apólice do seguro Ouro Vida, à qual o segurado aderiu em abril de 1994 e a contratação de novo seguro, Ouro Vida Grupo Especial, com vigência a partir de abril de 2002 (fls. 229/233). Ressalta-se que o recorrente foi devidamente informado da não renovação da apólice contratada em 1994, ocasião em que lhe foi oferecido o novo produto, cuja contratação foi por ele aceita livremente. (fl. 438)
De outra parte, no que tange à controvérsia acerca da validade dos reajustes por faixa etária, observa-se que o fundamento acolhido pelo Tribunal de origem para a reforma da sentença não foi o da abusividade de todo e qualquer reajuste por faixa etária, mas tão somente do reajuste previsto para a faixa etária a partir dos 59 anos de idade, para segurados com mais de 10 anos de vínculo contratual. Confira-se, a propósito, o seguinte trecho do acórdão recorrido:
É certo que das condições gerais do seguro de vida contratado em 2002 consta cláusula que prevê o aumento do valor do prêmio conforme a faixa etária. A priori, não se entrevê nenhuma ilegalidade ou abusividade na previsão contratual de reenquadramento do prêmio do contrato de seguro de vida, conforme a idade do segurado. De fato, o aumento do valor do prêmio segundo a faixa etária do segurado tem por finalidade assegurar o equilíbrio contratual ante o inegável aumento do risco. ....................................................... Assim, conquanto este Relator tenha decidido em precedente desta Câmara pela legalidade do aumento do prêmio do seguro segundo o critério da faixa etária do segurado, sem qualquer ressalva quanto aos contratos firmados há mais de dez anos e em que os segurados já tenham atingido a idade de sessenta anos, modifiquei meu entendimento para adequá-lo à mais recente orientação do Superior Tribunal de Justiça, incumbido de velar pela uniformidade da aplicação da lei federal. (fls. 437/9, sem grifos no original)
Esse entendimento pela abusividade do reajuste para faixa etária a partir dos 59 anos de idade para os segurados com mais de 10 anos de vínculo foi firmado na jurisprudência desta TURMA por meio da aplicação, por analogia, a Lei dos Planos de Saúde (Lei 9.656/1998), que assim dispõe em seu art. 15, parágrafo único, abaixo transcrito (com a redação dada pela MP 2.177-44/2001):
Art. 15. A variação das contraprestações pecuniárias estabelecidas nos contratos de produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei, em razão da idade do consumidor, somente poderá ocorrer caso estejam previstas no contrato inicial as faixas etárias e os percentuais de reajustes incidentes em cada uma delas, conforme normas expedidas pela ANS, ressalvado o disposto no art. 35-E.
Parágrafo único. É vedada a variação a que alude o caput para consumidores com mais de sessenta anos de idade, que participarem dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º, ou sucessores, há mais de dez anos.
Nesse sentido da aplicação desse enunciado normativo aos contratos de seguro de vida, confiram-se os seguintes julgados desta TURMA:
RECURSO ESPECIAL. REVISIONAL DE CONTRATO DE SEGURO DE VIDA. REAJUSTE DO VALOR DO PRÊMIO. MUDANÇA DE FAIXA ETÁRIA. AUSÊNCIA DOS VÍCIOS ELENCADOS NO ART. 535 DO CPC. ABUSIVIDADE RECONHECIDA LIMITADA ÀS FAIXAS ETÁRIAS SUPERIORES A 60 ANOS E DESDE QUE CONTE O SEGURADO COM MAIS DE 10 ANOS DE VÍNCULO. ANALOGIA COM CONTRATO DE PLANO DE SAÚDE. SUCUMBÊNCIA MANTIDA. PARCIAL PROCEDÊNCIA. 1. Não há violação do disposto no art. 535 do CPC quando o aresto recorrido adota fundamentação suficiente para dirimir a controvérsia, sendo desnecessária a manifestação expressa sobre todos os argumentos apresentados. 2. A cláusula que estabelece o aumento do prêmio do seguro de acordo com a faixa etária, se mostra abusiva somente após o segurado complementar 60 anos de idade e ter mais de 10 anos de vínculo contratual. Precedente. 3. Recurso especial parcialmente provido. (REsp 1376550/RS, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 28/04/2015, DJe 12/05/2015)
