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Retenção de containers por tempo superior ao contratado gera pagamento de multa de sobreestadia 

16/10/2018 - 15:41

EMENTA


"AÇÃO DE COBRANÇA – PRELIMINAR – ILEGITIMIDADE PASSIVA – DESPACHANTE ADUANEIRO – Inocorrência – Corréu Rodrigo que, na qualidade de despachante aduaneiro e representante legal da corré Arame Sul, assumiu solidariamente com esta última a responsabilidade pela devolução dos containers, tendo firmado, juntamente com ela, o "Termo Individual de Compromisso de Devolução de Containers Provenientes de Transporte Unimodal" – Despachante aduaneiro que tem legitimidade passiva para figurar no pólo da ação e responder pelo pagamento da sobreestadia – Preliminar suscitada pelos corréus afastada." 


"TRANSPORTE MARÍTIMO – CONTAINER – SOBREESTADIA – NATUREZA JURÍDICA – TERMOS DE RESPONSABILIDADE – EFICÁCIA – BUROCRACIA ALFANDEGÁRIA – VALOR – ABUSIVIDADE – MOEDA ESTRANGEIRA – CONVERSÃO – I- Reconhecido que a demurrage não é cláusula penal, mas sim indenização por descumprimento contratual, a fim de compensar o proprietário dos containers por eventuais prejuízos sofridos em razão da retenção indevida destes pelo devedor, por prazo superior ao contratado, independentemente da culpa do devedor no atraso, bastando sua ocorrência – Documentos acostados aos autos suficientes para demonstrar a obrigação assumida pelos corréus de devolução dos containers na data avençada, com expressa anuência às condições e tarifas de sobreestadia – Corréus que não foram compelidos a anuir ou mesmo contratar – Se assim o fizeram, independente de o contrato ser de adesão, concordaram com os termos e condições do referido instrumento, devendo prevalecer o princípio do pact sunt servanda – Termos de responsabilidade de devolução de containers válidos e eficazes - Procurações que outorgam poderes específicos para o procurador exercer todas as atividades relacionadas ao despacho aduaneiro, podendo, inclusive, assinar o termo de responsabilidade – Comprovado documentalmente que os corréus permaneceram com os containers por prazo maior do que o contratado – II- Burocracia alfandegária que não implica em imprevisibilidade, afastando a alegação de força maior - Inadimplemento contratual caracterizado que faz incidir a demurrage – III- Ausência de abusividade do valor cobrado a título de demurrage – Corréus que tomaram conhecimento dos valores praticados a título de demurrage, com o recebimento dos Termos de devolução de containers, que faz expressa menção aos valores cobrados – Caracterizada a responsabilidade dos corréus ao pagamento pela multa de sobreestadia em decorrência da retenção dos containers por tempo superior ao contratado – IV- Impossibilidade de se considerar na cobrança o período de free time de 30 dias e a utilização os valores constantes da "Tabela de Sobreestadia com Bonificação"da Nota de Débito – Ausência de contratação de free time – Nota de débito que trazia a possibilidade de 30 dias de free time, bem como o valor da diária da sobreestadia de US$35,00, se o valor cobrado fosse pago até a data de vencimento constante da nota, o que, no caso, não ocorreu – V- Sentença parcialmente reformada – Ação de cobrança procedente – Conversão do valor da condenação para moeda nacional na data do efetivo pagamento – Ônus sucumbenciais carreados aos corréus, já incluídos os honorários recursais - Apelo dos corréus improvido e apelo da autora provido." (TJ-SP - APL: 10288421420158260562 SP 1028842-14.2015.8.26.0562, Relator: Salles Vieira, Data de Julgamento: 15/10/2018, 24ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 15/10/2018)


INTEIRO TEOR


PODER JUDICIÁRIO


TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO


Registro: 2018.0000804589


ACÓRDÃO


Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 1028842-14.2015.8.26.0562, da Comarca de Santos, em que é apelante/apelado ASIA SHIPPING TRANSPORTE INTERNACIONAIS LTDA., são apelados/apelantes RODRIGO LUIS GARIBALDI e ARAME SUL COMÉRCIO E IMPORTAÇÃO DE FERRO E AÇO LTDA.


ACORDAM , em sessão permanente e virtual da 24ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Afastaram a preliminar, negaram provimento ao recurso dos corréus e deram provimento ao recurso da autora. V.U. , de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.


