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Divórcio como direito potestativo e a (im)possibilidade de sua decretação liminarmente

Flávio Henrique Públio Alves
05/05/2021
O divórcio tem natureza de direito potestativo, impossibilitando a outra parte de impor condições. Em razão disso, é possível a decretação liminarmente através da tutela de evidência?

Como é cediço, a Emenda Constitucional nº 66/2010 promoveu significativa alteração na Constituição Federal/88, ao modificar a redação do §6º do seu art. 226, que passou a dispor que o casamento civil pode ser dissolvido através do divórcio, eliminando os requisitos temporais para a dissolução do vínculo, suprimindo a referência ao instituto da separação. 

 

Aqui, faz-se necessário destacar que, a separação judicial não fora extinta do ordenamento jurídico, continuando sendo instrumento para pôr fim ao matrimônio. 

 

Desta feita, através da referida Emenda, o divórcio passou a ter natureza de direito potestativo incondicionado e extintivo, não sendo mais admitido discussão acerca da culpa.  

 

O Novo Código de Processo, através dos artigos 693 e seguintes, criou um procedimento especial para as ações de família que se aplica, dentre outras demandas ao processo contencioso de divórcio. 

 

Ainda, havendo pedido de tutela provisória deduzido na petição inicial, fundado em urgência ou na evidência do direito pleiteado, a norma prescreve que o juízo deve tomar as providências cabíveis antes de determinar a citação da parte contrária, liminarmente, com fulcro na redação do artigo 695, caput, do Código de Processo Civil.

 

Neste diapasão, o principal fundamento para decretar o divórcio de forma liminar tem se dado através do artigo 311, inciso IV, do CPC/15, que diz respeito à tutela de evidência. 

 

No entanto, a decretação do divórcio, liminarmente, com base no artigo supra, vai de encontro ao próprio ordenamento jurídico, uma vez que o parágrafo único do artigo 311 do CPC/15, pressupõe prévia oportunidade de contraditório franqueada à parte contrária, quando o fundamento do pedido de tutela provisória de evidência se der com base no inciso IV. 

 

A jurisprudência tem adotado uma postura mais cautelosa acerca do ‘’divórcio impositivo’’, sustentando a necessidade de citação do réu para, posteriormente, decretar o divórcio. 

 

Por outro lado, buscando deixar o procedimento mais célere para a parte que requer a decretação do divórcio, tem-se a possibilidade de utilização do julgamento antecipado parcial do mérito (art. 56, CPC/15), quando da existência de outros pedidos, ou o próprio julgamento antecipado (art. 355, CPC/15), quando o único pedido for o de por fim ao matrimônio. 

 

E, neste sentido, julgou o Tribunal e Justiça do Estado do Paraná, quando do acórdão proferido em sede de agravo de instrumento, de nº 0041434-50.2020.8.16.0000, que tramitou junto à 12ª Câmara Cível. 