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. OMISSÃO. OCORRÊNCIA. SEGURO DE VIDA. REAJUSTE POR FAIXA ETÁRIA. ABUSIVIDADE. LIMITAÇÃO ÀS FAIXAS ETÁRIAS SUPERIORES A 60 ANOS. 1. Abusividade da cláusula que estabelece fatores de aumento aumento do prêmio do seguro de acordo com a faixa etária, após o segurado implementar 60 anos de idade e mais de 10 anos de vínculo contratual. 2. Analogia com os contratos de plano de saúde (art. 15 da Lei 9.656/98). 3. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PARCIALMENTE ACOLHIDOS, COM EFEITOS INFRINGENTES. (EDcl no AgRg no REsp 1453941/RS, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/11/2014, DJe 04/12/2014)
No âmbito da QUARTA TURMA, porém, a jurisprudência não se orientou nesse mesmo sentido. Pelo contrário, em julgado recente, posicionou-se em sentido diverso, orientando-se pela validade da cláusula de reajuste por faixa etária nos contratos de seguro de vida contratados pelo regime financeiro da repartição simples. Refiro-me ao seguinte julgado:
AGRAVO INTERNO. CONTRATO DE SEGURO DE VIDA. EM GRUPO. CARÁTER TEMPORÁRIO. AUSÊNCIA DE FORMAÇÃO DE RESERVA MATEMÁTICA. SISTEMA FINANCEIRO DE REPARTIÇÃO SIMPLES. CLÁUSULA DE NÃO RENOVAÇÃO. AUSÊNCIA DE ABUSIVIDADE. REAJUSTE POR IMPLEMENTO DE IDADE. LEGALIDADE. POSSIBILIDADE DECORRENTE DA PRÓPRIA NATUREZA MUTUALISTA. 1. A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, no recente julgamento do RESP 1.569.927/RS (DJ 2.4.2018), ratificou a orientação de não ser abusiva a cláusula contratual que prevê a possibilidade de não renovação automática do seguro de vida em grupo por qualquer dos contratantes, desde que haja prévia notificação da outra parte. 2. Nesse mesmo precedente, prevaleceu o entendimento de que, à exceção dos contratos de seguro de vida individuais, contratados em caráter vitalício ou plurianual, nos quais há a formação de reserva matemática de benefícios a conceder, as demais modalidades são geridas sob o regime financeiro de repartição simples, de modo que os prêmios arrecadados do grupo de segurados ao longo do período de vigência do contrato destinam-se ao pagamento dos sinistros ocorridos naquele período. Dessa forma, não há que se falar em reserva matemática vinculada a cada participante e, portanto, em direito à renovação da apólice sem a concordância da seguradora, tampouco à restituição dos prêmios pagos em contraprestação à cobertura do risco no período delimitado no contrato. 3. A previsão de reajuste por implemento de idade, mediante prévia comunicação, quando da formalização da estipulação da nova apólice, não configura procedimento abusivo, sendo decorrente da própria natureza do contrato. 4. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp 632.992/RS, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 19/03/2019, DJe 22/03/2019)
Esse recente julgado lança novas luzes sobre o problema do reajuste por faixa etária em contratos de seguro de vida, impondo-se revisitar o entendimento desta TERCEIRA TURMA. Nesse passo, observa-se que o fator etário integra diretamente o risco tanto do contrato de seguro saúde quanto do contrato de seguro de vida, pois é intuitivo que o avanço da idade eleva o risco de sinistro em ambos os contratos. Sobre esse aumento do risco em função da idade, o economista JOSÉ CECHIN sintetiza o fenômeno nos seguintes termos:
O segundo fato inconteste da vida é a progressiva deterioração do corpo e da mente com o passar dos anos. Este fato não poupa ninguém embora afete diferentemente em velocidade e intensidade os diferentes indivíduos. (Fatos da vida e o contorno dos planos de saúde. In: Planos de saúde: aspectos jurídicos e econômicos. Luiz A. F. Carneiro, coord. Rio de Janeiro: Forense, 2012, cap. 9, p. 203)
Especificamente quanto ao risco de sinistros relacionados à assistência à saúde, esse economista afirma, com base em dados estatísticos, que o gasto per capta com procedimentos médicos por pessoas da última faixa etária (acima de 59 anos) é 6,8 vezes mais alto do que o gasto da primeira (até 18 anos), e supera o dobro do gasto da faixa etária anterior, de 54 a 58 anos (op. cit., p. 208).