O julgamento teve a participação dos Desembargadores JONIZE SACCHI DE OLIVEIRA (Presidente sem voto), PLINIO NOVAES DE ANDRADE JÚNIOR E WALTER BARONE.

São Paulo, 15 de outubro de 2018.


Salles Vieira

Relator

Assinatura Eletrônica


PODER JUDICIÁRIO


TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO


VOTO Nº: 31590


APEL.Nº: 1028842-14.2015.8.26.0562


COMARCA: SANTOS


APTES. : ASIA SHIPPING TRANSPORTES INTERNACIONAIS LTDA. e

ARAME SUL INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE FERRO E AÇO LTDA. E RODRIGO LUIS GARIBALDI


APDOS. : OS MESMOS


JUIZ PROLATOR: DARIO GAYOSO JÚNIOR


“AÇÃO DE COBRANÇA PRELIMINAR ILEGITIMIDADE PASSIVA DESPACHANTE ADUANEIRO Inocorrência 

Corréu Rodrigo que, na qualidade de despachante aduaneiro e representante legal da corré Arame Sul, assumiu solidariamente com esta última a responsabilidade pela devolução dos containers, tendo firmado, juntamente com ela, o "Termo Individual de Compromisso de Devolução de Containers Provenientes de Transporte Unimodal" Despachante aduaneiro que tem legitimidade passiva para figurar no pólo da ação e responder pelo pagamento da sobreestadia Preliminar suscitada pelos corréus afastada.”


“TRANSPORTE MARÍTIMO CONTAINER SOBREESTADIA NATUREZA JURÍDICA TERMOS DE RESPONSABILIDADE EFICÁCIA BUROCRACIA ALFANDEGÁRIA VALOR ABUSIVIDADE MOEDA ESTRANGEIRA CONVERSÃO I- Reconhecido que a demurrage não é cláusula penal, mas sim indenização por descumprimento contratual, a fim de compensar o proprietário dos containers por eventuais prejuízos sofridos em razão da retenção indevida destes pelo devedor, por prazo superior ao contratado, independentemente da culpa do devedor no atraso, bastando sua ocorrência Documentos acostados aos autos suficientes para demonstrar a obrigação assumida pelos corréus de devolução dos containers na data avençada, com expressa anuência às condições e tarifas de sobreestadia Corréus que não foram compelidos a anuir ou mesmo contratar Se assim o fizeram, independente de o contrato ser de adesão, concordaram com os termos e condições do referido instrumento, devendo prevalecer o princípio do pact sunt servanda Termos de responsabilidade de devolução de containers válidos e eficazes - Procurações que outorgam poderes específicos para o procurador exercer todas as atividades relacionadas ao despacho aduaneiro, podendo, inclusive, assinar o termo de responsabilidade Comprovado documentalmente que os corréus permaneceram com os containers por prazo maior do que o contratado II- Burocracia alfandegária que não implica em imprevisibilidade, afastando a alegação de força maior -Inadimplemento contratual caracterizado que faz incidir a demurrage III- Ausência de abusividade do valor cobrado a título de demurrage Corréus que tomaram conhecimento dos valores praticados a título de demurrage, com o recebimento dos Termos de devolução de containers, que faz expressa menção aos valores cobrados Caracterizada a responsabilidade dos corréus ao pagamento pela multa de sobreestadia em decorrência da retenção dos containers por tempo superior ao contratado IV Impossibilidade de se considerar na cobrança o período de free time de 30 dias e a utilização os valores constantes da “Tabela de Sobreestadia com Bonificação” da Nota de Débito Ausência de contratação de free time Nota de débito que trazia a possibilidade de 30 dias de free time, bem como o valor da diária da sobreestadia de US$35,00, se o valor cobrado fosse pago até a data de vencimento constante da nota, o que, no caso, não ocorreu. V- Sentença parcialmente reformada Ação de cobrança procedente Conversão do valor da condenação para moeda nacional na data do efetivo pagamento Ônus sucumbenciais carreados aos corréus, já incluídos os honorários recursais - Apelo dos corréus improvido e apelo da autora provido.”


Apelo da autora, em face da r. sentença de parcial procedência proferida na ação de cobrança.

Alega que, no caso, as partes fixaram períodos e diárias de sobreestadia específicos em instrumentos particulares. Aduz que a nota de débito oferecia desconto para pagamento efetuado até o vencimento, o que não ocorreu na espécie, de forma que a dívida deve ser cobrada da forma originalmente contratada. Afirma que é vedada a compensação de honorários advocatícios, nos termos do art. 85, § 14, do NCPC. Requer o provimento do recurso, para reformar a r. sentença, julgando-se totalmente procedente a ação (fls. 142/150).