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE DIVÓRCIO LITIGIOSO – TUTELA DE EVIDÊNCIA PARA DECRETAÇÃO ANTECIPADA DO DIVÓRCIO – DESACOLHIMENTO EM PRIMEIRA INSTÂNCIA – INSURGÊNCIA RECURSAL – DIREITO POTESTATIVO EVIDENCIADO NO CASO CONCRETO – INEXISTÊNCIA DE PATRIMÔNIO COMUM DO CASAL OU CONSTITUIÇÃO DE FILHOS EM COMUM – DECRETAÇÃO DO DIVÓRCIO – INEVITÁVEL CONCESSÃO DA MEDIDA – FIM DA VIDA EM COMUNHÃO JÁ RECONHECIDO A PARTIR DO PEDIDO INICIAL - NECESSIDADE DE GARANTIR A LIBERDADE INERENTE À RESCISÃO DA RELAÇÃO MATRIMONIAL E PROSSEGUIMENTO DA VIDA PESSOAL SEM VIOLAÇÃO DA AUTONOMIA DA VONTADE – LIBERDADE FAMILIAR QUE TEM COMO UMA DAS SUAS DIMENSÕES A LIBERDADE AO DIVÓRCIO E DISSOLUÇÃO DA ENTIDADE FAMILIAR – NÃO SE TRATA DE RECONHECER DIREITO ABSOLUTO, MAS A MERA SUJEIÇÃO DO DEMANDADO A UM DOS EFEITOS DO DIREITO POTESTATIVO PLEITEADO PELA AUTORA – PRETENSÃO COM NATUREZA DE JULGAMENTO ANTECIPADO DE MÉRITO – INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 355 E 356 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – APLICABILIDADE NO CASO CONCRETO – NECESSIDADE DA ENTREGA DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL DE MODO ADEQUADO, INDEPENDENTEMENTE DA FORMA JURÍDICA APLICADA – DECISÃO REFORMADA – DECRETAÇÃO DO DIVÓRCIO INAUDITA ALTERA PARS INCIDENTE – CONFIRMAÇÃO DA LIMINAR RECURSAL OUTRORA CONCEDIDA – RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.1. O pleito de divórcio se trata de um direito potestativo do postulante, vale dizer: diante do pedido expresso da parte autora quanto à sua concessão, ao réu não há defesa juridicamente possível que obste o provimento do pleito, mantida a demanda, por evidente, para apreciar demais pendências, se for o caso. 2. O caráter potestativo do direito é de uma evidência incontrastável, pois afirmar o contrário seria admitir o inadmissível: o dever de permanecer casado mesmo diante do fim da vida conjunta. 3. Soma-se o fato de que a demandante não mais detém contato com o requerido, desconhecendo seu atual paradeiro, o que reforça a necessidade de lhe garantir a liberdade inerente à rescisão da relação matrimonial e prosseguimento da vida pessoal sem violação da sua autonomia, em especial diante da morosidade judiciária e do deficitário sistema de localização para possível citação e oportunidade ao contraditório. 4. Embora o pleito deduzido pela autora se respalde no artigo 300 do Código de Processo Civil, bem como que diante dos fatos expostos, independentemente da forma jurídica vinculada, seja possível a entrega da prestação jurisdicional de modo adequado, a hipótese do caso concreto se adequa à antecipação parcial dos efeitos da sentença (vide artigos 355 e 356 do Código de Processo Civil), bastando para tanto pedido que dispense instrução probatória, como é o caso. 5. Em resumo, em que pese a pretensão se paute na tutela de evidência, incidem, no caso, os artigos 355 e 356 do Código de Processo Civil, autorizando-se o julgamento antecipado do mérito, dada a ausência de controvérsia jurídica sobre o direito ao divórcio. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO (TJPR - 12ª C.Cível - 0041434-50.2020.8.16.0000 - Curitiba - Rel.: Desembargadora Rosana Amara Girardi Fachin - J. 24.09.2020).

 

Assim, diante da ausência de previsão legal que permita a decretação do divórcio liminarmente nos termos da tutela de evidência, pode-se utilizar de outras técnicas procedimentais para se alcançar o mesmo resultado. De todo modo, é possível concluir que os tribunais têm decidido no sentindo de entender o divórcio como direito potestativo, não havendo defesa juridicamente possível que obste o provimento do pleito, seja de forma antecipada ou definitiva. 

 

Escrito por Flávio Henrique Públio Alves, Advogado, Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC Minas, especialista em Processual Civil e Argumentação Jurídica pelo Instituto de Educação da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – IEC PUC/MG. É sócio fundador do Escritório Públio, Correia e Riani - Sociedade de Advogados. 

Flávio Henrique Públio Alves, Advogado, Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC Minas, especialista em Processual Civil e Argumentação Jurídica pelo Instituto de Educação da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – IEC PUC/MG. É sócio fundador do Escritório Públio, Correia e Riani - Sociedade de Advogados.