Para suportar esse "desvio" do padrão de risco (como o acima apresentado), as seguradoras se utilizam de diversas técnicas de gestão de risco, assim sintetizadas em obra específica sobre o tema do risco no contrato de seguro, de autoria de LUIZA MOREIRA PETERSEN:
Observa-se que a técnica atuarial permite uma mensuração aproximada do risco, embora possa sofrer alguns desvios. Nesse sentido, diversas são as medidas adotadas pelo segurador para a correção e prevenção desses desvios. Entre elas se destacam: (i) a dispersão dos riscos: a seguradora deve buscar garantir riscos isolados, de modo que um evento não afete todos os segurados ao mesmo tempo; (ii) pulverização do risco: técnica através da qual a seguradora limita sua cobertura em um valor, e tudo que exceder sua capacidade é transferido a outro segurador pelo resseguro ou cosseguro; (iii) seleção dos riscos (art. 757 CC), a qual permite que o segurador elimine o fator de risco, seja excluindo a cobertura de riscos elevados (e.g. de doença preexistente à contratação), seja recusando a proposta de seguro; e (iv) a formação de reservas técnicas. (O risco no contrato de seguro. São Paulo: Roncarati, 2018, p. 114)
No caso dos seguros/planos de saúde, a legislação impõe às seguradoras uma técnica que mais se aproxima da pulverização do risco, pois o "desvio de risco" verificado na faixa etária dos assistidos idosos deve ser suportado, em parte, pelos assistidos mais jovens, numa espécie de solidariedade intergeracional.
Sobre essa solidariedade entre gerações, merece referência, novamente, o estudo do economista JOSÉ CECHIN, no trecho transcrito, litteris:
Pelo esquema do pacto entre gerações, os membros de cada faixa etária são plenamente solidários entre si, e além dessa solidariedade no grupo etário, há uma solidariedade entre grupos ou gerações - dos menores de 59 anos de idade para os maiores de 59. Não há como negar a beleza desse esquema solidário entre gerações. Todos o aceitam porque o fardo distribuído entre muitos menores de 59 anos de idade é relativamente pequeno para cada um, mas muito importante para cada dos idosos que ainda são pouco numerosos. E o aceita também porque todos sabem que seu destino será ser idoso. (op. cit., p. 220).
Por sua vez, no âmbito dos contratos de seguro de vida, não há norma impondo às seguradoras a adoção de um ou outra técnica de compensação do "desvio de risco" dos segurados idosos ("desvio" aqui num sentido mais amplo do que aquele tecnicamente empregado por LUIZA M. PETERSEN).
Ante essa ausência de norma específica para a proteção dos segurados idosos nos contratos de seguro de vida, a jurisprudência desta TERCEIRA TURMA vinha aplicando, por analogia, a norma do art. 15 da Lei dos Planos de Saúde. Refletindo melhor sobre essa questão, especialmente depois do recente julgado da Min.ª MARIA ISABEL GALLOTTI, proponho uma revisão do entendimento desta TERCEIRA TURMA.
Deveras, a analogia com a Lei dos Planos de Saúde não parece adequada para a hipótese dos seguros de vida, porque o direito assistência à saúde encontra fundamento no princípio da dignidade da pessoa humana, ao passo que o direito à indenização do seguro de vida não extrapola, em regra, a esfera patrimonial dos beneficiários desse contrato.
Cabe deixar claro aqui a distinção entre a perda da vida pelo segurado (sinistro), e o pagamento do capital segurado aos beneficiários (indenização), para se afastar, de plano, a tentativa de se estabelecer uma analogia com base na proximidade entre o direito à vida e o direito à assistência à saúde.
Com efeito, o seguro de vida, ao contrário do que a sua denominação possa sugerir, não protege a vida, mas o patrimônio mediante o pagamento de uma indenização à família.
Ainda que se considere, em seguro de vida, a cobertura do evento invalidez permanente, hipótese em que o capital segurado é destinado ao próprio segurado, não se identifica, à primeira vista, o fundamento dignidade da pessoa humana, como no caso da assistência à saúde.
A dignidade da pessoa inválida é assegurada, em primeiro plano, pela assistência social e pela previdência social, em segundo plano, pela previdência privada, de modo que o seguro de vida seria apenas um plus em relação a estes outros instrumentos de proteção da sua dignidade.
Feitas essas distinções, que, a meu ver, impedem a analogia entre o seguro saúde e o seguro de vida, não se encontra no ordenamento jurídico norma que justifique uma declaração de abusividade da cláusula contratual que estatua prêmios mais elevados para segurados idosos, como forma de compensar o desvio de risco observado nesse subgrupo de segurados.