Apelam, também, os corréus, sustentando, preliminarmente, a ilegitimidade passiva do corréu Rodrigo, por ser mero despachante aduaneiro. No mérito, alegam que a cobrança é indevida, vez que o atraso na devolução dos containers não se deu por culpa dos corréus, mas em razão dos órgãos aduaneiros, que demoraram para liberar as cargas. Asseveram que a cobrança de demurrage possui natureza jurídica de cláusula penal. Sustentam a ineficácia dos “Termos de Compromisso de Devolução de Containers Provenientes de Transportes Unimodal”, uma vez que as procurações outorgados ao corréu Rodrigo não possuem poderes necessários para o ato praticado. Alegam que os termos de devolução foram assinados após a descarga dos containers.


Aduzem que o valor cobrado a título de demurrage é excessivo, devendo ser reduzido. Asseveram que a conversão do valor da condenação para moeda nacional deve ocorrer no dia da devolução de cada container. Afirmam ser vedada a compensação de honorários advocatícios, nos termos do art. 85, § 14, do NCPC. Requerem o total provimento do recurso, para acolher a preliminar, ou, caso assim não se entenda, para reformar a r. sentença, julgando-se improcedente a ação (fls. 155/164).


Contrarrazões das corrés e da autora, respectivamente, às fls. 172/178 e 179/187.


É o relatório.


Trata-se de ação de cobrança, movida por Asia Shipping Transportes Internacionais Ltda. em face de Arame Sul Comércio e Importação de Ferro e Aço Ltda. e Rodrigo Luis Garibaldi, por meio da qual cobra a autora a quantia de US$37.650,00, a título de sobreestadia de containers utilizados para transporte de mercadorias importadas pela corré Arame Sul.


Em primeira instância, a ação foi julgada parcialmente procedente, para condenar os corréus, solidariamente, a pagarem à autora as sobreestadias referentes aos containers MOAU07345302, GLDU961974-3, MOAU073907-2, BSIU229711-1, FSCU797347-9 e IPXU380796-9, no montante equivalente a US$35,00 por dia de atraso, considerando 30 dias para livre utilização dos cofres de carga. O valor da condenação será apurado por simples cálculos aritméticos, convertido em moeda nacional no ato do pagamento, devendo ser descontada a quantia de R$6.000,00 paga antecipadamente pelos corréus. Reconhecida a sucumbência recíproca, determinando-se a compensação dos honorários advocatícios.


Contra esta decisão insurgem-se as partes.


Por uma questão de técnica de julgamento, analisa-se, primeiro, o recurso dos corréus.


A preliminar de ilegitimidade passiva do corréu Rodrigo não comporta acolhida.


Isto porque o corréu Rodrigo, na qualidade de despachante aduaneiro, assumiu solidariamente com a corré Arame Sul a responsabilidade pela devolução dos containers, tendo firmado, na qualidade de representante legal desta última, o “Termo Individual de Compromisso de Devolução de Containers Provenientes de Transporte Unimodal” (fls. 21/23, 2628 e 31/33):


“Na qualidade de despachante aduaneiro representante legal do importador (...) recebo o (s) container (s) da Asia Shipping Transportes Internacional Ltda., a quem reconhecemos como parte legítima para exigir a cobrança extrajudicial ou judicial das obrigações deste contrato. (...) Declaramos ciência e concordância com a posse provisória dos equipamentos a contar do dia da descarga do navio transporte unimodal -, e assumimos solidariamente com os  destinatários/importador e/ou notify o compromisso de devolvê-los limpos e sem quaisquer avarias e em condições de receber nova (s) carga (s) e solidariamente responder com destinatários/importador e ou notify pelo pagamento de estadias (demurrages), em conformidade com os valores abaixo discriminados para cada tipo de unidade e período.”


De tal sorte, o despachante aduaneiro tem legitimidade passiva para figurar no pólo da ação e responder pelo pagamento da sobreestadia.


Sobre o tema, veja-se a jurisprudência:


“ILEGITIMIDADE PASSIVA Transporte marítimo Hipótese em que tanto o despachante aduaneiro como a proprietária da carga assumiram a responsabilidade solidariamente pela devolução dos Contêineres, e pagamento de eventual sobrestadia Legitimidade das partes reconhecida Preliminar rejeitada . (...) Sentença Mantida Recurso não provido.” (TJSP; 16ª Câmara Extraordinária de Direito Privado; Apelação nº 0005259-56.2011.8.26.0562; Rel. Heraldo de Oliveira; julgado em 18/03/2015).


Afastada a preliminar, passa-se à análise do mérito do recurso.


Não assiste razão aos corréus ao entenderem que a cobrança de sobreestadia apresenta natureza de cobrança de cláusula penal, sendo necessária a demonstração de culpa quando do descumprimento da obrigação.


Wesley Collyer, capitão-de-longo-curso da Marinha Mercante, magistrado federal trabalhista inativo, professor universitário e advogado, in “Sobreestadia de navios: a regra “once on demurrage, always on demurrage”, extraída do site Jus Navigandi, ensina que: “Não chegou a um consenso a doutrina maritimista quanto à natureza jurídica da sobreestadia: cláusula penal, multa, suplemento do frete (ou frete suplementar), entre outras. Contudo, a tendência majoritária tem sido no sentido de considerá-la indenização.”


Explica que : “No direito inglês, por muito tempo, a remuneração da sobreestadia era a soma ou valor pago, em conseqüência de um contrato, por detenção do navio no porto de carga ou descarga além da estadia contratada. Na atualidade, o entendimento dominante, por força da jurisprudência, é que sobreestadia é indenização pré-fixada por quebra do contrato [26]. Interessante, contudo, o entendimento de Lord Brandon [27], da Câmara dos Lordes. Para ele, sobreestadia é (...) responsabilidade ou obrigação (contratual) de indenizar (de acordo com o valor pré-fixado) a perda ou prejuízo causado pela quebra de contrato. (...).”


E continua: “Não se deve confundir, porém, demurrage com damages for detention. Esta expressão é comumente utilizada para significar indenização (a ser fixada) por detenção do navio, e pode ser cobrada adicionalmente à sobreestadia ou em substituição a esta, embora as cortes inglesas e americanas resistam a essapretensão, o que será detalhado adiante. Em conseqüência do que afirmamos, portanto, podemos concluir que sobreestadia(demurrage) é espécie do gênero indenização (damages fordetention).


Sobreestadia, então, tanto pode significar o tempo utilizado além da estadia permitida, quanto o valor acordado que deve ser pago em compensação pela utilização, ou detenção do navio, além da estadia permitida. No primeiro caso é tempo, ou demora, e, no segundo, de acordo com a jurisprudência inglesa, é indenização (pré-fixada) por quebra de contrato.”


Assim, ao contrário do entendimento esposado pelos corréus, a natureza jurídica da demurrage não é de cláusula penal.


Trata-se, sim, de indenização por descumprimento contratual, paga pelo afretador, embarcador ou consignatário da carga ao proprietário dos containers, em razão da utilização destes por tempo além do contratado.


Sua finalidade é, pois, a de compensar o proprietário dos containers por eventuais prejuízos sofridos em razão da retenção indevida destes pelo devedor, por prazo superior ao contratado, independentemente da culpa do devedor no atraso, bastando sua ocorrência.


Por outro lado, não negaram os corréus a ocorrência do transporte ou a destinação da mercadoria, restando incontroversos tais fatos constantes dos autos.


Os documentos acostados aos autos são suficientes para demonstrar o direito em que se funda a pretensão da autora, uma vez que comprovam a qualidade de consignatária das mercadorias da corré Arame Sul e de representante (despachante aduaneiro) do corréu Rodrigo (“Bill of Lading” de fls. 20, 25 e 30 e “Termos Individuais de Compromisso de Devolução de Containers Provenientes de Transporte Unimodal” de fls. 21/24, 26/29 e 31/34), bem como o atraso na devolução dos containers onde estavam acondicionadas as mercadorias transportadas.


Neste ponto, esclareça-se, contrariamente ao sustentado pelos corréus, que os “Termos Individuais de Compromisso de Devolução de Containers Provenientes de Transporte Unimodal” de fls. 21/24, 26/29 e 31/34 são plenamente válidos e eficazes, uma vez que consta expressamente das procurações a outorga de poderes específicos para o procurador:


“2) Exercer as atividades previstas no artigo 808 do Decreto nº 6.759/2009 (...)” (fls. 23).


E assim prescreve o artigo 808, inciso II, do Decreto nº 6.759/2009:


“Art. 808. São atividades relacionadas ao despacho aduaneiro de mercadorias , inclusive bagagem de viajante, na importação , na exportação ou na internação, transportadas por qualquer via, as referentes a:


(...)