Como já aludido, as seguradoras se utilizam de variados instrumentos de gestão de risco de modo que a escolha de uma ou outra técnica se insere no âmbito da liberdade contratual, a menos que exista norma em sentido contrário, como o art. 15 da Lei 9.656/1998, para os planos/seguros de Saúde. Não havendo norma semelhante no âmbito dos seguros de vida, nada obsta a que as seguradoras estabeleçam em seus contratos uma cláusula de reajuste por faixa etária, cobrando um prêmio maior dos segurados idosos, para compensar o desvio de risco verificado nessa classe de segurados.
Uma vez eleita essa forma de gestão de risco, eventual revisão da cláusula para simplesmente eliminar o reajuste da faixa etária dos idosos abalaria significativamente o equilíbrio financeiro do contrato de seguro de vida, pois todo o desvio de risco dos idosos passaria a ser suportado pelo fundo mútuo, sem nenhuma compensação no valor do prêmio. Sobre a equação financeira do contrato de seguro, valho-me, uma vez mais, das bem lançadas palavras de LUIZA MOREIRA PETERSEN, litteris:
É essencialmente a partir da combinação da mutualidade com a técnica atuarial que se estabelece a equação financeira do contrato de seguro, que o segurador estabelece a equação financeira do contrato de seguro, que o segurador estabelece o valor do prêmio puro, o qual corresponde à parcela necessária à cobertura dos sinistros futuros, sendo composto pelo prêmio estatístico e pelo carregamento da seguradora. Nesse sistema, em apertada síntese, uma vez constituído o grupo homogêneo de segurados e provisionado o valor esperado de sinistro, o que ocorre pela multiplicação da frequência de sinistros pelo valor médio dos sinistros, o segurador chega ao prêmio estatístico pela divisão do valor esperado de sinistro entre os segurados que compõe o grupo mutual. Na sequência, acrescentando ao prêmio estatístico o carregamento de segurança, destinado a cobrir eventuais desvios e flutuações acima da média, o segurador chega ao risco puro, à quota parte do segurado na divisão dos custos dos sinistros futuros entre os membros do grupo. (op. cit., p. 115)
Como se vê nessa passagem, a equação financeira do contrato de seguro busca um equilíbrio atuarial entre o valor do prêmio e o custo dos sinistros futuros, de modo que a revisão do valor do prêmio sem a correspondente revisão do risco contratado, do capital segurado ou da técnica de gestão de risco desequilibraria o contrato, em prejuízo do fundo mútuo que assegura o pagamento das indenizações.
No mesmo sentido, mas abordando especificamente a questão do reajuste por faixa etária, merece referência a dissertação de mestrado de MARCELO DE OLIVERIA BELLUCI, apresentada perante a UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, sob orientação da Profª Dr.ª VERA HELENA DE MELLO FRANCO, no trecho abaixo transcrito:
Em outras palavras, a priorização excessiva do consumidor, à medida que analisada em larga escala a influência do Código nas relações securitárias, enseja, em determinados casos, a desnaturação dos princípios basilares do contrato de seguro, responsáveis pela manutenção da estrutura saudável e rentável do sistema, ou seja, não pode a legislação de consumo disciplinar normas operacionais do contrato de seguro, tais como a previsão de prazo de vigência da apólice, o enquadramento por faixa etária para reajuste de prêmio em determinados tipos, a delimitação dos riscos segurados, a escolha dos riscos segurados, bem como as cláusulas limitativas de responsabilidade, dentre outras. (Da aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de seguro e a quebra do equilíbrio econômico-financeiro. Dissertação de mestrado. São Paulo, Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, p. 137, 2010, disponível no link http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2132/tde-08092011- 082514/ Publico/Marcelo_de_Oliveira_Belluci_Dissertacao_de_Mestrado.pdf, acesso em 12/09/2019)
Com esses fundamentos, peço vênia aos eminentes colegas para aderir ao entendimento da egrégia QUARTA TURMA, no julgado acima referido, no sentido da legalidade, em tese, da cláusula de reajuste por faixa etária em contrato de seguro de vida, ressalvadas as hipótese em que contrato já tenha previsto alguma outra técnica de compensação do "desvio de risco" dos segurados idosos, como nos casos de constituição de reserva técnica para esse fim, a exemplo dos seguros de vida sob regime da capitalização (em vez da repartição simples), o que não é o caso dos autos.
Destarte, o recurso especial merece ser provido para se restabelecer os comandos da sentença de improcedência do pedido revisional.
Ante o exposto, voto no sentido de DAR PROVIMENTO ao recurso especial para julgar improcedentes os pedidos, restabelecendo-se os comandos da sentença de fls. 360/2.
É o voto