II - subscrição de documentos relativos ao despacho aduaneiro, inclusive termos de responsabilidade;”.


Ve-se, desta forma, que o procurador poderia exercer todas as atividades relacionadas ao despacho aduaneiro, inclusive assinar os termos de responsabilidade.


Ademais, como bem elucidou o douto magistrado a quo:


“Irrelevante que os termos de responsabilidade sobre devolução dos containers tenham sido assinados em data posterior à descarga dos cofres de carga, posto que, a partir da data que assinaram os referidos termos, os requeridos assumiram, solidariamente, o ônus da devolução dos cofres de carga; e as consequências em caso de atraso na devolução.” (fls. 121).


Ressalte-se, ainda, que os corréus não foram compelidos a anuir ou mesmo contratar. Se assim o fizeram, independente de o contrato ser de adesão, concordaram com os termos e condições do referido instrumento, devendo prevalecer o princípio do pact sunt servanda.


Tratando-se de contrato bilateral, é de rigor o cumprimento das condições estabelecidas entre as partes, o que afasta a possibilidade de alteração ou declaração de nulidade das cláusulas inicialmente ajustadas, tendo em vista a ausência de motivo que tivesse o condão de autorizar este procedimento.


No mais, o documento de fls. 02 faz prova inequívoca da data da devolução dos containers, verificandose daí o atraso na devolução que caracteriza o inadimplemento contratual e faz incidir a demurrage.


Ademais, os “Termos Individuais de Compromisso de Devolução de Containers Provenientes de Transporte Unimodal” firmados entre as partes preveem expressamente a cobrança de sobreestadia, com a estipulação dos prazos, valores e demais informações sobre a devolução dos containers (fls. 21/24, 26/29 e 31/34).


Limitaram-se os corréus a alegar que a demora para a aludida devolução teve como causa a burocracia dos portos brasileiros, o que configuraria força maior. Aduziram, também, que o valor cobrado seria abusivo.


Não obstante a alegação dos corréus de que a burocracia alfandegária teria contribuído para a demora na devolução dos containers, tal assertiva não merece acolhimento.


Para que seja configurada a força maior, necessária a constatação de imprevisibilidade do fato, o que não ocorre no caso em tela. É notório que a alegada burocracia alfandegária de liberação das mercadorias tornouse conduta corriqueira, sendo tal fato totalmente previsível no meio social em questão. Veja-se:


“COBRANÇA CONTAINER - SOBREESTADIA - HERA REITERAÇÃO DOS TERMOS DA CONTESTAÇÃO - OFENSA AO ART. 514, II DO CPC (...) COBRANÇA CONTAINER - SOBREESTADIA - A burocracia das autoridades alfandegárias é fato corriqueiro, previsível, circunstância que impede a configuração do caso fortuito ou motivo de força maior . Comprovado documentalmente que o réu permaneceu com os containers por prazo maior do que o contratado, resta o dever de arcar com o preço da sobreestadia. Inadimplemento contratual caracterizado, que faz incidir a demurrage. Cobrança procedente. Sentença mantida. RECURSO EM PARTE NÃO CONHECIDO E, NA PARTE CONHECIDA, NÃO PROVIDO.” (TJSP; 37ª Câmara de Direito Privado; Apelação nº 0038648-40.2009.8.26.0000; Rel. Roberto Mac Cracken; julgado em 16/09/2010).


Não há que se falar, portanto, em excludente de responsabilidade, visto inexistente a alegada força maior.


Ademais, estavam os corréus cientes da obrigação de pagamento da sobreestadia em caso de atraso na devolução dos containers à autora, como acima aduzido.


No mais, não podem os corréus insurgirem-se contra o valor cobrado a título de demurrage, alegando abusividade, uma vez que tomaram conhecimento dos valores praticados a esse título, com o recebimento dos “Termos Individuais de Compromisso de Devolução de Containers Provenientes de Transporte Unimodal”, que fazem expressa menção aos valores cobrados (fls. 21/24, 26/29 e 31/34).


Assim, caracterizada está a responsabilidade solidária dos corréus ao pagamento pela multa de sobreestadia (demurrage) em decorrência da retenção dos containers por tempo superior ao contratado.


Passa-se à análise do recurso da autora.


De fato, em que pese entendimento em sentido contrário, não pode ser considerado na cobrança o período de free time de 30 dias, nem mesmo podem ser utilizados os valores constantes da “Tabela de Sobreestadia com Bonificação” da Nota de Débito de fls. 75.


Isto porque, consoante se extrai dos “Termos Individuais de Compromisso de Devolução de Containers Provenientes de Transporte Unimodal” não há previsão de qualquer período de free time. Ademais, a “Nota de Débito/Cobrança de Sobreestadia de Container” de fls. 75 trazia a possibilidade de 30 dias de free time, bem como o valor da diária da sobreestadia de US$35,00, se o valor cobrado fosse pago até a data de vencimento constante da nota, o que, no caso, não ocorreu.


Veja-se que na referida nota de débito há expressa menção neste sentido:


“Até a data de vencimento o valor da nota de débito será o total a pagar em reais indicado na Tabela de Sobreestadia Com Bonificação. Após a data de vencimento o valor da nota de débito será o total a pagar em reais indicado na Tabela Padrão de Sobreestadia (...).” (fls. 75).


Assim, inexistindo pagamento até a data de vencimento da nota de débito, inviável se incluir nos cálculos referido período de free time, bem como a utilização do valor da diária de US$35,00.


De rigor, portanto, a parcial reforma da r. sentença, para o fim de julgar procedente ação, condenando-se os corréus a pagarem ao autor, a título de sobreestadia de containers, a quantia de US$37.650,00, a ser convertida em moeda nacional na data do efetivo pagamento, descontando-se, ainda, a quantia de R$6.000,00 paga antecipadamente pelos corréus.


Neste aspecto, ressalte-se que não há que se falar que a conversão do valor da condenação para moeda nacional deve ocorrer no dia da devolução de cada container, como pretendem os corréus.


A conversão do valor do débito em moeda estrangeira deve obedecer ao entendimento pacífico do Colendo STJ, segundo o qual o marco temporal da conversão do débito de moeda estrangeira (dólar) para moeda nacional é a data do pagamento da obrigação (3ª Turma; REsp nº 1.212.847/PR, Rel. Ministro Sidnei Beneti, julgado em 08/02/2011).


Sobre o tema, veja-se a jurisprudência:


“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. TRANSPORTE MARÍTIMO INTERNACIONAL. TARIFA DE SOBREESTADIA DE CONTÊINERES. DEMURRAGE. ART. 535 DO CPC. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO E OBSCURIDADE. INOCORRÊNCIA. DISTINÇÃO ENTRE INEXISTÊNCIA DE ALICERCES JURÍDICOS E RESULTADO DESFAVORÁVEL À PRETENSÃO DO LITIGANTE. REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 07/STJ. OFENSA A DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. DESCABIMENTO EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL. CONVERSÃO DA DÍVIDA CONTRAÍDA EM MOEDA ESTRANGEIRA PELO CÂMBIO DO DIA DO PAGAMENTO E CORREÇÃO MONETÁRIA. POSSIBILIDADE. JURISPRUDÊNCIA DESTE SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA . SÚMULA 83/STJ. AGRAVO REGIMENTAL ACOLHIDO PARA, EM JUÍZO DE RETRATAÇÃO, CONHECER DO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL E NEGAR SEGUIMENTO AO RECURSO ESPECIAL POR OUTROS FUNDAMENTOS.” (STJ; 3ª Turma; AgRg no AREsp nº 188026/PR; Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino; julgado em 03/03/2015).


“Apelação. Transporte marítimo. Ação de cobrança. Revelia. (...) Indenização contratual, para recompensar o proprietário do contêiner pelo atraso em sua devolução. Observância do "pacta sunt servanda". Contrato celebrado em moeda estrangeira. Marco para conversão do valor de sobre-estadia de moeda estrangeira para nacional é a data do efetivo pagamento. Entendimento consolidado pelo STJ . Sentença modificada. Recurso provido.” (TJSP; 15ª Câmara de Direito Privado; Apelação nº 1024646-64.2016.8.26.0562; Rel. Elói Estevão Troly; julgado em 08/08/2018).

Sucumbentes, deverão os corréus arcar com o pagamento das custas e despesas processuais, bem como com os honorários advocatícios dos patronos da autora, que se fixa em 15% sobre o valor da condenação, nesta quantia já incluídos os honorários recursais.


Ante o exposto, afastada a preliminar, nega-se provimento ao recurso dos corréus e dá-se provimento ao recurso da autora.


Salles Vieira, 


Relator